Ó Trevas, que Enlutais a Natureza
Ó trevas, que enlutais a Natureza,
Longos ciprestes desta selva anosa,
Mochos de voz sinistra e lamentosa,
Que dissolveis dos fados a incerteza;Manes, surgidos da morada acesa
Onde de horror sem fim Plutão se goza,
Não aterreis esta alma dolorosa,
Que é mais triste que voz minha tristeza.Perdi o galardão da fé mais pura,
Esperanças frustrei do amor mais terno,
A posse de celeste formosura.Volvei, pois, sombras vãs, ao fogo eterno;
E, lamentando a minha desventura,
Movereis à piedade o mesmo Inferno.
Passagens sobre Inferno
250 resultadosO inferno é a incapacidade de sermos diferentes da criatura segundo a qual ordinariamente nos comportamos.
É melhor reinar no inferno do que servir no céu.
A Lanterna
O sabio antigo andou pelas ruas d’Athenas,
Com a lanterna accesa, errante, à luz do dia,
Buscando o varão forte e justo da Utopia,
Privado de paixões e d’emoções terrenas.Eu tambem que aborreço as cousas vãs, pequenas
E que mais alto puz a sã Philosophia,
Ha muito busco em vão–ha muito, quem diria!
O mais cruel ideal das concepções serenas.Tenho buscado em balde, e em vão por todo o mundo;
Esconde-se o ideal no sitio mais profundo,
No mar, no inferno, em tudo, aonde existe a dôr!…De sorte que hoje emfim, descrente, resignado,
Concentrei-me em mim só, n’um tedio indignado,
E apaguei a lanterna – É só um sonho o Amor!
Morte, Juízo, Inferno e Paraíso
Em que estado, meu bem, por ti me vejo,
Em que estado infeliz, penoso e duro!
Delido o coração de um fogo impuro,
Meus pesados grilhões adoro e beijo.Quando te logro mais, mais te desejo;
Quando te encontro mais, mais te procuro;
Quando mo juras mais, menos seguro
Julgo esse doce amor, que adorna o pejo.Assim passo, assim vivo, assim meus fados
Me desarreigam d’alma a paz e o riso,
Sendo só meu sustento os meus cuidados;E, de todo apagada a luz do siso,
Esquecem-me (ai de mim!) por teus agrados
Morte, Juízo, Inferno e Paraíso.
O Fogo no Canavial
A imagem mais viva do inferno.
Eis o fogo em todos seus vícios:
eis a ópera, o ódio, o energúmeno,
a voz rouca de fera em cio.E contagioso, como outrora
foi, e hoje não é mais, o inferno:
ele se catapulta, exporta,
em brulotes de curso aéreo,em petardos que se disparam
sem pontaria, intransitivos;
mas que queimada a palha dormem,
bêbados, curtindo seu litro.(O inferno foi fogo de vista,
ou de palha, queimou as saias:
deixou nua a perna da cana,
despiu-a, mas sem deflorá-la).
O que o senhor pensa sobre o céu e o inferno? – Eu tenho amigos nos dois lugares e portanto prefiro me manter isento.
O paraíso de um tolo, é o inferno de um sábio
Porque o Povo Diz Verdades
Porque o povo diz verdades,
Tremem de medo os tiranos,
Pressentindo a derrocada
Da grande prisão sem grades
Onde há já milhares de anos
A razão vive enjaulada.Vem perto o fim do capricho
Dessa nobreza postiça,
Irmã gémea da preguiça,
Mais asquerosa que o lixo.Já o escravo se convence
A lutar por sua prol
Já sabe que lhe pertence
No mundo um lugar ao sol.Do céu não se quer lembrar,
Já não se deixa roubar,
Por medo ao tal satanás,
Já não adora bonecos
Que, se os fazem em canecos,
Nem dão estrume capaz.Mostra-lhe o saber moderno
Que levou a vida inteira
Preso àquela ratoeira
Que há entre o céu e o inferno.
A estrada mais segura para o Inferno é a gradual – a ladeira suave, com chão suave, sem curvas acentuadas, sem avisos de quilometragem e sem placas indicativas de sinalização.
