Um Ofício que Fosse de Intensidade e Calma
Um ofício que fosse de intensidade e calma
e de um fulgor feliz E que durasse
com a densidade ardente e contemporâneo
de quem está no elemento aceso e é a estatura
da água num corpo de alegria E que fosse fundo
o fervor de ser a metamorfose da matéria
que já não se separa da incessante busca
que se identifica com a concavidade originária
que nos faz andar e estar de pé
expostos sempre à única face do mundo
Que a palavra fosse sempre a travessia
de um espaço em que ela própria fosse aérea
do outro lado de nós e do outro lado de cá
tão idêntica a si que unisse o dizer e o ser
e já sem distância e não-distância nada a separasse
desse rosto que na travessia é o rosto do ar e de nós próprios
Passagens sobre Corpo
1477 resultadosOuve, Meu Anjo
Ouve, meu anjo:
Se eu beijásse a tua pél?
Se eu beijásse a tua boca
Onde a saliva é um mél?…Quiz afastar-se mostrando
Um sorriso desdenhoso;
Mas ai!
– A carne do assassino
É como a do virtuoso.N’uma attitude elegante,
Mysteriosa, gentil,
Deu-me o seu corpo doirado
Que eu beijei quase febríl.Na vidraça da janella,
A chuva, léve, tinia…Elle apertou-me, cerrando
Os olhos para sonhar…
E eu, lentamente, morria
Como um perfume no ar!
A Morte, Que Da Vida O Nó Desata
A Morte, que da vida o nó desata,
os nós, que dá o Amor, cortar quisera
na Ausência, que é contr’ ele espada fera,
e co Tempo, que tudo desbarata.Duas contrárias, que üa a outra mata,
a Morte contra o Amor ajunta e altera:
üa é Razão contra a Fortuna austera,
outra, contra a Razão, Fortuna ingrata.Mas mostre a sua imperial potência
a Morte em apartar dum corpo a alma,
duas num corpo o Amor ajunte e una;porque assi leve triunfante a palma,
Amor da Morte, apesar da Ausência,
do Tempo, da Razão e da Fortuna.
Não penses que és um ser limitado. A eternidade está dentro de ti. ‘Dentro de ti’ não significa dentro de teu corpo carnal. Despertando para a Verdade, compreenderás o significado disto.
Esse desesperado suspiro dos corpos se amando é que faz uma mulher se transcender, aceitar em si a semente de um infinito ser.
Da Poesia e da Tragédia
Parece que a poesia tem inteiramente a sua origem em duas causas, ambas naturais. Porque a imitação é natural ao homem desde a infância, e nisto difere dos outros animais, pois que ele é o mais imitador de todos, aprende as primeiras coisas por meio da imitação, e todos se deleitam com as imitações. É prova disto o que acontece a respeito dos artífices, porque nós contemplamos com prazer as imagens mais exactas daqueles mesmos objectos para que olhamos com repugnância; por exemplo, a representação de animais ferocíssimos e de cadáveres. E a razão disto é porque o aprender é coisa que muito apraz não só aos filósofos, mas também igualmente aos demais homens, posto que estes sejam menos instruídos. Por isso se alegram de ver as imagens, pois que, olhando para elas, podem aprender e discorrer o que uma delas é e dizer, por exemplo: isto é tal; porque, se suceder que alguém não tenha visto o original, não recebe então prazer da imitação, mas ou da beleza da obra, ou das cores, ou de outro algum motivo semelhante.
Sendo, pois, própria da nossa natureza a imitação, também o é a harmonia e o ritmo (porque é claro que os metros são parte do ritmo).
Guerra
Tanto é o sangue
que os rios desistem de seu ritmo,
e o oceano delira
e rejeita as espumas vermelhas.Tanto é o sangue
que até a lua se levanta horrível,
e erra nos lugares serenos,
sonâmbula de auréolas rubras,
com o fogo do inferno em suas madeixas.Tanta é a morte
que nem os rostos se conhecem, lado a lado,
e os pedaços de corpo estão por ali como tábuas sem uso.Oh, os dedos com alianças perdidos na lama…
Os olhos que já não pestanejam com a poeira…
As bocas de recados perdidos…
O coração dado aos vermes, dentro dos densos uniformes…Tanta é a morte
que só as almas formariam colunas,
as almas desprendidas… — e alcançariam as estrelas.E as máquinas de entranhas abertas,
e os cadáveres ainda armados,
e a terra com suas flores ardendo,
e os rios espavoridos como tigres, com suas máculas,
e este mar desvairado de incêndios e náufragos,
e a lua alucinada de seu testemunho,
e nós e vós, imunes,
chorando,
Amor e paixão são para o corpo como asas para um pássaro: voam no mesmo tatalar, numa só cadência, mergulhando nas nuvens, em direção ao céu!
A Tua Vida é Agora
Toda a negatividade é provocada por uma acumulação de tempo psicológico e de recusa do presente. Mal-estar, ansiedade, tensão, stress, preocupações – todas as formas de medo – são causados por futuro em demasia e insuficiente presença. Sentimentos de culpa, arrependimento, ressentimento, injustiças, tristeza, amargura e todas as formas de falta de indulgência são provocados por passado em demasia e insuficiente presença.
