Poemas sobre Culpa

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Poemas de culpa escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Debaixo Minha Vontade

(Sextina)

Ontem pôs-se o sol, e a noute
cobriu de sombra esta terra.
Agora é já outro dia,
tudo torna, torna o sol;
só foi a minha vontade
para não tornar co tempo!

Todalas cousas, per tempo,
passam como dia e noute.
Uma só, minha vontade,
não, que a dor comigo a aterra;
nela cuido enquanto há sol,
nela em quanto não há dia.

Mal quero per um só dia
a todo o outro dia e tempo,
que a mim pôs-se-me o sol
onde eu só temia a noute;
tenho a mim sobre a terra,
debaixo minha vontade.

Dentro da minha vontade
não há momento do dia
que não seja tudo terra;
ora ponho a culpa ao tempo,
ora a torno a pôr à noute.
No melhor pôs-se-me o sol!

Primeiro não haverá sol
que eu descanse na vontade.
Pôs-se-me uma escura noute
sobre a lembrança de um dia,
inda mal, porque houve tempo
e porque tudo foi terra.

Haver de ser tudo terra
quanto há debaixo do sol,

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Beijo

Beijo na face
Pede-se e dá-se:
Dá?
Que custa um beijo?
Não tenha pejo:
Vá!

Um beijo é culpa,
Que se desculpa:
Dá?
A borboleta
Beija a violeta:
Vá!

Um beijo é graça,
Que a mais não passa:
Dá?
Teme que a tente?
É inocente…
Vá!

Guardo segredo,
Não tenha medo…
Vê?
Dê-me um beijinho,
Dê de mansinho,
Dê!

*

Como ele é doce!
Como ele trouxe,
Flor,
Paz a meu seio!
Saciar-me veio,
Amor!

Saciar-me? louco…
Um é tão pouco,
Flor!
Deixa, concede
Que eu mate a sede,
Amor!

Talvez te leve
O vento em breve,
Flor!
A vida foge,
A vida é hoje,
Amor!

Guardo segredo,
Não tenhas medo
Pois!
Um mais na face,
E a mais não passe!
Dois…

*

Oh! dois? piedade!
Coisas tão boas…
Vês?
Quantas pessoas
Tem a Trindade?
Três!

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O Único Amigo

Não me alcançarás, amigo.
Chegarás ansioso, louco;
mas eu já terei partido.

(E que medonho vazio
tudo o que tiveres deixado
atrás, para vir comigo!

Que lamentável abismo
tudo quanto eu tenha posto
entre nós, sem culpa, amigo!)

Não poderás ficar, amigo.
Voltarei talvez ao mundo.
Mas tu já terás partido…

Tradução de José Bento

Efeitos de Amor

Mal la ausencia sufriendo,
Y menos el furor con passo ciego
Sale Clorinda, ardiendo
De ira, y de amor en duplicado fuego
Por templar de dós llamas, que suspira,
En lagrimas amor, en sangre la ira.
De amor, y acero armada
Con tierno afecto, y animo constante
Conduce a la estacada
En pecho fuerte coraçon amante;
Y en vista hermosa, en aparencia fera
Miente en cuerpo de acero alma de cera.
Su muerte busca anciosa
Culpa de dós amantes, si del hado
Permision rigurosa;
Pues el uno atrevido, otro olvidado,
Engañada una fé, otra mentida,
Mil homicidas son contra una vida.
Con tragico dehuedo
Vengador infelix de tanta llama
Engañado Tancredo
En mentido disfaz mata a su Dama;
Misero triunfo, desdichada palma,
Que a uno cuesta la vida, a otro el alma.
Complice fue del daño,
Quando la amada sangre el hierro beve,
Solamente el engaño
Fue el pecho, aunque la mano aleve;
Pues llora el pecho, si la mano hiere;
Y quando aquella mata, estotro muere.
Mas del riesgo futuro
Mal cuidadoso de Clorinda Argante,

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Sabedoria I, III

Que dizes, viajante, de estações, países?
Colheste ao menos tédio, já que está maduro,
Tu, que vejo a fumar charutos infelizes,
Projectando uma sombra absurda contra o muro?

Também o olhar está morto desde as aventuras,
Tens sempre a mesma cara e teu luto é igual:
Como através dos mastros se vislumbra a lua,
Como o antigo mar sob o mais jovem sol,

Ou como um cemitério de túmulos recentes.
Mas fala-nos, vá lá, de histórias pressentidas,
Dessas desilusões choradas plas correntes,
Dos nojos como insípidos recém-nascidos.

