Marília De Dirceu
Soneto 12
Obrei quando o discurso me guiava,
Ouvi aos sábios quando errar temia;
Aos Bons no gabinete o peito abria,
Na rua a todos como iguais tratava.Julgando os crimes nunca os votos dava
Mais duro, ou pio do que a Lei pedia;
Mas devendo salvar ao justo, ria,
E devendo punir ao réu, chorava.Não foram, Vila Rica, os meus projetos
Meter em férreo cofre cópia d’ouro
Que farte aos filhos, e que chegue aos netos:Outras são as fortunas, que me agouro,
Ganhei saudades, adquiri afetos,
Vou fazer destes bens melhor tesouro.
Passagens sobre Melhor
2164 resultadosO melhor guia da razão prática é a moral.
A Secreta Viagem
No barco sem ninguém, anónimo e vazio,
ficámos nós os dois, parados, de mão dada…
Como podem só dois governar um navio?
Melhor é desistir e não fazermos nada!Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos,
tornamo-nos reais, e de madeira, à proa…
Que figuras de lenda! Olhos vagos, perdidos…
Por entre nossas mãos, o verde mar se escoa…Aparentes senhores de um barco abandonado,
nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem…
Aonde iremos ter? — Com frutos e pecado,
se justifica, enflora, a secreta viagem!Agora sei que és tu quem me fora indicada.
O resto passa, passa… alheio aos meus sentidos.
— Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada,
a eternidade é nossa, em madeira esculpidos!
As melhores e mais belas coisas do mundo não podem ser vistas ou tocadas. Elas devem ser sentidas com o coração.
O Empregado Modelo
Um excelente trabalhador pode ser um grande poltrão? Alvaro é a prova evidente que sim. Matas-te a trabalhar por pura burrice, por comodidade ou abulia, para não teres de procurar um emprego mais instrutivo, mais estimulante, com mais perspetivas de carreira e até melhor salário. Eram os chamados trabalhadores fiéis de antigamente, os empregados modelo; quando se reformavam, davam-lhes uma medalha de ouro alemão: cinquenta anos na mesma empresa, fita ao pescoço e medalha ao peito. Grande mérito, não haja dúvida. Um pobre tolo que passou cinco decénios de cu sentado na mesma cadeira e cotovelos apoiados na mesma mesa. Hoje em dia, pelo contrário, premeia-se a mobilidade. A fidelidade é entendida como apatia e falta de ambição; és encorajado a atraiçoar os teus sucessivos chefes, e espera-se que cada uma dessas traições te granjeie vantagens económicas e promoções.
Ai, Senhor Fremosa, por Deus
Ai, senhor fremosa, por Deus
e por quan boa vos el fez,
doede-vos algua vez
de min e destes olhos meus,
que vos viron por mal de si,
quando vos viron, e por mí.E, porque vos fez Deus melhor
de quantas fez e máis valer,
querede-vos de min doer
e destes meus olhos, senhor,
que vos viron por mal de si,
quando vos viron, e por mí.E, porque o al non é ren,
senón o ben que vos Deus deu,
querede-vos doer do meu
mal e dos meus olhos, meu ben,
que vos viron por mal de si,
quando vos viron, e por mí.
A Máscara do Esquecimento e do Equívoco
Sob a máscara do esquecimento e do equívoco, invocando como justificação a ausência de más intenções, os homens expressam sentimentos e paixões cuja realidade seria bem melhor, tanto para eles próprios como para os outros, que confessassem a partir do momento em que não estão à altura de os dominar.
As melhores leis tornam-se inúteis quando não cumpridas, e sendo-o mal, são perigosas.
A Melhor Maneira de Viajar é Sentir
Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.
Sentir tudo de todas as maneiras.
Sentir tudo excessivamente,
Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas
E toda a realidade é um excesso, uma violência,
Uma alucinação extraordinariamente nítida
Que vivemos todos em comum com a fúria das almas,
O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas
Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas,
Quanto mais personalidade eu tiver,
Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,
Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas,
Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento,
Estiver, sentir, viver, for,
Mais possuirei a existência total do universo,
Mais completo serei pelo espaço inteiro fora.
Mais análogo serei a Deus, seja ele quem for,
Porque, seja ele quem for, com certeza que é Tudo,
E fora d’Ele há só Ele, e Tudo para Ele é pouco.Cada alma é uma escada para Deus,
Cada alma é um corredor-Universo para Deus,
Cada alma é um rio correndo por margens de Externo
Para Deus e em Deus com um sussurro soturno.
