As desgraças que vigoram os homens probos e virtuosos, enervam e desalentam os maus e viciosos.
Passagens sobre Desgraças
295 resultadosBens Ilusórios
Por nosso mal lá chega a idade, em que não queremos mais fortunas, que o viver; conhecemos a ilusão delas, e se as buscamos, é como por costume, mas sem ânsia, e sem desassossego; o desejo de as alcançar, é como um resto de calor, que apenas se faz sentir. Não reflectimos sobre o pouco tempo, que devemos gozar um bem, senão depois de o ter: só então consideramos o muito que custou a alcançar, e o pouco que o havemos possuir.
Em cada país há um modo com que as cousas se imaginam; o que é fortuna em uma parte, é desgraça em outra, o que aqui se busca com empenho, ali se despreza totalmente. Os objectos que entretêm a vaidade, e estimação dos homens, são como ídolos, que só se veneram em lugar determinado, e fora daquele tal espaço, a adoração se troca em vitupério; o mesmo mármore de que em Atenas se faria uma Minerva, transportado a outro lugar, apenas servirá de base a uma coluna; assim é a vaidade, por mais que seja universal nos homens, os motivos dela não são universais.
Alma Ferida
Alma ferida pelas negra lanças
Da Desgraça, ferida do Destino,
Alma,[a] que as amarguras tecem o hino
Sombrio das cruéis desesperanças,Não desças, Alma feita de heranças
Da Dor, não desças do teu céu divino.
Cintila como o espelho cristalino
Das sagradas, serenas esperanças.Mesmo na Dor espera com clemência
E sobe à sideral resplandecência,
Longe de um mundo que só tem peçonha.Das ruínas de tudo ergue-te pura
E eternamente, na suprema Altura,
Suspira, sofre, cisma, sente, sonha!
Os Vendilhões do Templo
Deus disse: faz todo o bem
Neste mundo, e, se puderes,
Acode a toda a desgraça
E não faças a ninguém
Aquilo que tu não queres
Que, por mal, alguém te faça.Fazer bem não é só dar
Pão aos que dele carecem
E à caridade o imploram,
É também aliviar
As mágoas dos que padecem,
Dos que sofrem, dos que choram.E o mundo só pode ser
Menos mau, menos atroz,
Se conseguirmos fazer
Mais p’los outros que por nós.Quem desmente, por exemplo,
Tudo o que Cristo ensinou.
São os vendilhões do templo
Que do templo ele expulsou.E o povo nada conhece…
Obedece ao seu vigário,
Porque julga que obedece
A Cristo — o bom doutrinário.
Desgraça: o tipo de graça que nunca vem só.
Assim como a desgraça faz discorrer mais, a felicidade rouba todo o desejo de análise; por isso, é duplamente desejável.
Náufragos que Navegam Tempestades
As tempestades são sempre períodos longos. Poucas pessoas gostam de falar destes momentos em que a vida se faz fria e anoitece, preferem histórias de praias divertidas às das profundas tragédias de tantos naufrágios que são, afinal, os verdadeiros pilares da nossa existência.
Gente vazia tende a pensar em quem sofre como fraco… quando fracos são os que evitam a qualquer custo mares revoltos, tempestades em que qualquer um se sente minúsculo, mas só os que não prestam o são verdadeiramente. Para a gente de coração pequeno, qualquer dor é grande. Os homens e mulheres que assumem o seu destino sabem que, mais cedo ou mais tarde, morrerão, mas há ainda uma decisão que lhes cabe: desviver a fugir ou morrer sofrendo para diante.
Da morte saímos, para a morte caminhamos. O que por aqui sofremos pode bem ser a forma que temos de nos aproximarmos do coração da verdade.Haverá sempre quem seja mestre de conversas e valente piloto de naus alheias, os que sabem sempre tudo, principalmente o que é (d)a vida do outro, e mais especificamente se estiver a passar um mau bocado. Logo se apressam a dizer que depois da tempestade vem a bonança,
Quem no perigo abandona o seu semelhante, é responsável pela sua desgraça.
De nada adianta acreditar abstratamente em Deus, sem ter a noção correta de ‘quem Ele é’. Uma crença errônea pode até provocar desgraças.
Desgraça pouca é tiquinho.