Fala da luz de gás, das mulheres, do infinito
Horror do mal, do feio em todos os caminhos
E fala-nos do Amor e também da Política
Com o sangue desonrado em mãos sujas de tinta.

E sobretudo não te esqueças de ti mesmo,
Arrastando a fraqueza e a simplicidade
Em lugares onde há lutas e amores, a esmo,
De maneira tão triste e louca, na verdade!

Foi já bem castigada essa inocência grave?
Que achas? É duro o homem; e a mulher? E os choros,
Quem os bebeu?

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O que Poderá Ver quem já da Vista Cegou?

Ante Sintra, a mui prezada,
e serra de Ribatejo
que Arrábeda é chamada,
perto donde o rio Tejo
se mete n’água salgada,
houve um pastor e pastora,
que com tanto amor se amaram
como males lhe causaram
este bem, que nunca fora,
pois foi o que não cuidarom.

A ela chamavam Maria
e ao pastor Crisfal,
ao qual, de dia em dia,
o bem se tornou em mal,
que ele tão mal merecia.
Sendo de pouca idade,
não se ver tanto sentiam
que o dia que não se viam,
se via na saudade
o que ambos se queriam.

Algumas horas falavam,
andando o gado pascendo;
e então se apascentavam
os olhos, que, em se vendo,
mais famintos lhe ficavam.
E com quanto era Maria
pequena e, tinha cuidado
de guardar melhor o gado
o que lhe Crisfal dizia;
mas, em fim, foi mal guardado;

Que, depois de assim viver
nesta vida e neste amor,
depois de alcançado ter
maior bem pera mor dor,
em fim se houve de saber
por Joana,

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A um Mosquito

Invencível mosquito,
Émulo do mais livre pensamento,
Sem corpo, e de todo espírito,
Que deste fim a um tão alto intento,
Quando precipitado
O céu de Délia acometeste ousado.

As portas de diamante
Cerradas ao clamor de tanta gente
Abriste triunfante,
Zombando da esperança impertinente,
Que entre temor, e espanto
Nunca acabou comigo esperar tanto.

Cupido, que inquieta
Délia sentiu ferida,
Espera, que o sinta,
A lança, que tiraste em sangue tinta,
Que o peito endurecido
É prova das setas de Cupido.

Porém de nada disto
Te mostres tão soberbo, e presumido,
Que podes sem ser visto
Passar a mais ferir, sem ser sentido,
E para castigar-te,
Não ocupas lugar nalguma parte.

Foras de amor ferido,
Se tivera o teu erro algum desconto,
Ou se achara Cupido
Aonde a ponta da seta pôr o ponto.
Condolação bastante;
Pois não picaste a Délia como amante.

Buscaste a noite escura
Por cometer a Délia mais oculto;
Quem medo te afigura,
Se não faz o teu corpo nenhum vulto,

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quando a ternura for a única regra da manhã

um dia, quando a ternura for a única regra da manhã,
acordarei entre os teus braços. a tua pele será talvez demasiado bela.
e a luz compreenderá a impossível compreensão do amor.
um dia, quando a chuva secar na memória, quando o inverno for
tão distante, quando o frio responder devagar com a voz arrastada
de um velho, estarei contigo e cantarão pássaros no parapeito da
nossa janela. sim, cantarão pássaros, haverá flores, mas nada disso
será culpa minha, porque eu acordarei nos teus braços e não direi
nem uma palavra, nem o princípio de uma palavra, para não estragar
a perfeição da felicidade.

Tenho pena e não respondo

Tenho pena e não respondo.
Mas não tenho culpa enfim
De que em mim não correspondo
Ao outro que amaste em mim.

Cada um é muita gente.
Para mim sou quem me penso,
Para outros – cada um sente
O que julga, e é um erro imenso.

Ah, deixem-me sossegar.
Não me sonhem nem me outrem.
Se eu não me quero encontrar,
Quererei que outros me encontrem?

