Ninguém é rico senão do que dá e pobre senão do que nega.
Passagens sobre Pobres
672 resultadosO Risco de Nunca termos Conhecido a nossa Verdadeira Alma
São muito raros aqueles que morrem tendo possuído verdadeiramente a sua alma. Com frequência, nem sequer a conheceram. Desde a primeira idade, tiveram na sua frente os exemplos que lhes pareciam óptimos e, a pouco e pouco, lhes moldaram, comprimiram e mascararam a sua natureza. Se essa natureza era baixa e pobre e os exemplos foram bem escolhidos, a imitação evitou mais um idiota ou delinquente.
Todavia, em muitos casos, trata-se de naturezas ricas e generosas que teriam podido dar mais do que obtiveram com o método quadrúmano – e vale muito mais um talento pequeno, mas novo, do que a imitação medíocre de um génio.
Mas quase ninguém se atreve a ser o que é e todos querem ser outros. E como nem a todos se adapta o modelo que escolheram, a imitação resulta quase sempre inferior ao modelo: um desenho tosco efectuado numa parede vale sempre mais do que uma cópia da Sibila de Miguel Ângelo.
Mas o homem não pode deixar de copiar e não faz senão copiar: é um fabricante de duplicados. Porque quer ter uma réplica do mundo, reduzida às proporções humanas e aos seus gostos.
A religião é o que impede o pobre de matar o rico.
Dispersão
Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida…Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:Porque um domingo é familia,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não têm bem-estar nem familia).O pobre moço das ânsias…
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que te abismaste nas ânsias.A grande ave dourada
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-as saciada
Ao ver que ganhava os céus.Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traíu a si mesmo.Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projecto:
Se me olho a um espelho,
A fingida caridade do rico não passa, da sua parte de mais um luxo; ele alimenta os pobres como cães e cavalos.
O Belo Retrato do Sábio
Voltemos à feliz espécie dos loucos. Passada a vida alegremente, sem medo ou pressentimento da morte, emigram directamente para os Campo Elísios e vão deleitar com as suas facécias as almas ociosas e pias. Comparai agora ao destino do louco o de um sábio à vossa escolha. Citai-me um modelo de sabedoria que tenha gasto a sua infância e a juventude no estudo das ciências e que tenha perdido o mais belo tempo da sua vida em vigílias, cuidados e trabalhos sem fim e que se tenha privado, para o resto da sua vida, de todos os prazeres. Vereis que foi sempre pobre, miserável, triste, tétrico, severo e duro para consigo mesmo, insuportável e desagradável para com os outros, pálido, magro, servil, envelhecido antes do tempo, calvo antes da velhice, votado a uma morte prematura. Que importa, aliás, que morra, se nunca chegou a viver! Tal é o belo retrato deste sábio.
Noutes de Chuva
Eu não sei, ó meu bem, cheio de graças!
Se tu amas no Outomno – já sem rosas! –
A longa e lenta chuva nas vidraças,
E as noutes glaciaes e pluviosas!N’essas noutes sem luz, que – visionarios-
Temos chymeras misticas, celestes,
E scismamos nos pobres solitarios
Que tiritam debaixo dos cyprestes!Que evocamos os liricos passados,
As chymeras, e as horas infelizes,
Os velhos casos tristes olvidados,-
E os mortos corações sob as raizes!N’essas noutes, meu bem! em que desfeito
Cae o frio granizo nas estradas,
E tanto apraz, sonhando, sobre o leito,
Ouvir a longa chuva nas calçadas!N’essas noutes, electricas, nervosas,
Todas cheias d’aromas outonaes,
Que a tristeza tem formas monstruosas
Como n’um sonho os porticos claustraes.Noutes só em que o sabio acha prazeres,
– Tão ignorados dos crueis profanos! –
E em que as nervosas, mysticas mulheres,
Desfallecem chorando nos pianos.N’essas noutes, meu bem! é que os poetas
Tem ás vezes seus sonhos mais brilhantes,
Folheam suas obras predilectas…
–
O facto é que as emoções dos pobres eram mais francas, mais gratuitas e inapeláveis – e que, de cada vez que eu o recapitulava, lembrava-me da minha própria família.
Não é pobre aquele que se contenta com o que possui.
Mérito é o que dizeis? Ah, pobre ingénuos!
O dinheiro, esse sim é que é mérito, irmãos.
Apenas os ricos são bons, bonitos,
amáveis, jovens e sábios.
Os Dias Zangados São Dias de Amor
Raios partam os dias zangados. Nada há que se possa fazer para fugir deles. Esperam por nós, como credores ajudados por juros injustificáveis, para nos cortarem a fatia do nosso coração que lhes cabe.
Não são como os dias tristes, que não conseguem habituar-se a uma realidade qualquer, que se revelou, sem querer, desiludindo-nos de uma ilusão que nós próprios inventámos, para mais facilmente podermos acreditar, falsamente, nela. Mas assemelham-se para mais bem nos poderem magoar. Depois. Quase ao mesmo tempo. Bem.
Quem não tem um dia zangado, em que ninguém ou nada corresponde ao que esperávamos? A felicidade é a excepção e o engano. Resulta mais de um esquecimento do que de uma lembrança.
Pouco há de certo neste mundo. São muitos os pobres, mas não são poucos os ricos. As pessoas do sexo masculino não se entendem nem com as pessoas do sexo masculino, nem com as do sexo feminino. As pessoas, sejam de que sexo e sexualidade forem, compreendem-se mal. Dão-se mal, por muito bem que se dêem. As mais apaixonadas umas pelas outras são as que menos bem aceitam as diferenças, as incompreensões, os dias zangados e as noites zangadas que apenas servem para nos relembrar que todos nós nascemos e morremos sozinhos.
