No deserto redescobre-se o valor daquilo que é essencial para viver; assim, são inumeráveis no mundo contemporâneo os sinais, muitas vezes manifestados de forma implícita ou negativa, da sede de Deus, do sentido último da vida.
Passagens sobre Sede
241 resultados(H)Aras E Sara(H)
Nas areias do Saara sei-me potro
corcel bebendo o fogo do deserto.
Nas almofadas dunas tão macias
deito-me ao sono sonho cavalgando.Arrebatado sigo sem miragens
teu trote gracioso nesse oásis
de ver nas anchas ancas tanta água
e sei que a minha sede tem abrigo.Sedento garanhão de antiga Arábia
no solo de Israel lua de alfanje
brilha na tenda a estrela de David.Iluminada alcova ardendo em sândalo
a sarça da paixão demove intrigas
e rega no seu vinho nossos corpos.
Se quereis conservar o prestígio da popularidade, criticai tudo o que se faz não fazendo nunca nada. Sede sempre uma esperança.
O Desejo e a Posse
Um homem não se sente totalmente privado dos bens aos quais nunca sonhou aspirar, mas fica muito satisfeito mesmo sem eles, enquanto outro que possua cem vezes mais do que o primeiro sente-se infeliz quando lhe falta uma única coisa que tenha desejado. A esse respeito, cada um tem também um horizonte próprio daquilo que lhe é possível atingir, e as suas pretensões têm uma extensão semelhante a esse horizonte. Quando determinado objecto, situado dentro desses limites, se lhe apresenta de modo que o faça acreditar na possibilidade de alcançá-lo, o homem sente-se feliz; em contrapartida, sentir-se-à infleliz quando eventuais dificuldades lhe tirarem tal possibilidade. Tudo o que estiver situado externamente a esse campo visual não agirá de forma alguma sobre ele. Por esse motivo, as grandes propriedades dos ricos não perturbam o pobre, e, por outro lado, para o rico cujos propósitos tenham fracassado, serve de consolo as muitas coisas que já possui. (A riqueza assemelha-se à água do mar; quanto mais dela se bebe, mais sede se tem. O mesmo vale para a glória).
O facto de que o nosso humor habitual não resulte muito diferente do anterior após a perda de uma riqueza ou do bem-estar,
Não há Liberdade sem Direcção
É fácil estabelecer a ordem de uma sociedade na submissão de cada um dos seus componentes a regras fixas. É fácil moldar um homem cego que tolere, sem protestar, um mestre ou um Corão. Mas é muito diferente, para libertar o homem, fazê-lo reinar sobre si próprio.
Mas o que é libertar? Se eu libertar, no deserto, um homem que não sente nada, que significa a sua liberdade? Não há liberdade a não ser a de «alguém» que vai para algum sítio. Libertar este homem seria mostrar-lhe que tem sede e traçar o caminho para um poço. Só então se lhe ofereceriam possibilidades que teriam significado. Libertar uma pedra nada significa se não existir gravidade. Porque a pedra, depois de liberta, não iria a parte nenhuma.
Os libertinos são como os hidrópicos; quanto mais bebem mais sede têm.
Sede firmes, e que as vossas mãos não se enfraqueçam
Sede firmes, e que as vossas mãos não se enfraqueçam, pois as vossas acções terão a sua recompensa.