O Cerimonial das Mãos

Mãe, onde foi que deixaste a outra metade,
a que anunciava o sol na turvação das noites,
a que iluminava a sombra no cerimonial das mãos?
Em que côncavo de rochas buscava abrigo
essa outra metade que eu via projectada
para fora de mim como um sonho evadindo-se
do círculo de medos em que a fúria se jogava?
Eu era gémeo de todos os assombros
e os meus segredos era com essa outra metade
que os partilhava à revelia das bocas
que em surdina me traçavam o destino.
Quanto de mim se perdia nessa metade
que me furtava o riso e me deixava a culpa,
que me feria o ventre e me fustigava a pele?
Quanto de mim me flagelava
sem que eu lhe conhecesse morada ou nome?
Mãe, eu pedia uma trégua ao vento
e um punhal à chuva e com ambos queria
separar de mim a metade incandescente
que à beira dos meus gestos
ganhava altura de nuvem e fulgor de estrela.
Mãe, eu vejo-me outro nesta cama
que guarda os instrumentos liquefeitos da insónia
e sei que não sou eu quem lá está,

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Tu? Eu?

Não morres satisfeito.
A vida te viveu
sem que vivesses nela.
E não te convenceu
nem deu qualquer motivo
para haver o ser vivo.

A vida te venceu
em luta desigual.
Era todo o passado
presente presidente
na polpa do futuro
acuando-te no beco.
Se morres derrotado,
não morres conformado.

Nem morres informado
dos termos da sentença
de tua morte, lida
antes de redigida.
Deram-te um defensor
cego surdo estrangeiro
que ora metia medo
ora extorquia amor.

Nem sabes se és culpado
de não ter culpa. Sabes
que morres todo o tempo
no ensaiar errado
que vai a cada instante
desensinando a morte
quanto mais a soletras,
sem que, nascido, more
onde, vivendo, morres.

Não morres satisfeito
de trocar tua morte
por outra mais (?) perfeita.
Não aceitas teu
como aceitaste os muitos
fins em volta de ti.

Testemunhaste a morte
no privilégio de ouro
de a sentires em vida
através de um aquário.
Eras tu que morrias
nesse,

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Carta a Manoel

Manoel, tens razão. Venho tarde. Desculpa.
Mas não foi Anto, não fui eu quem teve a culpa,
Foi Coimbra. Foi esta paysagem triste, triste,
A cuja influencia a minha alma não reziste,
Queres noticias? Queres que os meus nervos fallem?
Vá! dize aos choupos do Mondego que se callem…
E pede ao vento que não uive e gema tanto:
Que, emfim, se soffre abafe as torturas em pranto,
Mas que me deixe em paz! Ah tu não imaginas
Quanto isto me faz mal! Peor que as sabbatinas
Dos ursos na aula, peor que beatas correrias
De velhas magras, galopando Ave-Marias,
Peor que um diamante a riscar na vidraça!
Peor eu sei lá, Manoel, peor que uma desgraça!
Hysterisa-me o vento, absorve-me a alma toda,
Tal a menina pelas vesperas da boda,
Atarefada mail-a ama, a arrumar…
O vento afoga o meu espirito n’um mar
Verde, azul, branco, negro, cujos vagalhões
São todos feitos de luar, recordações.
Á noite, quando estou, aqui, na minha toca,
O grande evocador do vento evoca, evoca
Nosso verão magnifico, este anno passado,
(E a um canto bate,

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Poema da Utopia

A noite caiu sem manchas e sem culpa.

Os homens tiraram as máscaras de bons actores.

Findou o espectáculo. Tudo o mais é arrabalde.

No alto, a utópica lua, vela comigo
e sonha inutilmente com a verdade das coisas.

– Noite! Deixa-nos também dormir…

Um Outro que Não Eu

um outro que não eu
bem mais voraz
concreto
e subtil
te poderá depois talvez contar
destes momentos cúmplices de agora
perfeitos na intimidade
da vaga dor de cabeça

não te posso adiar por minha culpa
não te posso invocar
por excesso de altruísmo ou de rancor

arquitectura fria
dum gesto quase orgulho
do que já lá não coube
se nutre a tua imagem

mais fácil do que tudo
seria perdoar-me

perde-se o vício
por falta de virtude

Ontem Pôs-se o Sol

Ontem pôs-se o sol, e a noute
cobriu de sombra esta terra.
Agora é já outro dia,
tudo torna, torna o sol;
só foi a minha vontade,
para não tornar c’o tempo!