A Negra Fúria Ciúme
Morre a luz, abafa os ares
Horrendo, espesso negrume,
Apenas surge do Averno
A negra fúria Ciúme.Sobre um sólio cor da noite
Jaz dos Infernos o Nurne,
E a seus pés tragando brasas
A negra fúria Ciúme.Crespas víboras penteia,
Dos olhos dardeja lume,
Respira veneno e peste
A negra fúria Ciúme.Arrancando à Morte a fouce
De buído, ervado gume,
Vem retalhar corações
A negra fúria Ciúme.Ao cruel sócio de Amor
Escapar ninguém presume,
Porque a tudo as garras lança
A negra fúria Ciúme.Todos os males do Inferno
Em si guarda, em si resume
O mais horrível dos monstros,
A negra fúria Ciúme.Amor inda é mais suave,
Que das rosas o perfume,
Mas envenena-lhe as graças
A negra fúria Ciúme.Nas asas de Amor voamos
Do prazer ao áureo cume,
Porém de lá nos arroja
A negra fúria Ciúme.Do férreo cálix da Morte
Prova o funesto azedume
Aquele a quem ferve n’alma
A negra fúria Ciúme.
Quem dá e torna a pedir, ao inferno vai cair.
Que vida de inferno é a vida do ciumento! Antes não amar, do que amar desse modo.
Perante A Morte
Perante a Morte empalidece e treme,
Treme perante a Morte, empalidece.
Coroa-te de lágrimas, esquece
O Mal cruel que nos abismos geme.Ah! longe o Inferno que flameja e freme,
Longe a Paizão que só no horror floresce…
A alma precisa de silêncio e prece,
Pois na prece e silêncio nada teme.Silêncio e prece no fatal segredo,
Perante o pasmo do sombrio medo
Da morte e os seus aspectos reverentes…Silêncio para o desespero insano,
O furor gigantesco e sobre-humano,
A dor sinistra de ranger os dentes!
O paraíso do tolo é o inferno do sensato.
O Inferno de Ser Eu
Ficarei o Inferno de ser Eu, a Limitação Absoluta, Expulsão-Ser do Universo longínquo! Ficarei nem Deus, nem homem, nem mundo, mero vácuo-pessoa, infinito de Nada consciente, pavor sem nome, exilado do próprio mistério, da própria Vida. Habitarei eternamente o deserto morto de mim, erro abstracto da criação que me deixou atrás. Arderá em mim eternamente, inutilmente, a ânsia (estéril) do regresso a ser.
Não poderei sentir porque não terei matéria com que sinta, não poderei respirar alegria, ou ódio, ou horror, porque não tenho nem a faculdade com que o sinta, consciência abstracta no inferno do não conter nada, não-Conteúdo Absoluto, [Sufocação] absoluta e eterna! Oco de Deus, sem universo, (…).
Não acredito em vida após a morte, por isso não preciso passar toda minha vida temendo o inferno, ou temendo o céu mais ainda. Quaisquer que sejam as torturas do inferno, penso que a chatice do céu seria ainda pior.
Todo o inferno está contido nesta única palavra: solidão.
A Moral Pura é Impossível
A nossa moral é a cristalização de um movimento interior completamente diferente dela! Nada do que dizemos faz sentido. Pensa numa frase qualquer, ocorre-me, por exemplo, esta: «Numa prisão deve imperar o arrependimento!» É uma frase que se pode pronunciar com a melhor das consciências, mas ninguém a toma à letra, senão estávamos a pedir o fogo do inferno para os encarcerados! Como é que a entendemos então? Há com certeza muito poucos que saibam o que é o arrependimento, mas todos dizem onde ele deve imperar. Ou então pensa em algo de exaltante: como é que isso se mistura com a moral? Quando é que estivemos com o rosto tão mergulhado no pó que isso nos faça sentir a bem-aventurança do arrebatamento? Ou então toma à letra uma expressão como «ser assaltado por um pensamento»: no momento em que sentisses no corpo um tal contacto já estarias no limiar da loucura! Cada palavra quer então ser lida na sua literalidade para não degenerar em mentira, mas não podemos tomar nenhuma à letra, sob pena de o mundo se transformar num manicómio! Há uma qualquer grande embriaguez que se eleva daí sob a forma de uma obscura recordação, e de vez em quando imaginamos que todas as nossas experiências são partes soltas e destruídas de uma antiga totalidade que um dia se foi completando de maneira errada.
A vida é muito rápida; faz a gente ir do céu para o inferno em questão de segundos.