Velho
Estás morto, estás velho, estás cansado!
Como um sulco de lágrimas pungidas,
Ei-las, as rugas, as indefinidas
Noites do ser vencido e fatigado.Envolve-te o crepúsculo gelado
Onde vai soturno amortalhando as vidas
Ante o responso em músicas gemidas
No fundo coração dilacerado.A cabeça pendida de fadiga,
Sentes a morte taciturna e amiga
Que os teus nervos círculos governa.Estás velho, estás morto! Ó dor, delírio,
Alma despedaçada de martírio,
Ó desespero da Desgraça eterna!
A desgraça de uns faz a felicidade de outros.
Havendo Escapado de uma Grande Doença
Foi tão cruel, tão duramente forte
A que passei tormenta repetida,
Que não fazendo já conta da vida,
Só chegava a fazer caso da morte.Mas lastimada de meu mal a sorte,
Quando já me notava na partida,
Propícia e favorável me convida
Com porto alegre, com seguro norte.Altiva torre fabriquei no vento,
Mas a esperança, vã que nela tive
O vento ma levou que sempre corre.Do mundo o céu nos dê conhecimento,
Que a desgraça é morrer como quem vive,
E a ventura é viver como quem morre.
Uma grande desgraça confere certo decoro mesmo às pessoas mais insignificantes.
Quem?
Não sei quem és. Já não te vejo bem…
E ouço-me dizer (ai, tanta vez!…)
Sonho que um outro sonho me desfez?
Fantasma de que amor? Sombra de quem?Névoa? Quimera? Fumo? Donde vem?…
– Não sei se tu, amor, assim me vês!…
Nossos olhos não são nossos, talvez…
Assim, tu não és tu! Não és ninguém!…És tudo e não és nada… És a desgraça…
És quem nem sequer vejo; és um que passa…
És sorriso de Deus que não mereço…És aquele que vive e que morreu…
És aquele que é quase um outro eu…
És aquele que nem sequer conheço…
A desgraça de quem pede é ser sujeito a quem tem.
O Homem Deformado pela Sociedade
Formou Deus o homem, e o pôs num paraíso de delícias; tornou a formá-lo a sociedade, e o pôs num inferno de tolices. O homem — não o homem que Deus fez, mas o homem que a sociedade tem contrafeito, apertando e forçando em seus moldes de ferro aquela pasta de limo que no paraíso terreal se afeiçoara à imagem da divindade — o homem assim aleijado como nós o conhecemos, é o animal mais absurdo, o mais disparatado e incongruente que habita na terra.
Rei nascido de todo o criado, perdeu a realeza: príncipe deserdado e proscrito, hoje vaga foragido no meio de seus antigos estados, altivo ainda e soberbo com as recordações do passado, baixo, vil e miserável pela desgraça do presente.
Destas duas tão apostas actuações constantes, que já per si sós o tornariam ridículo, formou a sociedade, em sua vã sabedoria, um sistema quimérico, desarrazoado e impossível, complicado de regras a qual mais desvairada, encontrado de repugnâncias a qual mais aposta. E vazado este perfeito modelo de sua arte pretensiosa, meteu dentro dele o homem, desfigurou-o, contorceu-o, fê-lo o tal ente absurdo e disparatado, doente, fraco, raquítico; colocou-o no meio do Éden fantástico de sua criação — verdadeiro inferno de tolices — e disse-lhe,
Marília
Ó Marília! Ó Dirceu! Eram dois ninhos
Os vossos corações, ninhos de flores;
Mas, entre os quais, sentíeis os rigores
Lacerantes de incógnitos espinhos;Tremiam, como em flácidos arminhos,
Promiscuamente, neles os amores,
As saudades, os cânticos, as dores,
Como uma multidão de passarinhos…O sulco profundíssimo que traça
Nos corações amantes a desgraça,
Ambos nos corações traçados vistes,Quando os vossos olhares, no momento,
Cruzaram-se, do negro afastamento,
Marejados de lágrimas e tristes…
Se pensar, entenderá que a culpa, os erros, as decepções e as desgraças são privilégios de uma vida consciente. A Morte não tem estes privilégios!
Trova do vento que passa
Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio – é tudo o que tem
quem vive na servidão.Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.