Tôdalas cousas, per tempo,
passam, como dia e noute;
ua só, minha vontade,
não, que a dor comigo a aterra;
nela cuido em quanto há sol,
nela enquanto não há dia.

Mal quero per um só dia
a todo outro dia e tempo,
que a mim pôs-se-me o sol
onde eu só temia a noute;
tenho a mim sôbre a terra,
debaxo minha vontade.

Dentro na minha vontade
não há momento do dia
que não seja tudo terra;
ora ponho a culpa ao tempo,
ora a torno a pôr à noute:
no milhor pon-se-me o sol!

Primeiro não haverá sol
que eu descanse na vontade.
Pon-se-me ua escura noute
sôbre a lembrança de um dia…
Inda mal porque houve tempo
e porque tudo foi terra.

Haver de ser tudo terra
quanto há debaixo do sol
me descansa,

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Inocência

De um lado, a veste; o corpo, do outro lado,
Límpido, nu, intacto, sem defesa…
Mitológico rosto debruçado
Na noite que, por ele, fica acesa!

Se traz os lábios húmidos e lassos
É que a paixão sem mácula ainda o cega
E tatuou na curva de alvos braços
As sete letras da palavra: entrega.

Acre perfume o dessa flor agreste.
Álcool azul o desse verde vinho.
De um lado o corpo; do outro lado, a veste
Como luar deitado no caminho…

Em frente há um pinheiro cismador.
O rio corre, vagaroso ao fundo.
Na estrada ninguém passa… Ai! tanto amor
Sem culpa!
Ai! dos Poetas deste mundo!

Horas Breves de Meu Contentamento

Horas breves de meu contentamento,
Nunca me pareceo, quando vos tinha,
Que vos visse tornadas tão asinha,
Em tão compridos dias de tormento.
Aquelas torres, que fundei no vento,
O vento as levou já, que as sostinha;
Do mal, que me ficou, a culpa é minha,
Que sobre coisas vãs fiz fundamento.
Amor, com rosto ledo e vista branda,
Promete quanto dele se deseja,
Tudo possível faz, tudo segura;
Mas des que dentro n’alma reina e manda,
Como na minha fez, quer que se veja
Quão fugitivo é, quão pouco dura.

Culpabilidade

O que é o perdão?

Vivi na esperança
de o ter entre os dedos.
Quem diz que o alcança
só vive de enredos…

Fiz mal? Mas a quem?
Que venham contar-me
as mágoas geradas
por meu vil desdém
e as feridas mostrar-me
na carne rasgadas.

Fiz mal? Mas a quem?
Fui pedra lançada
no vosso caminho?
Barrei-vos a estrada
com traves de pinho?

Só sei que

há vozes gritando
a culpa que sinto
pesar-me na alma,
há ecos cavando
a dor que pressinto
em noites de calma…

Só sei que
suspensos enredos
da minha agonia,
urdida ao serão
em grande segredo,
tornaram vazia
a minha intuição.

Fiz mal? Sim ou não?
Onde e quando?
Dizei-mo, dizei-mo!

Eu sou como a rocha
virada prò norte,
que acolhe a rajada
em concha bem forte
e a atira prò nada…

Fiz mal? Sim ou não?
Até os duendes,
escondidos e aduncos,
me negam razão.

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O Vencedor Vencido

Não é fácil amar o que venceu,
o que leva alguns passos de avançada,
que o amor só se oferece ao que perdeu,
muito embora com culpa declarada.
Todavia, o que vence multiplica
sobre si as angústias de perder:
interroga, analisa e só complica
aquilo que não pode perceber;
e quando, em esgotamento prematuro,
ele aceita uma calma provisória,
vêm os homens que o lançam contra o muro
e lhe atiram ao rosto essa vitória.

Sou Lúcido

Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara,
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha
(Exceto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro:
Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar…).

Sinto uma simpatia por essa gente toda,
Sobretudo quando não merece simpatia.
Sim, eu sou também vadio e pedinte,
E sou-o também por minha culpa.
Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte:
É estar ao lado da escala social,
É não ser adaptável às normas da vida,
‘As normas reais ou sentimentais da vida –
Não ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta,
Não ser pobre a valer, operário explorado,
Não ser doente de uma doença incurável,
Não ser sedento da justiça, ou capitão de cavalaria,
Não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas
Que se fartam de letras porque tem razão para chorar lagrimas,
E se revoltam contra a vida social porque tem razão para isso supor.

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