Passagens sobre FĂșria

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Frases sobre fĂșria, poemas sobre fĂșria e outras passagens sobre fĂșria para ler e compartilhar. Leia as melhores citaçÔes em Poetris.

O Cerimonial das MĂŁos

MĂŁe, onde foi que deixaste a outra metade,
a que anunciava o sol na turvação das noites,
a que iluminava a sombra no cerimonial das mĂŁos?
Em que cĂŽncavo de rochas buscava abrigo
essa outra metade que eu via projectada
para fora de mim como um sonho evadindo-se
do cĂ­rculo de medos em que a fĂșria se jogava?
Eu era gémeo de todos os assombros
e os meus segredos era com essa outra metade
que os partilhava Ă  revelia das bocas
que em surdina me traçavam o destino.
Quanto de mim se perdia nessa metade
que me furtava o riso e me deixava a culpa,
que me feria o ventre e me fustigava a pele?
Quanto de mim me flagelava
sem que eu lhe conhecesse morada ou nome?
Mãe, eu pedia uma trégua ao vento
e um punhal Ă  chuva e com ambos queria
separar de mim a metade incandescente
que Ă  beira dos meus gestos
ganhava altura de nuvem e fulgor de estrela.
MĂŁe, eu vejo-me outro nesta cama
que guarda os instrumentos liquefeitos da insĂłnia
e sei que nĂŁo sou eu quem lĂĄ estĂĄ,

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Sanhudo, InexorĂĄvel Despotismo

Sanhudo, inexorĂĄvel Despotismo
Monstro que em pranto, em sangue a fĂșria cevas,
Que em mil quadros horrĂ­ficos te enlevas,
Obra da Iniquidade e do AteĂ­smo:

Assanhas o danado Fanatismo,
Porque te escore o trono onde te enlevas;
Por que o sol da Verdade envolva em trevas
E sepulte a RazĂŁo num denso abismo.

Da sagrada Virtude o colo pisas,
E aos satĂ©lites vis da prepotĂȘncia
De crimes infernais o plano gizas,

Mas, apesar da bĂĄrbara insolĂȘncia,
Reinas sĂł no ext’rior, nĂŁo tiranizas
Do livre coração a independĂȘncia.

Dentes

Os dentes, porque sĂŁo dentes,
iniciais. Na espuma,
porque nĂŁo sĂŁo saliva
estas ondas
pouco mordentes; este
sal que sobe quase
doce; donde?

Numa espécie
de fogo: amor Ă© fogo
que arde sem se ver;
porque nĂŁo Ă©
de facto fogo este frio aceso;
da saliva Ă  lava
passa pela espuma.

SĂł os dentes.
Duros, ĂĄcidos, concentram-se
tacteando a pele,
tatuando signos sempre
moventes
de fĂșria. Mordida
a pele cintila; espelho
dos dentes, do seu esmalte voraz;
suavemente.

Em louvor do grande CamÔes

Sobre os contrĂĄrios o terror e a morte
Dardeje embora Aquiles denodado,
Ou no rĂĄpido carro ensanguentado
Leve arrastos sem vida o Teuco forte:

Embora o bravo MacedĂłnio corte
Coa fulminante espada o nĂł fadado,
Que eu de mais nobre estĂ­mulo tocado,
Nem lhe amo a glĂłria, nem lhe invejo a sorte:

Invejo-te, CamÔes, o nome honroso;
Da mente criadora o sacro lume,
Que exprime as fĂșrias de Lieu raivoso:

Os ais de InĂȘs, de VĂ©nus o queixume,
As pragas do gigante proceloso,
O cĂ©u de Amor, o inferno do CiĂșme.

Dança Do Ventre

Torva, febril, torcicolosamente,
Numa espiral de elétricos volteios,
Na cabeça, nos olhos e nos seios
FluĂ­am-lhe os venenos da serpente.

