Opiário
Ao Senhor Mário de Sá-Carneiro
É antes do ópio que a minh’alma é doente.
Sentir a vida convalesce e estiola
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente.Esta vida de bordo há-de matar-me.
São dias só de febre na cabeça
E, por mais que procure até que adoeça,
já não encontro a mola pra adaptar-me.Em paradoxo e incompetência astral
Eu vivo a vincos de ouro a minha vida,
Onda onde o pundonor é uma descida
E os próprios gozos gânglios do meu mal.É por um mecanismo de desastres,
Uma engrenagem com volantes falsos,
Que passo entre visões de cadafalsos
Num jardim onde há flores no ar, sem hastes.Vou cambaleando através do lavor
Duma vida-interior de renda e laca.
Tenho a impressão de ter em casa a faca
Com que foi degolado o Precursor.Ando expiando um crime numa mala,
Que um avô meu cometeu por requinte.
Tenho os nervos na forca, vinte a vinte,
E caí no ópio como numa vala.
Passagens sobre Coração
2137 resultadosOlhe à direita e à esquerda do tempo, e que o teu coração aprenda a estar tranquilo
Aquella Orgia
Nós eramos uns dez ou onze convidados,
– Todos buscando o gozo e achando o abatimento,
E todos afinal vencidos e quebrados
No combate da Vida inutil e incruento.Tocava o termo a ceia – e ia surgindo o alvor
Da madrugada vaga, etherea e crystallina,
A alguns trazendo a vida, e enchendo outros de horor,
Branca como uma flor de prata florentina.Todos riam sem causa. – A estolida batalha
Da Materia e da Luz travara-se afinal,
E eram já côr de vinho os risos e a toalha,
– E arrojavam-se ao ar os copos de crystal.Crusavam-se no ar ditos como facadas;
Escandalos de amor, historias sensuaes…
– Rolavam nos divans caindo, ás gargalhadas,
Sujos como truões, torpes como animaes.Um agitando o ar com risos desmanchados,
Recitava canções, farças, Hamlet e Ophelia;
– Outro perdido o olhar, e os braços encruzados,
De bruços, n’um divan, roia uma camelia!Outros fingindo a dôr, fallavam dos ausentes,
Das amantes, dos paes, com gritos d’afflicção,
– Um brandia um punhal, com ditos incoherentes;
No Coração, Talvez
No coração, talvez, ou diga antes:
Uma ferida rasgada de navalha,
Por onde vai a vida, tão mal gasta.
Na total consciência nos retalha.
O desejar, o querer, o não bastar,
Enganada procura da razão
Que o acaso de sermos justifique,
Eis o que dói, talvez no coração.
O coração, se pudesse pensar, pararia. (Bernardo Soares)
Lembrar é fácil pra quem tem memória, esquecer é difícil pra quem tem coração…
A dor mais cruel é a que vela fria e inerte no fundo do coração.
Os Comunistas
… Passaram bastantes anos desde que ingressei no Partido… Estou contente… Os comunistas constituem uma boa família… Têm a pele curtida e o coração valoroso… Por todo o lado recebem pauladas… Pauladas exclusivamente para eles… Vivam os espiritistas, os monárquicos, os aberrantes, os criminosos de vários graus… Viva a filosofia com fumo mas sem esqueletos… Viva o cão que ladra e que morde, vivam os astrólogos libidinosos, viva a pornografia, viva o cinismo, viva o camarão, viva toda a gente menos os comunistas… Vivam os cintos de castidade, vivam os conservadores que não lavam os pés ideológicos há quinhentos anos… Vivam os piolhos das populações miseráveis, viva a força comum gratuita, viva o anarco-capitalismo, viva Rilke, viva André Gide com o seu coribantismo, viva qualquer misticismo… Tudo está bem… Todos são heróicos… Todos os jornais devem publicar-se… Todos devem publicar-se, menos os comunistas… Todos os políticos devem entrar em São Domingos sem algemas… Todos devem festejar a morte do sanguinário Trujillo, menos os que mais duramente o combateram… Viva o Carnaval, os derradeiros dias do Carnaval… Há disfarces para todos… Disfarces de idealistas cristãos, disfarces de extrema-esquerda, disfarces de damas beneficentes e de matronas caritativas… Mas, cuidado, não deixem entrar os comunistas…
O coração é a fonte ordinária das ilusões do espírito.
Coração apaixonado não ouve razões.
Há uma idade em que a mulher gosta mais de ser namorada do que amada. Entre um amor recatado e reverente e um galanteio indiscreto e ostensivo, não hesita: prefere o segundo. O que lhe enche o coração não é o amor; é a vaidade.
As nossas mentes por vezes vêem aquilo que os nossos corações desejariam que fosse verdade.
Mãe é o nome de Deus nos lábios e corações das crianças pequenas.
Solidão
Estás todo em ti, mar, e, todavia,
como sem ti estás, que solitário,
que distante, sempre, de ti mesmo!Aberto em mil feridas, cada instante,
qual minha fronte,
tuas ondas, como os meus pensamentos,
vão e vêm, vão e vêm,
beijando-se, afastando-se,
num eterno conhecer-se,
mar, e desconhecer-se.És tu e não o sabes,
pulsa-te o coração e não o sente…
Que plenitude de solidão, mar solitário!Tradução de José Bento
A Verdadeira Natureza Humana
A humildade fica perto da disciplina moral; a simplicidade de carácter fica perto da verdadeira natureza humana; e a lealdade fica perto da sinceridade de coração. Se um homem cultivar cuidadosamente essas coisas na sua conduta, não estará longe do padrão da verdadeira natureza humana. Com a humildade, ou uma atitude piedosa, um homem raramente comete erros; com a sinceridade de coração, um homem é geralmente digno de confiança; e com a simplicidade de carácter é comummente generoso. Cometerá poucos erros.
É fantástico a gente sentir o que não quer e ter um coração independente.
Quem acredita levianamente tem um coração leviano.
Para conquistar um amor, deixe a sua boca falar com a voz do coração. As palavras têm perfume e cor quando reflectem a ternura de um sentimento.
O Abraço
(excerto)
Não vês inda, de gosto sufocados,
Um noutro nossos peitos esculpidos?
Não sentes nossos rostos tão chegados
E ainda mais os corações unidos?
Oh! Mais, mais do que unidos!
Tu fizeste, Doce encanto, que eu fosse mais que teu.
Lembra, lembra-te quando me disseste:
– Meu bem, eu não sou tu?… Tu não és eu?Goza, de todo goza o teu amante;
E unidos ambos… -Oh!… e estás tão perto!…
Meu bem, deliro, sonho ou estou desperto?
Ambos unidos em mimoso laço,
Faces, bocas unidas… Ah! que faço?…
É ar… Quando que a abraço me parece,
A mim me abraço e em ar se desvanece.
Mas que duvido com abraço estreito
Cingir-me?… Dize, não és seu, meu peito?…
[…]
Goza, meu bem (enquanto a Sorte avara
Com tanta crueldade nos separa)
Goza do alívio, que nos concedeu,
De dizer com certeza: É minha! – É meu!…
O que o sábio guarda no coração, tem na boca o beberrão.