O Desejo como Consequência do Prazer e da Dor
O prazer e a dor suscitam o desejo. Desejo de alcançar o prazer e de evitar a dor. O desejo é o móbil principal da nossa vontade e, portanto, dos nossos atos. Do pólipo aos homens, todos os seres são movidos pelo desejo. Inspira a vontade, que não pode existir sem ele, e depende da sua intensidade. O desejo fraco suscita, naturalmente, uma vontade fraca.
Cumpre, no entanto, não confundir vontade e desejo, como fizeram muitos filósofos, tais como Condillac e Schopenhauer. Tudo quanto é querido é, evidentemente, desejado; mas desejamos muitas coisas que, sabemos, não podíamos querer. A vontade traduz deliberação, determinação e execução, estados de consciência que não se observam no desejo.
O desejo estabelece a escala dos nossos valores, variável, aliás, com o tempo e as raças. O ideal de cada povo é a fórmula do seu desejo.
Um desejo que invade todo o entendimento, transforma a nossa concepção das coisas, as nossas opiniões e as nossas crenças. Spinoza muito bem disse julgamos uma coisa boa, não por julgamento, mas porque a desejamos.Não existindo em si mesmo o valor das coisas, ele é apenas determinado pelo desejo e proporcionalmente à intensidade desse desejo.A variável apreciação dos objetos de arte fornece desse fato uma prova diária.
Passagens sobre Possessão
89 resultadosTenho certeza de possuir uma alma, e todos os livros com os quais os materialistas enfadaram o mundo não me convencem do contrário.
Fruir antes de possuir: eis o instinto do homem; possuir antes de fruir: eis o instinto da mulher.
Nenhum Animal é Insatisfeito
Eu penso que poderia retornar e viver com animais, tão plácidos e autocontidos; eu paro e me ponho a observá-los longamente. Eles não se exaurem e gemem sobre a sua condição; eles não se deitam despertos no escuro e choram pelos seus pecados; eles não me deixam nauseado discutindo o seu dever perante Deus. Nenhum deles é insatisfeito, nenhum enlouquecido pela mania de possuir coisas; nenhum se ajoelha para o outro, nem para os que viveram há milhares de anos; nenhum deles é respeitável ou infeliz em todo o mundo.
Não se deseja possuir uma mulher, deseja-se ser o único a possuí-la.
O Prazer e a Dor
O prazer e a dor não conhecem a duração. A sua natureza é dissiparem-se rapidamente e, por conseguinte, só existirem sob a condição de ser intermitente. Um prazer prolongado cessa logo de ser um prazer e uma dor continua logo se atenua. A sua diminuição pode mesmo, por confronto, tornar-se um prazer. O prazer só é, pois, um prazer sob a condição de ser descontínuo. O único prazer um pouco durável é o prazer não realizado, ou desejo.
O prazer somente é avaliável pela sua comparação com a dor. Falar de prazer eterno é um contra-senso, como justamente observou Platão. Ignorando a dor, os deuses não podem, segundo Platão, ter prazer. A descontinuidade do prazer e da dor representa a conseqüência dessa lei fisiológica: “A mudança é a condição da sensação”. Não percebemos os estados contínuos, porém as diferenças entre estados simultâneos ou sucessivos. O tique-taque do relógio mais ruidoso acaba, no fim de algum tempo, por não ser mais ouvido, e o moleiro não será despertado pelo ruído das rodas do seu moinho, mas pelo seu parar.É em virtude dessa descontinuidade necessária que o prazer prolongado cessa logo de ser um prazer, porém uma coisa neutra,
Canto Ou Elegia
Porque não me pertences eu te sinto minha.
Sei que estou no teu sono e nos teus movimentos.
Ah! se já tivesse apertado ao meu peito
talvez me pertencesses, – e não fosses minha.Quantas, quantas julguei possuir, tive-as na posse
e perdi-as no instante em que a taça se esvaziou.
Ah! morremos de seda! E é água pura que canta
perto de nós, no abismo, esse amor que não temos.Morro de sede, e sofro… Ó música tão perto
e tão longe na minha solidão ardente!
– Quanto não a ouvirei porque a terei nos lábios?Quando a possuirei sem notar-lhe a pureza?
E a beberei sem ver, que a estou, lento, matando,
e estou, lento, morrendo, sem saber que morro?
Eu Vivia De Lágrimas Isento
Eu vivia de lágrimas isento,
num engano tão doce e deleitoso
que em que outro amante fosse mais ditoso,
não valiam mil glórias um tormento.Vendo-me possuir tal pensamento,
de nenhüa riqueza era envejoso;
vivia bem, de nada receoso,
com doce amor e doce sentimento.Cobiçosa, a Fortuna me tirou
deste meu tão contente e alegre estado,
e passou-me este bem, que nunca fora:em troco do qual bem só me deixou
lembranças, que me matam cada hora,
trazendo-me à memória o bem passado.
Cabra-Cega
À volta de incerto fogo
Brincaram as minhas mãos.
… E foi a vida o seu jogo!Julguei possuir estrelas
Só por vê-las.
Ai! Como estrelas andaram
Misteriosas e distantes
As almas que me encantaram
Por instantes!Em ritmo discreto, brando,
Fui brincando, fui brincando
Com o amor, com a vaidade…— E a que sentimentos vãos
Fiquei devendo talvez
A minha felicidade!
Mediocridade de Espírito
O nosso máximo esforço de independência consiste em opor, por vezes, um pouco de resistência às sugestões quotidianas. A grande massa humana nenhuma resistência opõe e segue as crenças, as opiniões e os preconceitos do seu grupo. Ela obedece-lhe sem ter mais consciência do que a folha seca arrastada pelo vento.
