A morte, assim chamada, é algo que faz os homens lamentarem: e ainda assim um terço da vida é passado no sono
Passagens sobre Morte
1650 resultadosA Verdadeira Morte é a Decadência
– Nunca se faz nada da vida.
– Mas ela faz alguma coisa de nós.
– Nem sempre… O que espera você da sua?
– Penso que sei sobretudo o que não espero dela…
– De cada vez que você teve de optar, não se…
– Não sou eu que opto: é aquilo que resiste.
– Mas o quê?
– À consciência da morte.
– A verdadeira morte, é a decadência. É tão mais grave, envelhecer ! Aceitarmos o nosso destino, a nossa função, a casota de cão erguida na nossa vida única… Não se sabe o que é a morte quando se é novo…
A Rua Dos Cataventos – XXXV
Quando eu morrer e no frescor de lua
Da casa nova me quedar a sós,
Deixa-me em paz na minha quieta rua…
Nada mais quero com nenhum de vós!Quero é ficar com alguns poemas tortos
Que andei tentando endireitar em vão…
Que lindo a Eternidade, amigos mortos,
Para as torturas lentas da Expressão!…Eu lavarei comigo as madrugadas,
Pôr de sóis, algum luar, asas em bando,
Mais o rir das primeiras namoradas…E um dia a morte há de fitar com espanto
Os fios da vida que eu urdi, cantando,
Na orla negra do seu negro manto…
O Sucesso para um Grande Amor
Estou contente porque a minha querida não tem ainda o afecto exclusivo e único que há-de sentir um dia por um homem, apesar de todas as suas teorias que há-de ver voar, voar para tão longe ainda!… E no entanto, elas são tão verdadeiras! Ainda assim, minha querida Júlia, uma das coisas melhores da nossa vida de tão prosaico século, é o amor, o grande e discutido amor, o nosso encanto e o nosso mistério; as nossas pétalas de rosa e a nossa coroa de espinhos. O amor único, doce e sentimental da nossa alma de portugueses, o amor de que fala Júlio Dantas, «uma ternura casta, uma ternura sã» de que «o peito que o sente é um sacrário estrelado», como diz Junqueiro; o amor que é a razão única da vida que se vive e da alma que se tem; a paixão delicada que dá beijos ao luar e alma a tudo, desde o olhar ao sorriso, — é ainda uma coisa nobre, bela e digna! Digna de si, do seu sentir, do seu grande coração, ao mesmo tempo violento e calmo. Esse amor que «em sendo triste, canta, e em sendo alegre, chora», esse amor há-de senti-lo um dia,
Os extremos são a fronteira além da qual termina a vida e a paixão pelo extremismo; na arte e na política, é uma velada ânsia de morte.
Até mesmo a espada que mata o ser humano conduz ao Caminho que transcende a morte e a vida, quando usada exclusivamente para a arte da esgrima. Portanto, é óbvio que o trabalho braçal, o comércio, o serviço na firma, enfim, todos os trabalhos úteis, quando executados com dedicação, tornam-se Caminhos sagrados que transcendem a morte e a vida.
O homem teme a morte porque ama a vida, e assim a natureza ordenou.
Retrato do Herói
Herói é quem num muro branco inscreve
O fogo da palavra que o liberta:
Sangue do homem novo que diz povo
e morre devagar de morte certa.Homem é quem anónimo por leve
lhe ser o nome próprio traz aberta
a alma à fome fechado o corpo ao breve
instante em que a denúncia fica alerta.Herói é quem morrendo perfilado
Não é santo nem mártir nem soldado
Mas apenas por último indefeso.Homem é quem tombando apavorado
dá o sangue ao futuro e fica ileso
pois lutando apagado morre aceso.
Como pode morrer de repente quem, desde que nasce, passa a vida levando consigo a morte?
Quem teme a morte não goza a vida.
A discórdia almoça com a abundância, janta com a pobreza, ceia com a miséria, e dorme com a morte.
