A flor com que a menina sonha está no sonho? Ou na fronha? A lua com que a menina sonha é o lindo do sonho ou a lua da fronha?
Passagens sobre Meninos
264 resultadosO Ideal PortuguĂŞs como Ideal para o Mundo
TrĂŞs pontos, segundo Camões, sobre os quais temos que meditar, e ver como Ă©. Ponto nĂşmero 1: Ă© preciso que os corpos se apaziguem para que a cabeça possa estar livre para entender o mundo Ă volta. Enquanto nĂłs estamos perturbados com existir um corpo que temos que alimentar, temos que fartar, que temos de tratar o melhor possĂvel, cometendo para isso muitas coisas extremamente difĂceis, nessa altura, quando a nossa cabeça estiver inteiramente livre e lĂmpida, nĂłs podemos ouvir aquilo que Camões chama «a voz da deusa». E que faz a voz da deusa? Arranca Ă queles marinheiros as limitações do tempo e as limitações do espaço. Arranca-os Ă s limitações do tempo o que faz que eles saibam qual vai ser o futuro de Portugal. E arranca-os Ă s limitações do espaço porque eles vĂŞem todo o mundo ao longe, o universo que está ao longe, a deusa lho mostra, embora com o sistema errado, digamos assim, ou imperfeito, de Ptolomeu, e eles estĂŁo portanto inteiramente fora do espaço. Aquilo que foi o ideal dos gregos, e que os gregos nunca conseguiram realizar. EntĂŁo o que Ă© que aconteceu? Aconteceu que um dia houve outro portuguĂŞs que tinha ido para o Brasil,
Delirio
NĂŁo posso crĂŞr na morte do Menino!
E julgo ouvi-lo e vĂŞ-lo, a cada passo…
É ele? Não. Sou eu que desatino;
É a minha dôr soffrida, o meu cansaço.Delirio que me prendes num abraço,
Emendarás a obra do Destino?
Vê-lo-ei sorrir, de novo, no regaço
Da mĂŁe? Verei seu rosto pequenino?Misterio! Sombra imensa! Alto segredo!
Jamais! jamais! Quem sabe? Tenho mĂŞdo!
Que vejo em mim? A treva? a luz futura?Ah, que a dĂ´r infinita de o perder
Seja a alegria de o tornar a ver,
Meu Deus, embora noutra creatura!
Ó Tranças De Que Amor Prisões Me Tece
Ó tranças de que Amor prisões me tece,
Ă“ mĂŁos de neve, que regeis meu fado!
Ó tesouro! Ó mistério! Ó par sagrado,
Onde o menino alĂgero adormece!Ă“ ledos olhos, cuja luz parece
TĂŞnue raio de sol! Ă“ gesto amado,
De rosas e açucenas semeado,
Por quem morrera esta alma, se pudesse!Ó lábios, cujo riso a paz me tira,
E por cujos dulcĂssimos favores
Talvez o próprio Júpiter suspira!Ó perfeições! Ó dons encantadores!
De quem sois? Sois de VĂŞnus? – É mentira;
Sois de MarĂlia, sois dos meus amores.
Incha o menino para crescer.
Tarde no Mar
A tarde Ă© de oiro rĂştilo: esbraseia
O horizonte: um cacto purpurino.
E a vaga esbelta que palpita e ondeia,
Com uma frágil graça de menino,Poisa o manto de arminho na areia
E lá vai, e lá segue ao seu destino!
E o sol, nas casas brancas que incendeia.
Desenha mĂŁos sangrentas de assassino!Que linda tarde aberta sobre o mar!
Vai deitando do céu molhos de rosas
Que Apolo se entretĂ©m a desfolhar…E, sobre mim, em gestos palpitantes,
As tuas mĂŁos morenas, milagrosas,
SĂŁo as asas do sol, agonizantes…
Eu nĂŁo Quero Esquecer os Dias que Viveram
Eu nĂŁo quero esquecer os dias que viveram.