Ah! que agonia tenebrosa e ardente!
Que convulsĂ”es, que lĂșbricos anseios,
Quanta volĂșpia e quantos bamboleios,
Que brusco e horrĂ­vel sensualismo quente.

O ventre, em pinchos, empinava todo
Como reptil abjecto sobre o lodo,
Espolinhando e retorcido em fĂșria.

Era a dança macabra e multiforme
De um verme estranho, colossal, enorme,
Do demĂŽnio sangrento da luxĂșria!

De todas as doenças do espĂ­rito humano, a fĂșria de dominar Ă© a mais terrĂ­vel.

Afra

Ressurges dos mistĂ©rios da luxĂșria,
Afra, tentada pelos verdes pomos,
Entre os silfos magnéticos e os gnomos
Maravilhosos da paixĂŁo purpĂșrea.

Carne explosiva em pĂłlvoras e fĂșria
De desejos pagĂŁos, por entre assomos
Da virgindade–casquinantes momos
Rindo da carne jĂĄ votada a incĂșria.

Votada cedo ao lĂąnguido abandono,
Aos mĂłrbidos delĂ­quios como ao sono,
Do gozo haurindo os venenosos sucos.

Sonho-te a deusa das lascivas pompas,
A proclamar, impĂĄvida, por trompas,
Amores mais estéreis que os eunucos!

Julgar sem Ira

Não hå paixão que tanto abale a integridade dos julgamentos quanto a cólera. Ninguém hesitaria em punir de morte o juiz que, por cólera, houvesse condenado o seu criminoso; por que serå mais permitido aos pais e aos professores açoitar as crianças e castigå-las estando encolerizados? Isso jå não é correcção: é vingança. O castigo faz papel de remédio para as crianças; e toleraríamos um médico que estivesse animado e encolerizado contra o seu paciente?
Nós mesmos, para agir bem, não deveríamos pÎr a mão nos nossos serviçais enquanto nos perdurar a cólera. Enquanto o pulso nos bater e sentirmos emoção, adiemos o acerto; as coisas na verdade vão parecer-nos diferentes quando estivermos calmos e arrefecidos: agora é a paixão que comanda, é a paixão que fala, não somos nós. Através dela as faltas parecem-nos maiores, como os corpos no meio do nevoeiro. Quem tiver fome faça uso de alimento; mas quem quiser fazer uso do castigo não deve sentir fome nem sede dele. E, além disso, as puniçÔes que se fazem com ponderação e discernimento são muito mais bem aceites e com melhor proveito por quem as recebe. De outra forma, ele não considera que foi condenado justamente,

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As FrĂĄgeis Hastes

NĂŁo voltarei Ă  fonte dos teus flancos
ao fogo espesso do verĂŁo
a escorrer infatigĂĄvel
dos espelhos, nĂŁo voltarei.

NĂŁo voltarei ao leito breve
onde quebrĂĄmos uma a uma
todas as frĂĄgeis
hastes do amor.

Eis o outono: cresce a prumo.
Anoitecidas ĂĄguas
em febre em fĂșria em fogo
arrastam-me para o fundo.

Ode MarĂ­tima

Sozinho, no cais deserto, a esta manhĂŁ de VerĂŁo,
Olho pro lado da barra, olho pro Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nĂ­tido, clĂĄssico Ă  sua maneira.
Deixa no ar distante atrĂĄs de si a orla vĂŁ do seu fumo.
Vem entrando, e a manhĂŁ entra com ele, e no rio,
Aqui, acolĂĄ, acorda a vida marĂ­tima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trĂĄs dos navios que estĂŁo no porto.
HĂĄ uma vaga brisa.
Mas a minh’alma estĂĄ com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque ele estĂĄ com a DistĂąncia, com a ManhĂŁ,
Com o sentido marĂ­timo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma nåusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.

Olho de longe o paquete, com uma grande independĂȘncia de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente,

Os paquetes que entram de manhĂŁ na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.

