A agulha veste os outros e anda nua.
Passagens sobre Nus
255 resultadosQuem se despojasse de todas as ilusões, ficaria nu.
Escrevo muito simples e muito nu. Por isso fere. Sou uma paisagem cinzenta e azul. Elevo-me na fonte seca e na luz fria.
Derramado
Raro e vazio dia.
Calmo e velho dia.
Os membros lassos debruados deste cansaço sem porquê.Raro e vazio dia,
assim inteiro e implacável
na solidão grave e trágica do meu quarto nu.Perdido, perdido, este vagabundear dos meus olhos
sobre os livros fechados e decorados,
sobre as árvores roídas,
sobre as coisas quietas, quietas…Raro e vazio dia
na minha boca pálida e pouca,
sem uma praga para quebrar a magia do ópio!
Por entre a chuva de mortais peloiros
A nua fronte enriquecer de loiros
Eu procuro, eu desejo,
Para teus mimos desfrutar sem pejo,
Pois quem deste esplendor se não guarnece,
Não é digno de ti, não te merece.
Mulher: a mais nua das carnes vivas e aquela cujo brilho é o mais suave.
Lembrar que você vai morrer é a melhor maneira que eu conheço para evitar a armadilha de pensar que você tem algo a perder. Você está nu. Não há razão para não seguir seu coração.
A Poezia do Outomno
Noitinha. O sol, qual brigue em chammas, morre
Nos longes d’agoa… Ó tardes de novena!
Tardes de sonho em que a poezia escorre
E os bardos, a sonhar, molham a penna!Ao longe, os rios de agoas prateadas
Por entre os verdes cannaviaes, esguios,
São como estradas liquidas, e as estradas
Ao luar, parecem verdadeiros rios!Os choupos nus, tremendo, arripiadinhos,
O chale pedem a quem vae passando…
E nos seus leitos nupciaes, os ninhos,
As lavandiscas noivam piando, piando!O orvalho cae do céu, como um unguento.
Abrem as boccas, aparando-o, os goivos…
E a larangeira, aos repellões do vento,
Deixa cair por terra a flor dos noivos.E o orvalho cae… E, á falta d’agoa, rega
O val sem fruto, a terra arida e nua!
E o Padre-Oceano, lá de longe, prega
O seu Sermão de Lagrymas, á Lua!Tardes de outomno! ó tardes de novena!
Outubro! Mez de Maio, na lareira!
Tardes…
Lá vem a Lua, gratiae plena,
Do convento dos céus, a eterna freira!
Ode Triunfal
À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical –
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força –
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro,
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas
Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão,
E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta,
A verdade é nua e crua.
A Mulher
Se é clara a luz desta vermelha margem
é porque dela se ergue uma figura nua
e o silêncio é recente e todavia antigo
enquanto se penteia na sombra da folhagem.
Que longe é ver tão perto o centro da frescurae as linhas calmas e as brisas sossegadas!
O que ela pensa é só vagar, um ser só espaço
que no umbigo principia e fulge em transparência.
Numa deriva imóvel, o seu hálito é o tempo
que em espiral circula ao ritmo da origem.Ela é a amante que concebe o ser no seu ouvido, na corola
do vento. Osmose branca, embriaguez vertiginosa.
O seu sorriso é a distância fluida, a subtileza do ar.
Quase dorme no suave clamor e se dissipa
e nasce do esquecimento como um sopro indivisível.
Nua
I
Nua
como Eva.
A cabeleira
beija-lhe o rosto oval e flutua;
o corpo
é água de torrente…Eva adolescente,
com reflexos de lua
e tons de aurora…!Roseira que enflora…!
Desflorada por tanta gente…
II
Teu corpo,
mal o toquei…Só te abracei
de leve…Foi todo neve
o sonho que alonguei…Asas em voo,
quem, um dia, as teve?Os sonhos que eu sonhei!
III
Jeito de ave
e criança,
suave
como a dança
do ramo de árvore
que o vento beija e balança!Nave
de sonho
no temporal medonho
silvando agoiro!Quem destrançou os teus cabelos de oiro?