A maioria das pessoas tem dificuldade em acreditar que seja possível um estado de consciência totalmente livre de negatividade. E no entanto é esse o estado de libertação para o qual todos os ensinamentos espirituais apontam. É a promessa de salvação, não num futuro ilusório, mas já aqui e agora.Poderás ter dificuldade em admitir que o tempo seja a causa do teu sofrimento ou dos teus problemas. Acreditas que são provocados por situações específicas na tua vida e, visto de um ponto de vista convencional, isso é verdade. Mas até teres lidado com a disfunção básica da mente “que-faz-os-problemas” – o seu apego ao passado e ao futuro e a negação do Agora – os problemas são na verdade permutáveis. Se todos os teus problemas ou as consideradas causas do sofrimento ou da infelicidade te fossem milagrosamente retirados hoje,
Se te Queres Matar
Se te queres matar, por que não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria…
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por atores de convenções e poses determinadas,
O circo policromo do nosso dinamismo sem fím?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente…
Talvez, acabando, comeces…
E, de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém…
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te…
Talvez peses mais durando, que deixando de durar…A mágoa dos outros?… Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão…
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
A alma humana e o corpo humano têm uma infinita capacidade de adaptação, e é extraordinário quão resistentes podemos acabar por ficar, e como conceitos que tratámos como relativamente insignificantes podem subitamente tornar-se significativos e cruciais.
O corpo existe tão somente para que o Espírito se manifeste.
O Novo Homem
O homem será feito
em laboratório.
Será tão perfeito como no antigório.
Rirá como gente,
beberá cerveja
deliciadamente.
Caçará narceja
e bicho do mato.
Jogará no bicho,
tirará retrato
com o maior capricho.
Usará bermuda
e gola roulée.
Queimará arruda
indo ao canjerê,
e do não-objecto
fará escultura.
Será neoconcreto
se houver censura.
Ganhará dinheiro
e muitos diplomas,
fino cavalheiro
em noventa idiomas.
Chegará a Marte
em seu cavalinho
de ir a toda parte
mesmo sem caminho.
O homem será feito
em laboratório
muito mais perfeito
do que no antigório.
Dispensa-se amor,
ternura ou desejo.
Seja como for
(até num bocejo)
salta da retorta
um senhor garoto.
Vai abrindo a porta
com riso maroto:
«Nove meses, eu?
Nem nove minutos.»
Quem já concebeu
melhores produtos?
A dor não preside
sua gestação.
Seu nascer elide
o sonho e a aflição.
Nascerá bonito?
Corpo bem talhado?
Claro: não é mito,
é planificado.
O que me Faz Escrever este Poema
O que me faz escrever este poema
não são as coisas: terra céu astros.
A saber: estendo a mão: e
o mundo reconhece-a encontra amemória onde repousa e se transforma.
Pequena questão de valor cósmico. Insisto:
elo que liga bruma e fumo
felicidade de imagens nome inamistoso.Não sonho palavra sonho barco.
Imóvel aprendo a não esquecer:
aspecto mineral do corpo
um destino de mica qualquer coisa
que não cessa de bater.
Não há Sabedoria sem Esforço
Certos vícios, temos o hábito de atribuí-los aos condicionalismos do lugar e do tempo, mas o certo é que, para onde quer que vamos, esses vícios nos acompanham. (…) Para quê iludirmo-nos? O nosso mal não vem do exterior, está dentro de nós, enraizado nas nossas vísceras, e, como ignoramos o mal de que sofremos, só com dificuldade recuperamos a saúde. E mesmo que já tenhamos iniciado o tratamento, quando nos será possível levar de vencida a enorme virulência de tão numerosas enfermidades? Nem sequer solicitamos a presença do médico, quando afinal é mais fácil tratar uma doença ainda no início. Almas ainda frescas e inexperientes obedecem sem tardar a quem lhes indique o justo caminho. Só é difícil reconduzir à via da natureza quem deliberadamente dela se apartou. Parece que temos vergonha de aprender a sabedoria! Pelos deuses, se acharmos que é vergonhoso buscar um mestre, então podemos perder a esperança de obter as vantagens da sabedoria por obra do acaso. A sabedoria só se obtém pelo esforço.
Para dizer a verdade, nem sequer é necessário grande esforço se, como disse, começarmos a formar e a corrigir a nossa alma antes que as más tendências cristalizem. Mas mesmo já empedernidas,
Sabes, Pai
sabes, pai
o cachecol bege nos muros da foz
cobria as árvores com o seu pêlo, ao vento
o boné azul, marinheiro nos cabelos louros
sussurrava pequenas frases às silentes águas
o teu sorriso tão leve, enternecia o rosto
esses óculos, teu cabelo nas tardes de solou o barco encalhado na areia breve
junto ao castelo onde nos passeávamos
eu tu a mãe, duas ou três falas e o meu corpo
que se chegava a vós junto à estradanestes muros da foz, abertos ao mar
que voava
A educação deve propiciar ao corpo e à alma toda a perfeição e a beleza que podem ter.
Não acredite que está mal: deixe que a Mãe possua seu corpo e sua alma, entregue-se através da dança ou do silêncio, ou das coisas comuns da vida.
Estrela da Tarde
Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca tardando-lhe o beijo morria.
Quando à boca da noite surgiste na tarde qual rosa tardia
Quando nós nos olhámos, tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos, unidos, ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia.
Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça
E o meu corpo te guarde.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria
Ou se és a tristeza.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza!Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram.
Aquela Que, De Pura Castidade
Aquela que, de pura castidade,
de si mesma tomou cruel vingança
por üa breve e súbita mudança,
contrária a sua honra e qualidade(venceu à fermosura a honestidade,
venceu no fim da vida a esperança
porque ficasse viva tal lembrança,
tal amor, tanta fé, tanta verdade!),de si, da gente e do mundo esquecida,
feriu com duro ferro o brando peito,
banhando em sangue a força do tirano.[Oh!] estranha ousadia ! estranho feito !
Que, dando breve morte ao corpo humano,
tenha sua memória larga vida!