A Cantiga do Optimismo
Não embarquem na cantiga do optimismo. Sempre que possível, vejam as coisas pelo lado ruim. Desejem o melhor, mas não deixem nunca de esperar o pior. E saibam que dois terços das conquistas do Homem se fizeram, mais do que pelo optimismo dos seus autores, em resultado do pessimismo dos vizinhos daqueles. Os compêndios irão contra vós. Dir-vos-ão que são cínicos, escapistas, pobres cultores da ideia de supremacia do mal sobre o bem, tristes conformistas destinados ao imobilismo e mais nada. Não acreditem. Se há uma coisa capaz de mover montanhas, é ter ao lado um sacana a dizer «Não consegues, pá, dês as voltas que deres não consegues» – e, aliás, nós próprios concordarmos com ele. Em todo o caso, o mal exerce efectivamente supremacia sobre o bem. Vocês sabem que as crianças choram antes de rir – e que. muito antes de aprenderem o potencial sedutor de um sorriso, já conhecem as virtudes chantagísticas de uma boa gritaria.
Não pensem que o método é meu. Insinuou-o Voltaire, no seu Candide, à revelia dos optimistas taralhoucos que vieram antes e depois dele, como Leibniz ou Godwin. Gramsci tratou da exegese. O verdadeiro segredo? O verdadeiro método? «É preciso atrair violentamente a atenção para o presente do modo como ele é.
Quando a esmola é muita, o pobre desconfia.
O Amor Social
É necessário voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena sermos bons e honestos. Vivemos já muito tempo na degradação moral, baldando-nos à ética, à bondade, à fé, à honestidade; chegou o momento de reconhecer que esta alegre superficialidade de pouco nos serviu. Uma tal destruição de todo o fundamento da vida social acaba por nos colocar uns contra os outros, na defesa dos próprios interesses, provoca o despertar de novas formas de violência e crueldade e impede o desenvolvimento de uma verdadeira cultura do cuidado do meio ambiente.
O exemplo de Santa Teresa de Lisieux convida-nos a pôr em prática o pequeno caminho do amor, a não perder a oportunidade de uma palavra gentil, de um sorriso, de qualquer pequeno gesto que semeie paz e amizade. Uma ecologia integral é feita também de simples gestos quotidianos, pelos quais quebramos a lógica da violência, da exploração, do egoísmo. Pelo contrário, o mundo do consumo exacerbado é, simultaneamente, o mundo que maltrata a vida em todas as suas formas.
O amor, cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo, é também civil e político,
Pronto para Receber a Felicidade
Estava tudo pronto para receber a felicidade,
e tu não vinhas.Amei-te muito antes de te amar. Éramos o que
os amantes eram e nem precisávamos de
corpo para isso, porque o que dizíamos nos
satisfazia, e sempre que a vida acontecia era um
ao outro que tínhamos de falar. Se há coisa que
temo no mundo é o teu fim. Passo horas a sentir-me
indestrutível, a ter a certeza de que nada me
toca, de que nada me poderá doer o suficiente para
me fazer recuar, e depois vens tu. Tu e a tua imagem
a perder de vista, os teus olhos quando me olhas, a
tua boca quando me falas, e é então que percebo
que sou finito, pobre humano, e desato a chorar à
procura do telefone e de uma palavra tua que
me convença de que ainda existes. É na possibilidade
do teu fim que encontro a humildade.Era o dia mais lindo de sempre na terra onde eu estava,
e tu não vinhas.Não se sabe onde acaba o mundo mas eu sei que
a vida acaba no fundo dos teus lábios.
O Elogio do Trabalho
Há no trabalho, segundo a natureza da obra e a capacidade do trabalhador, todas as gradações, desde o simples alívio do tédio às satisfações mais profundas. Na maior parte dos casos, o trabalho que as pessoas têm de executar não é interessante, mas ainda em tais circunstâncias oferece grandes vantagens. Em primeiro lugar, preenche uma boa parte do dia sem haver necessidade de decidir sobre o que se há-de fazer. A maioria das pessoas, quando estão em condições de escolher livremente o emprego do seu tempo, têm dificuldade em encontrar o que quer que seja suficientemente agradável para as ocupar. E tudo o que decidam deixa-as atormentadas pela ideia de que qualquer outra coisa seria mais agradável.
Ser capaz de utilizar inteligentemente os momentos de lazer é o último degrau da civilização, mas presentemente muito poucas pessoas o atingiram. Além disso, a acção de escolher é fatigante. Excepto para os indivíduos dotados de extraordinário espírito de iniciativa, é muito cómodo ser-se informado do que se tem a fazer em cada hora do dia, desde que tais ordens não sejam desagradáveis em demasia.A maior parte dos ricos occiosos sofrem de um inexprimível aborrecimento em paga de se terem libertado dum trabalho penoso.
Os Amantes de Novembro
Ruas e ruas dos amantes
Sem um quarto para o amor
Amantes são sempre extravagantes
E ao frio também faz calorPobres amantes escorraçados
Dum tempo sem amor nenhum
Coitados tão engalfinhados
Que sendo dois parecem umDe pé imóveis transportados
Como uma estátua erguida num
Jardim votado ao abandono
De amor juncado e de outono.
Pobre que arremeda um rico morre aleijado.
Os tristes, os deserdados, os pobres, os oprimidos, quando tudo lhes falta, o pão, o lume, o vestido, têm sempre, no fundo da alma, uma cantiga pequena que os consola, que os aquece, que os alegra. É a última coisa que fica no pobre. E então a cantiga vale mais do que todos os poemas.
Um partido de pobres nunca ganharia uma eleição, porque os pobres não têm nada para prometer. Quem faz promessas são os ricos, ou, mais exactamente, é o poder.