IV
Corpo fino,
delicado,
sereno, sem desejos…Tão macio,
tão modelado…Beijos… Beijos… Beijos…
V
No meu sono
ela flutua
a cada passo…Nua,
riscando o espaço
numa névoa de outono…
Diferente
Buscando o vão Ideal que me seduz,
Sem que o atinja me disperso e gasto,
E ansiosamente aos braços duma cruz
Ergo o perfil de iluminado e casto.Já tristemente desdenhoso afasto
O manto de burel dos ombros nus;
E a noite pisa a forma do meu rasto,
Se deixo atrás de mim passos de luz.Na minha tez suave e nazarena,
Transparecem vislumbres dessa pena
Que Deus pelos estranhos hà sentido…E frio e calmo, a divergir da Raça,
Mal poiso os lábios no cristal da taça
Por onde as outras almas têm bebido!
Parafuso
Sabem-me o rosto,
sabem-me os pés,
sabem-me a roupa.Viram-me nu,
viram-me inteiro
no corpo imóvel.Mas só me sabem,
mas só me vêem,
mas só me enterram:inexistente,
alheio e estranho,
entrado em mim.
Bom Dia, Amigo Sol!
Bom dia, amigo Sol! A casa é tua!
As bandas da janela abre e escancara,
– deixa que entre a manhã sonora e clara
que anda lá fora alegre pela rua!Entre! Vem surpreendê-la quase nua,
doura-lhe as formas de beleza rara…
Na intimidade em que a deixei, repara
Que a sua carne é branca como a Lua!Bom dia, amigo Sol! É esse o meu ninho…
Que não repares no seu desalinho
nem no ar cheio de sombras, de cansaços…Entra! Só tu possuis esse direito,
– de surpreendê-la, quente dos meus braços,
no aconchego feliz do nosso leito!…
O Corpo Insurrecto
Sendo com o seu ouro, aurífero,
o corpo é insurrecto.
Consome-se, combustível,
no sexo, boca e recto.Ainda antes que pegue
aos cinco sentidos a chama,
por um aceso acesso
da imaginação
ateiam-se à cama
ou a sítio algures,
terra de ninguém,
(quem desliza é o espaço
para o corpo que vem),labaredas tais
que, lume, crepitam
nos ciclos mais extremos,
nas réstias mais íntimas,
as glândulas, esponjas
que os corpos apoiam,
zonas aquáticas
onde os órgãos boiam.No amor, dizendo acto de o sagrar,
apertado o corpo do recém-nascido
no ovo solar, há ainda um outro
corpo incluído,
mas um corpo aquém
de ser são ou podre,
um repuxo, um magma,
substância solta,
com pulmões.Neste amor equívoco
(ou respiração),
sendo um corpo humano,
sendo outro mais alto,
suspenso da morte,
mortalmente intenso,
mais alto e mais denso,mais talhado é o golpe
quando o põem em prática
com desassossego na respiração
e o sossego cru de quem,
O homem é o único ser que, ao nascer, nu sobre a terra nua, é abandonado ao vagido e ao pranto; e nenhum animal é mais propenso às lágrimas do que ele, desde o início da vida.
José Palácios, seu servidor mais antigo, o encontrou boiando nas águas depurativas da banheira, nu e de olhos abertos, e pensou que tinha se afogado.
Afrodite II
Cabelo errante e louro, a pedraria
Do olhar faiscando, o mármore luzindo
Alvirróseo do peito, – nua e fria,
Ela é a filha do mar, que vem sorrindo.Embalaram-na as vagas, retinindo,
Ressoantes de pérolas, – sorria
Ao vê-la o golfo, se ela adormecia
Das grutas de âmbar no recesso infindo.Vede-a: veio do abismo! Em roda, em pêlo
Nas águas, cavalgando onda por onda
Todo o mar, surge um povo estranho e belo;Vêm a saudá-la todos, revoando,
Golfinhos e tritões, em larga ronda,
Pelos retorsos búzios assoprando.
A Festa do Silêncio
Escuto na palavra a festa do silêncio.
Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se.
As coisas vacilam tão próximas de si mesmas.
Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas.
É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma.Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia,
o ar prolonga. A brancura é o caminho.
Surpresa e não surpresa: a simples respiração.
Relações, variações, nada mais. Nada se cria.
Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça.Nada é inacessível no silêncio ou no poema.
É aqui a abóbada transparente, o vento principia.
No centro do dia há uma fonte de água clara.
Se digo árvore a árvore em mim respira.
Vivo na delícia nua da inocência aberta.