Por eles escrevi estes versos mofinos;
escrevi-os Ă tarde ouvindo rir meninos,
meninos loiro-sĂłis que bem cedo morreram.Eu nĂŁo quero esquecer os dias que enumeram
desejos e prazeres, rezas e desatinos;
e, em loucuras ou entoando hinos,
lá na Curva da Estrada, azuis, desapareceram.Eu não quero esquecer dos dias mais felizes
a bênção branca-e-astral, lá das Alturas vinda,
nem tampouco o travor das horas infelizes.Eu nĂŁo quero esquecer… Quero viver ainda
o tempo que secou, mas que deixou raĂzes,
e em verde volverá, e florirá ainda…
Loa
É nesta mesma lareira,
E aquecido ao mesmo lume,
Que confesso a minha inveja
De mortal
Sem remissĂŁo
Por esse dom natural,
Ou divina condição,
De renascer cada ano,
Nu, inocente e humano
Como a fé te imaginou,
Menino Jesus igual
Ao do Natal
Que passou.
Natal
às moças da Serra
É meia noite … O sino alvissareiro,
Lá da igrejinha branca pendurado,
Como n’um sonho mĂstico e fagueiro,
Vem relembrar o tempo do passado.Ó velho sino, ó bronze abençoado,
Na alegria e na mágoa companheiro!
Tu me recordas o sorrir primeiro
De menino Jesus imaculado.E enquanto escuto a tua voz dolente,
Meu ser que geme dolorosamente
Da desventura, aos gĂ©lidos açoites …Bebe em teus sons tanta alegria, tanta!
Sino que lembras uma noite santa,
Noite bendita mais que as outras noites!
Celeste
Vi-te crescer! tu eras a criança
Mais linda, mais gentil, mais delicada:
Tinhas no rosto as cores da alvorada
E o sol disperso pela loira trança.Asas tinhas tambĂ©m, as da esperança…
E de tal sorte eras sutil e alada
Que parecias ave arrebatada
Na luz do Espaço onde a razão descansa!Depois, então, fizeste-te menina,
VisĂŁo de amor, purĂssima, divina,
Perante a qual ainda hoje me ajoelho.Cresceste mais! És bela e moça agora…
Mas eu, que acompanhei toda essa aurora,
Sinto bem quanto estou ficando velho.
As paixões impetuosas tornam os homens meninos.
Vivemos numa Paz de Animais Domésticos
Uma cobra de água numa poça do choupal, a gozar o resto destes calores, e umas meninas histéricas aos gritinhos, cheias de saber que o bicho era tão inofensivo como uma folha.
Por fidelidade a um mandato profundo, o nosso instinto, diante de certos factos, ainda quer reagir. Mas logo a razĂŁo acode, e o uivo do plasma acaba num cacarejo convencional. Todos os tratados e todos os preceptores nos explicaram já quantas espĂ©cies de ofĂdios existem e o soro que neutraliza a mordedura de cada um. Herdamos um mundo já quase decifrado, e sabemos de cor as ervas que nĂŁo devemos comer e as feras que nos nĂŁo podem devorar. Vivemos numa paz de animais domĂ©sticos, vacinados, com os dentes caninos a trincar pastĂ©is de nata, tendo aos pĂ©s, submissos, os antigos pesadelos da nossa ignorância. Passamos pela terra como espectros, indo aos jardins zoolĂłgicos e botânicos ver, pacata e sĂ biamente, em jaulas e canteiros, o que já foi perigo e mistĂ©rio. E, por mais que nos custe, nĂŁo conseguimos captar a alma do brinquedo esventrado. O homem selvagem, que teve de escolher tudo, de separar o trigo do joio, de mondar dos seus reflexos o que era manso e o que era bravo,
para uma canção de embalar
embalo a minha filha joana que acordou num berreiro.