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NĂŁo deves resistir ao mal, pois o mal Ă© a ‘espada da falsidade’. Mesmo que a ‘espada da falsidade’ seja brandida com fĂșria, ela se despedaçarĂĄ em contato com a Verdade.

Cantiga da velha mĂŁe e dos seus dois filhos

Ai o meu pobre filho, que rico que Ă©
ai o meu rico filho, que pobre que Ă©
Nascidos do mesmo ventre
Um vive de joelhos prĂł outro passar Ă  frente
E esta velha mĂŁe para aqui jĂĄ no sol poente

Um dia hĂĄ muito tempo, vi-os partir
levando cada um do outro o porvir
Seguiram pela estrada fora
Um voltou-se para trĂĄs, disse adeus que me vou embora
Voltaremos trazendo connosco a vitĂłria

De que vitĂłria falas, disse eu entĂŁo
Da que faz um escravo do teu irmĂŁo?
Ou duma outra que rebenta
como um rio de fĂșria no peito feito tormenta
quando nĂŁo hĂĄ nada a perder no que se tenta?

Passaram muitos anos sem mais saber
nem por onde passavam, nem se por ter
criado os dois no mesmo chĂŁo
eram ainda irmĂŁos, partilhavam ainda o pĂŁo
E o silĂȘncio enchia de morte o meu coração

Depois vieram novas que o que vivia
da miséria do outro, se enriquecia
NĂŁo foi para isto que andei
dias que foram longos e noites que nĂŁo contei
a lutar pra ter a justiça como lei

Às vezes rogo pragas de os ver assim
Sinto assim uma faca dentro de mim
Sei que estou velha e doente
Mas para ver o mundo girar de modo diferente
Ainda sei gritar,

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Soneto XVII

A Pero de Maris sobre o seu livro

Sentindo-se de força e vigor falta,
Mal a que o tempo enfim todos condena,
Renovar-se outra vez a Águia ordena,
Abre as asas ao Sol, e as nuvens salta.

Depois que lĂĄ se vĂȘ soberba e alta,
Lança-se ao mar com fĂșria nĂŁo pequena,
E caindo-lhe a velha e antiga pena,
De nova glĂłria se reveste e esmalta.

Mar sois Maris, a lĂ­ngua lusitana
É esta Águia, que antiga se renova
E os ares sobre todas livre raia.

Temo-lhe o caso de Ícaro de ufana;
Mas se do Sol queimada em mar o prova,
SerĂĄ para que sempre nova saia.

Com FĂșria e Raiva

Com fĂșria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras

Pois Ă© preciso saber que a palavra Ă© sagrada
Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pĂŽs sua alma confiada

De longe muito longe desde o inĂ­cio
O homem soube de si pela palavra
E nomeou a pedra a flor a ĂĄgua
E tudo emergiu porque ele disse

Com fĂșria e raiva acuso o demagogo
Que se promove Ă  sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez com o trigo e com a terra

A Ira nĂŁo Escolhe Idade nem Estatuto Social

A ira nĂŁo escolhe idade nem estatuto social. Algumas pessoas, graças Ă  sua indigĂȘncia, nĂŁo conhecem a luxĂșria; outros, porque tĂȘm uma vida movimentada e errante, escapam Ă  preguiça; aqueles que tĂȘm modos rudes e uma vida rĂșstica desconhecem as prisĂ”es, as fraudes e todos os males da cidade: mas ninguĂ©m estĂĄ livre da ira, tĂŁo poderosa entre os Gregos como entre os bĂĄrbaros, tĂŁo funesta entre aqueles que temem as leis como entre aqueles que se regem pela lei da força. Assim, se outras afecçÔes atacam os indivĂ­duos, a ira Ă© a Ășnica afecção que, por vezes, se apodera de um povo inteiro. Nunca um povo inteiro ardeu de amor por uma mulher, nem uma cidade inteira depositou toda a sua esperança no dinheiro e no lucro; a ambição apossa-se de indivĂ­duos, a imoderação nĂŁo Ă© um mal pĂșblico.
Por vezes, uma multidĂŁo inteira Ă© conduzida Ă  ira: homens e mulheres, velhos e novos, os principais cidadĂŁos e o vulgo sĂŁo unĂąnimes, e toda a multidĂŁo agitada por algumas palavras sobrepĂ”e-se ao prĂłprio agitador: corre a pegar em armas e tochas e declara guerra ao seu vizinho e fĂĄ-la contra os seus concidadĂŁos; casas inteiras sĂŁo queimadas com toda a famĂ­lia e aquele cuja eloquĂȘncia lhe granjeara muitos benefĂ­cios Ă© eliminado pela ira que as suas palavras geraram;