Estou convencido de que a ‘tarefa primordial’ das instituições humanas, dentre as quais também o progresso, seja aquela de não apenas preservar os homens de sofrimentos inúteis e da morte precoce, mas também de conservar no homem toda a sua humanidade: a satisfação do trabalho desenvolvido com a inteligência das mãos e da mente, a satisfação de ajudar-se mutuamente e de um relacionamento feliz com os homens e com a natureza, a satisfação do conhecimento da arte.
Mesa dos Sonhos
Ao lado do homem vou crescendo
Defendo-me da morte quando dou
Meu corpo ao seu desejo violento
E lhe devoro o corpo lentamenteMesa dos sonhos no meu corpo vivem
Todas as formas e começam
Todas as vidasAo lado do homem vou crescendo
E defendo-me da morte povoando
De novos sonhos a vida
A pálida morte bate com pé igual nos casebres dos pobres
e nos palácios dos ricos.
Aspiro a um Repouso Absoluto
Aspiro a um repouso absoluto e a uma noite contínua. Poeta das loucas voluptuosidades do vinho e do ópio, não tenho outra sede a não ser a de um licor desconhecido na Terra e que nem mesmo a farmacopeia celeste poderia proporcionar-me; um licor que não é feito nem de vitalidade, nem de morte, nem de excitação, nem de nada. Nada saber, nada ensinar, nada querer, nada sentir, dormir e sempre dormir, tal é actualmente a minha única aspiração. Aspiração infame e desanimadora, porém sincera.
Personalidade e Individualidade
Todas as sociedades se têm esforçado por nos iludir e persuadir-nos a concentrar a nossa atenção na personalidade como se ela fosse a nossa individualidade. A personalidade é aquilo que nos é dado pelos outros. A individualidade é aquilo com que nascemos e é a natureza do nosso eu: não pode ser-nos dada por ninguém, nem pode ser-nos tirada por ninguém. A personalidade pode ser dada e tirada. Consequentemente, quando nos identificamos com a nossa personalidade, começamos a ter medo de perdê-la, e sempre que surge uma fronteira além da qual temos de nos fundir, a nossa personalidade recolhe-se. É incapaz de ir além dos limites do que conhece. Trata-se de uma camada muito fina, que nos é imposta. No amor profundo, evapora-se. Numa grande amizade, é impossível discerni-la.
A morte da personalidade nunca é absoluta em nenhum tipo de comunhão.
E nós identificamo-nos com a personalidade: os nossos pais, professores, vizinhos e amigos disseram-nos que somos assim, todos moldaram a nossa personalidade e lhe deram uma forma, fazendo de nós algo que não somos e que nunca poderemos ser. Por isso, somos infelizes, vivendo enclausurados nesta personalidade. É a nossa prisão. No entanto, também temos medo de sair dela,
Da Natureza do Mistério
As coisas misteriosas são o que há de mais belo, grandioso, e doce na existência. Os mais maravilhosos sentimentos são os que nos agitam com certa confusão: pudor, amor casto, amizade virtuosa, rescendem misterioso perfume. Dirieis que os corações amantes com meias palavras se compreendem e se franqueiam. A inocência, santa ignorância, não é per si o mais inefável dos mistérios? Exulta a infância porque tudo ignora; amisera-se a velhice porque tudo sabe: felizmente para ela, principiam os mistérios da morte onde fenecem os da vida. Dá-se nos afectos o que se dá nas virtudes: as mais angélicas são as que, derivadas imediatamente de Deus, à maneira da caridade, folgam de esconder-se à vista, como a origem delas.
Ninguém ousa dizer adeus aos seus próprios hábitos. Muitos suicidas detiveram-se no limiar da morte ao pensar no café onde vão todas as noites jogar a sua partida de dominó.
A vida é dúvida. E a fé sem a dúvida não é nada a não ser a morte.
Nós chegamos à morte como um rio que desagua no mar: uma parte está a nascer e, simultaneamente, a outra já se assombra no sem-fim.