a casa está às escuras, vou passando com cuidado
para não dar encontrões nos móveis, embalo esta menina
que se calou mas está de olho muito aberto e quer brincar,
e há um halo de luz parda a coar-se pelas persianas
e Ă s vezes uns farĂłis riscando estrias a correrem pelo tecto.levo-a bem presa ao colo, toda de porcelana pesadinha,
enquanto a irmã está a dormir meio atravessada nos lençóis.
ao chegar-me a outra janela vejo as luzes fugindo na auto-estrada
em direcção ao rio, a uma placa da lua sobre o rio,
e trauteio «já gostava de te ve-er», enquanto acendo o fogão
para aquecer o leite e embalo a minha filha e a outra está a dormir.oxalá cresçam ambas airosas e bem seguras,
e possam ir na vida serenamente como os rios correm,
ou como os veleiros voam, ou como elas agora respiram
em cadências regulares neste silêncio táctil.
a meio da noite um homem acordou no sossego da casa
e pĂ´s-se a cuidar do sono das suas filhas pequenas.
SolidĂŁo
Aproximo-me da noite
o silĂŞncio abre os seus panos escuros
e as coisas escorrem
por Ăłleo frio e espessoEsta deveria ser a hora
em que me recolheria
como um poente
no bater do teu peito
mas a solidĂŁo
entra pelos meus vidros
e nas suas enlutadas mĂŁos
solto o meu delĂrioÉ entĂŁo que surges
com teus passos de menina
os teus sonhos arrumados
como duas tranças nas tuas costas
guiando-me por corredores infinitos
e regressando aos espelhos
onde a vida te encarouMas os ruĂdos da noite
trazem a sua esponja silenciosa
e sem luz e sem tinta
o meu sonho resignaLonge
os homens afundam-se
com o caju que fermenta
e a onda da madrugada
demora-se de encontro
Ă s rochas do tempo
Regresso ao Lar
Ai, há quantos anos que eu parti chorando
deste meu saudoso, carinhoso lar!…
Foi há vinte?… Há trinta?… Nem eu sei já quando!…
Minha velha ama, que me estás fitando,
canta-me cantigas para me eu lembrar!…Dei a volta ao mundo, dei a volta Ă vida…
SĂł achei enganos, decepções, pesar…
Oh, a ingĂ©nua alma tĂŁo desiludida!…
Minha velha ama, com a voz dorida.
canta-me cantigas de me adormentar!…Trago de amargura o coração desfeito…
Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!
Nunca eu saĂra do meu ninho estreito!…
Minha velha ama, que me deste o peito,
canta-me cantigas para me embalar!…PĂ´s-me Deus outrora no frouxel do ninho
pedrarias de astros, gemas de luar…
Tudo me roubaram, vĂŞ, pelo caminho!…
Minha velha ama, sou um pobrezinho…
Canta-me cantigas de fazer chorar!…Como antigamente, no regaço amado
(Venho morto, morto!…), deixa-me deitar!
Ai o teu menino como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!…Canta-me cantigas manso, muito manso…
tristes, muito tristes, como Ă noite o mar…
Continue andando. Enfrente seus problemas de cara. Reaja. Vai. Tá pensando que é só você que sofre? tá enganada. Anda menina. Para de ser infantil. Seja forte. Seja feliz. Seja uma mulher!
A Minha MĂŁe
Lembra alvuras de cisne sobre um lago
A minha vida imaculada e honesta…
Ouço bater meu coração em festa,
Pela bondade e amor que nele trago!Do meu orgulho olĂmpico de mago
Só o desdém aos inimigos resta,
Maior que Ă s folhas mortas da floresta,
Que nos meus dedos pálidos esmago.Mas a piedade enche o meu peito, e vem,
Em vez de tão humano e vil desdém,
Ungir meus lábios de um perdĂŁo divino…Julguei ser Deus! E choro de cansaço…
Oh, mãe piedosa, embala no regaço
Meu coração exausto de menino!…
Males de Anto
A Ares n’uma aldeia
Quando cheguei, aqui, Santo Deus! como eu vinha!