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Genérico

E tu, meu pai? Adivinho esses vidrilhos
das lĂĄgrimas quebrando
um a um na boca triste mas
por dentro, para que digamos
mais tarde, sem invenção escusada:
o pai nĂŁo chorou.

Eu soube das tuas fĂșrias
mordendo-se em silĂȘncio,
ou de como te pÔes
Ă s vezes tĂŁo de cinza.
O barco, o barco. Ficaremos
ainda estes minutos quantos.
Do que quiseres. E como quiseres.
Fala. Mas nada de telegramas
para depois da barra
– posso nĂŁo os abrir,
juro que posso.
Se eu fosse um amigo, se estivesses
em frente dum copo.
Custava menos. Assim
deslizas a unha
pelo tecido da farda, inĂștil
dedo terno com os olhos longe.
O pai, que nĂŁo chorou, tremia
de modo imperceptĂ­vel.

Lembro-me da bebedeira
em Alpedrinha, na estalagem,
com o LuĂ­s Melo
subitamente velho.
«Tramados, på, tramados.»
O carro falha, sĂŁo as velas
os platinados sujos
«a puta que os pariu» (Luís).

Um Ășltimo aceno sĂł vinho
para estas adolescentes
ao balcĂŁo do bar e depois e depois?

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Poema Cansado de Certos Momentos

Foi-se tudo
como areia fina escoada pelos dedos.
MĂŁe! aqui me tens,
metade de mim,
sem saber que metade me pertence.
Aqui me tens,
de gestos saqueados,
onde resta a saudade de ti
e do teu mundo de medos.
Meus braços, vĂȘ-os, estĂŁo gastos
de pedir luz
e de roubar distĂąncias.
Meus braços
cruzados
em cruz de calvĂĄrio dos meus degredos.
Ai que isto de correr pela vida,
dissipando a riqueza que me deste,
de levar em cada beijo
a pureza que pariste e embalaste,
ai, mĂŁe, sĂł um louco ou um Messias
estendendo a face de justo

para os homens cuspirem o fel das veias,
sĂł um louco, ou um poeta ou um Cristo
poderĂĄ beijar as rosas que os espinhos sangram
e, embora rasgado, beber o perfume
e continuar cantando.
MĂŁe! tu nunca previste
as geadas e os bichos
roendo os campos adubados
e o vizinho largando a fĂșria dos rebanhos
pela flor menina dos meus prados.
E assim, geraste-me despido
como as ervas,
e nĂŁo olhaste os pegos nem as cobras,

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PrĂłlogo

Cavo a cova como um cavalo os cascos cava
se no cavĂĄ-lo invoca a fĂșria de ferir
E tanto mais se cava que a alma nĂŁo se lava
e as åguas jå me levam léguas a fingir

Cava costura cavo Ă  cava enviesada
e o talhe tinge a sombra em descaĂ­da pena
Nessa escritura a sina foge desgarrada
e o corte torce a mĂŁo e a garra do poema

E dono nĂŁo sou mais senĂŁo o torto artĂ­fice
dessas linhas traçadas a dois e por um
E assim me assino esse uno e esse outro Majnun
que por louca paixĂŁo da noite Ă© seu partĂ­cipe

mesmo sem Laila veste a dor e se vislumbra
nos lobos do deserto donos da penumbra