Só numa elite muito restrita se observa a faculdade de possuir, algumas vezes, opiniões pessoais. Todos os progressos da civilização procedem, evidentemente, desses espíritos superiores, mas não se pode desejar a sua multiplicação sucessiva. Inapta a adaptar-se imediatamente a progressos rápidos e profundos em demasia, uma sociedade tornar-se-ia logo anárquica. A estabilidade necessária à sua existência é precisamente estabelecida graças ao grupo compacto dos espíritos lentos e medíocres, governados por influências de tradições e de meio.
É, portanto, útil para uma sociedade que ela se componha de uma maioria de homens médios, desejosos de agir como toda a gente, que têm por guias as opiniões e as crenças gerais. É muito útil também que as opiniões gerais sejam pouco tolerantes, pois o medo do juízo alheio constitui uma das bases mais seguras da nossa moral.
A mediocridade de espírito pode, pois, ser benéfica para um povo,
Que sorte possuir uma grande inteligência: nunca te faltam asneiras para dizer.
Neste mundo há apenas um habitante. Um habitante solitário que, sem nada possuir, é presenteado com todos os nomes.
Como somos insensatos, queremos tudo conquistar, como se tivéssemos tempo de tudo possuir.
O objetivo do consumidor não é possuir coisas, mas consumir cada vez mais e mais a fim de que com isso compensar o seu vácuo interior, a sua passividade, a sua solidão, o seu tédio e a sua ansiedade.
Nunca sejais homens e mulheres tristes; um cristão jamais pode sê-lo! Não te deixes tomar pelo desânimo! A nossa não é uma alegria que nasça de possuir muitas coisas, mas nasce de ter encontrado uma pessoa: Jesus.
A Busca da Verdade
O que constitui o valor do homem não é a verdade, que qualquer pessoa pode possuir ou supõe possuir, mas o empenho sincero que o homem empregou para descobrir a verdade. Pois é por meio da busca pela verdade, e não com a posse desta, que as suas forças se ampliam, e somente nisto consiste a sua perfeição sempre crescente.
Paixão
— Quanto dura uma paixão?
Uma paixão não dura nada, apenas
a eternidade simples de um sorriso
que, por ser belo, e possuir antenas
capta constantemente o paraíso.Uma paixão é sempre um peixe grande,
uma alegria que se torna amarga
quando se perde a noite e, na manhã
de sol, se perde o anzol na linha larga.Nem adianta, aí, mudar de isca,
cevar o poço e procurar no fundo:
o peixe da paixão é sombra arisca
na melhor pescaria deste mundo.Ela não dura muito e, por ser peixe,
não dura na emoção, não dura nada:
se se perde no fundo, é sempre um feixe
de luz
— alguma escama nacarada,
caco de vidro, areia no sol quente
que cintila e se apaga, de repente.
A Justa Medida
As necessidades do corpo são a justa medida do que cada um de nós deve possuir. Exemplo: o pé só exige um sapato à sua medida. Se assim considerares as coisas, respeitarás em tudo quanto faças as devidas proporções. Se ultrapassares estas proporções, serás, por tal maneira de agir, necessariamente desregrado como se um precipício te seduzisse. O sapato é exemplo ainda deste estado de coisas: se fores para além do que o teu pé necessita, não tardará muito que anseies por um sapato dourado, por um sapato de púrpura depois, finalmente por um sapato bordado. Uma vez que se menospreze a justa medida, deixa de haver qualquer limite que justos torne os nossos propósitos.
A Suprema Vantagem do Homem sobre todos os Seres
Foi para o ser capaz de adquirir o maior número de artes que a natureza deu a ferramenta que é, de longe, a mais útil: a mão. E os que pretendem que o homem, longe de ser bem constituído, é o mais mal munido dos animais – dizem, na verdade, que ele nada tem nos pés, que é nu e não possui armas para a luta – estão errados: ou outros, de facto, dispõem de um único recurso que não podem trocar por um outro, e precisam, por assim dizer, de permanecer calçados para dormir ou para fazer tudo, jamais podem tirar a armadura que têm ao redor do corpo e jamais conseguem trocar a arma de que foram dotados pelo destino; o homem, pelo contrário, dispõe de múltiplos meios de defesa e tem sempre a possibilidade de trocá-los, assim como pode possuir a arma que deseja e no momento que deseja. A mão, de facto, torna-se garras, presas ou chifres, e também pega na lança, na espada, ou e qualquer outra arma ou ferramenta, e ela é tudo isso porque pode pegar e segurar tudo.
Bens Ilusórios
Por nosso mal lá chega a idade, em que não queremos mais fortunas, que o viver; conhecemos a ilusão delas, e se as buscamos, é como por costume, mas sem ânsia, e sem desassossego; o desejo de as alcançar, é como um resto de calor, que apenas se faz sentir. Não reflectimos sobre o pouco tempo, que devemos gozar um bem, senão depois de o ter: só então consideramos o muito que custou a alcançar, e o pouco que o havemos possuir.
Em cada país há um modo com que as cousas se imaginam; o que é fortuna em uma parte, é desgraça em outra, o que aqui se busca com empenho, ali se despreza totalmente. Os objectos que entretêm a vaidade, e estimação dos homens, são como ídolos, que só se veneram em lugar determinado, e fora daquele tal espaço, a adoração se troca em vitupério; o mesmo mármore de que em Atenas se faria uma Minerva, transportado a outro lugar, apenas servirá de base a uma coluna; assim é a vaidade, por mais que seja universal nos homens, os motivos dela não são universais.