Nem mesmo sei dizer que doença era a minha,
Porque eram todas, eu sei lá! desde o odio ao tedio.
Molestias d’alma para as quaes nĂŁo ha remedio.
Nada compunha! Nada, nada. Que tormento!
Dir-se-ia accaso que perdera o meu talento:
No entanto, ás vezes, os meus nervos gastos, velhos,
Convulsionavam-nos relampagos vermelhos,
Que eram, bem o sentia, instantes de Camões!
Sei de cór e salteado as minhas afflicções:
Quiz partir, professar n’um convento de Italia,
Ir pelo Mundo, com os pĂ©s n’uma sandalia…
Comia terra, embebedava-me com luz!
Extasis, spasmos da Thereza de Jezus!
Contei n’aquelle dia um cento de desgraças.
Andava, á noite, só, bebia a noite ás taças.
O meu cavaco era o dos mortos, o das loizas.
Odiava os homens ainda mais, odiava as Coizas.
Nojo de tudo, horror! Trazia sempre luvas
(Na aldeia, sim!) para pegar n’um cacho d’uvas,
Ou n’uma flor. Por cauza d’essas mĂŁos… Perdoae-me,
Aldeões! eu sei que vós sois puros. Desculpae-me.Mas, atravez da minha dor,
RaĂzes
Ehrenburg, que lia e traduzia os meus versos, repreendia-me: demasiada raiz, demasiadas raĂzes, nos teus versos. PorquĂŞ tantas? É verdade. As terras fronteiriças do Chile infiltraram as suas raĂzes na minha poesia e nunca puderam sair dela. A minha vida Ă© uma longa peregrinação que anda sempre Ă s voltas, que retorna sempre ao bosque austral, Ă selva perdida.
Ali, Ă© certo, as grandes árvores eram por vezes tombadas por setecentos anos de vida poderosa, ou arrancadas pelo furacĂŁo, ou queimadas pela neve, ou destruĂdas pelo incĂŞndio. Senti muitas vezes cair na profundidade da floresta as árvores titânicas: o roble que tomba com estrondo de catástrofe surda, como se batesse com mĂŁo colossal Ă s portas da terra pedindo sepultura. As raĂzes, porĂ©m, ficavam a descoberto, entregues ao tempo inimigo, Ă humidade, aos lĂquenes, ao aniquilamento progressivo.
Nada mais belo que aquelas grandes mĂŁos abertas, feridas e queimadas, que numa vereda do bosque nos indicam o segredo da árvore enterrada, o enigma que a folhagem mantinha, os mĂşsculos profundos do domĂnio vegetal. Trágicas e hirsutas, mostram-nos uma nova beleza: sĂŁo esculturas da profundidade — obras-primas secretas da natureza.Certa vez, caminhando com Rafael Alberti entre cascatas, matagais e bosques,
Não há Nada que Resista ao Tempo
Não há nada que resista ao tempo. Como uma grande duna que se vai formando grão a grão, o esquecimento cobre tudo. Ainda há dias pensava nisto a propósito de não sei que afecto. Nisto de duas pessoas julgarem que se amam tresloucadamente, de não terem mutuamente no corpo e no pensamento senão a imagem do outro, e daà a meia dúzia de anos não se lembrarem sequer de que tal amor existiu, cruzarem-se numa rua sem qualquer estremecimento, como dois desconhecidos.
Essa certeza, hoje entĂŁo, radicou-se ainda mais em mim.
Fui ver a casa onde passei um dos anos cruciais da minha vida de menino. E nem as portas, nem as janelas, nem o panorama em frente me disseram nada. Tinha cá dentro, é certo, uma nebulosa sentimental de tudo aquilo. Mas o concreto, o real, o número de degraus da escada, a cara da senhoria, a significação terrena de tudo aquilo, desaparecera.