O Misantropo
A boca, às vezes, o louvor escapa
E o pranto aos olhos; mas louvor e pranto
Mentem: tapa o louvor a inveja, enquanto
O pranto a vesga hipocrisia tapa.Do louvor, com que espanto, sob a capa
Vejo tanta dobrez, ludíbrio tanto!
E o pranto em olhos vejo, com que espanto,
Que escarnecem dos mais, rindo à socapa!Porque, desde que esse ódio atroz me veio,
Só traições vejo em cada olhar venusto?
Perfídias só em cada humano seio?Acaso as almas poderei sem custo
Ver, perspícuo e melhor, só quando odeio?
E é preciso odiar para ser justo?!
A Distorção do Entendimento
Que difícil é propor um problema ao entendimento alheio sem corromper esse entendimento pela maneira de propor! Se dizemos: acho isto belo, acho obscuro, ou outra coisa semelhante, arrastamos a imaginação para este juízo, ou irritamo-la, levando-a ao juízo contrário. Mais vale nada dizer, e então o outro julga segundo o que é, ou segundo o que é naquele momento, e de acordo com o que as outras circunstâncias, de que não somos responsáveis, lá tiverem posto. Mas pelo menos nós não pusemos nada; a não ser que o nosso silêncio tenha também o seu efeito, segundo o sentido e a interpretação que ele estiver disposto a atribuir-lhe, ou segundo o que depreende dos movimentos e da expressão do rosto, ou do tom de voz, conforme for melhor ou pior fisionomista: tão difícil é não deslocar um entendimento da sua base natural, ou antes, tão pouco um entendimento tem de firme e estável!
Quem presumir, Senhora, de louvar-vos
Quem presumir, Senhora, de louvar-vos
Com humano saber, e não divino,
Ficará de tamanha culpa dino
Quamanha ficais sendo em contemplar-vos.Não pretenda ninguém de louvor dar-vos,
Por mais que raro seja, e peregrino:
Que vossa fermosura eu imagino
Que Deus a ele só quis comparar-vos.Ditosa esta alma vossa, que quisestes
Em posse pôr de prenda tão subida,
Como, Senhora, foi a que me destes.Melhor a guardarei que a própria vida;
Que, pois mercê tamanha me fizestes,
De mim será jamais nunca esquecida.
Os Convencidos da Vida
Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear.
Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força.
Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista.
Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido precisa de irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se?
(…) No corre-que-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes. É tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la.
Os melhores livros são os que nos contam aquilo que já sabíamos.
A melhor medicina é a vida ordenada.
Quanto Mais Objectos de Interesse um Homem Tem, Mais Ocasiões Tem Também de Ser Feliz
Toda a desilusão é para mim uma doença que certas circunstâncias podem tornar inevitável, é verdade, mas que, quando se produz, nem por isso deve deixar de ser tratada o mais rápidamente possível, em vez de ser olhada como uma forma superior de sabedoria. Um homem, suponhamos, gosta de morangos e um outro não gosta; em que é que o último é superior ao primeiro? Não há nenhuma prova impessoal e abstracta de que os morangos sejam bons ou maus. Para quem gosta são bons, para quem não gosta são maus. Mas o homem que gosta tem um prazer que o outro não conhece; sobre este ponto, a sua vida é mais agradável e está melhor adaptado ao mundo onde ambos têm de viver.
O que é verdadeiro neste exemplo trivial é igualmente verdade nas questões mais importantes. O homem que gosta de assistir a desafios de futebol é sob esse aspecto supeior ao homem que não gosta. O que aprecia a leitura é ainda mais superior do que aquele que não a aprecia, pois as oportunidade de ler são mais frequentes do que as de ver desafios de futebol. Quanto mais objectos de interesse um homem tem,
Não poderia melhor comparar-se o absurdo das meias medidas do que ao das medidas absolutas.
Se Nada Há de Novo
Se nada há de novo e tudo o que há
já dantes era como agora é,
só ilusão a criação será:
criar o já criado para quê?Que alguém me mostre, sobre um livro antigo
como quinhentas translações astrais,
a tua imagem, na inscrição, no abrigo
do espírito em seus signos iniciais.Que eu saiba o que diria o velho mundo
deste milagre que é a tua forma;
se te viram melhor, se me confundo,se as translações seguem a mesma norma.
Mas disto estou seguro: antigos textos
louvaram mais com bem menores pretextos.Tradução de Carlos de Oliveira
Escreva-se sempre para estar só. A escrita afasta concretamente o mundo. Não é o melhor método, mas é um.
Nem sempre faço o que é melhor pra mim, mas nunca faço o que eu não tô a fim de fazer