O Tonel do Rancor
O Rancor é o tonel das Danaidas alvíssimas;
A Vingança, febril, grandes olhos absortos,
procura em vão encher-lhes as trevas profundíssimas,
Constante, a despejar pranto e sangue de mortos.O Diabo faz-lhe abrir uns furos misteriosos
Por onde se estravasa o líquido em tropel;
Mil anos de labor, de esforços fatigosos,
Tudo seria vão para encher o tonel.O Rancor é qual ébrido em sórdida taverna,
Que quanto mais bebeu inda mais sede tem,
Vendo-a multiplicar como a hidra de Lerna.– Mas se o ébrio feliz sabe com quem se avém,
O Rancor, por seu mal, não logra conseguir,
Qual torvo beberrão, acabar por dormir.Tradução de Delfim Guimarães
Protesto
Não é no teu corpo que se imola
para a ceia dos meus sentidos
a vítima núbil, a áurea mola
que cinge o amor recente aos idos.Mas é também no teu corpo que corre
o sangue que o meu sangue socorre.Não é no teu corpo que se ergue
a guerra fria dos meus nervos.nem nasceram tuas transparências
para a cegueira dos meus dedos.Mas é também no teu corpo insano
que perscruto meu desconforto humano.Não é no teu corpo, nos teus olhos
de fauno, que colho as minhas ditas,
nem o jasmim de tua boca flore
para a visão que me solicita.Mas é também no teu corpo único
que o amor à forma do Amor reúno.Não é no teu corpo que concentro
minha sede (esta sede ferina
que morre de seu farto alimento
e vive de quanto se elimina)Mas é também teu corpo a medida
destas águas sobre a minha ferida.Não é no teu corpo, mas é tanto
no teu corpo meu último refúgio,
A Sede de Explicações
Tão irredutível quanto a necessidade de crer, a necessidade de explicações acompanha o homem desde o berço até ao túmulo. Ela contribuiu para criar os seus deuses e diariamente determina a génese de numerosas opiniões. Essa necessidade intensa facilmente se satisfaz. As respostas mais rudimentares são suficientes. A facilidade com que é contentada foi a origem de grande número de erros. Sempre ávido de certezas definitivas, o espírito humano guarda muito tempo as opiniões falsas fundadas na necessidade de explicações e considera como inimigos do seu repouso aqueles que as combatem.
O principal inconveniente das opiniões baseadas em explicações erróneas é que, admitindo-as como definitivas, o homem não procura outras. Supor que se conhece a razão das coisas é um meio seguro de não a descobrir. A ignorância da nossa ignorância tem retardado de longos séculos os progressos das ciências e ainda, aliás, os restringe. A sede de explicações é tal que sempre foi achada alguma para os fenómenos menos compreensíveis. O espírito tem mais satisfação em admitir que Júpiter lança o raio do que em se confessar ignorante em relação às causas que o fazem rebentar. Para não confessar a sua ignorância em certos assuntos, a própria ciência muitas vezes se contenta com explicações análogas.
A leitura é uma fonte inesgotável de prazer mas por incrível que pareça, a quase totalidade, não sente esta sede.
Cava um poço antes de teres sede.
A Demora
O amor nos condena:
demoras
mesmo quando chegas antes.
Porque não é no tempo que eu te espero.Espero-te antes de haver vida
e és tu quem faz nascer os dias.Quando chegas
já não sou senão saudade
e as flores
tombam-me dos braços
para dar cor ao chão em que te ergues.Perdido o lugar
em que te aguardo,
só me resta água no lábio
para aplacar a tua sede.Envelhecida a palavra,
tomo a lua por minha boca
e a noite, já sem voz
se vai despindo em ti.O teu vestido tomba
e é uma nuvem.
O teu corpo se deita no meu,
um rio se vai aguando até ser mar.
Sede como os pássaros que, ao pousarem um instante sobre ramos muito leves, sentem-nos ceder, mas cantam! Eles sabem que possuem asas.
No Seio Da Terra
Do pélago dos pélagos sombrios,
Cá do seio da Terra, olhando as vidas,
Escuto o murmurar de almas perdidas,
Como o secreto murmurar dos rios.Trazem-me os ventos negros calafrios
E os loluços das almas doloridas
Que têm sede das terras prometidas
E morrem como abutres erradios.As ânsias sobem, as tremendas ânsias!
Velhices, mocidades e as infâncias
Humansa entre a Dor se despedaçam…Mas, sobre tantos convulsivos gritos,
Passam horas, espaços, infinitos,
Esferas, gerações, sonhando, passam!
Não há Nada Tão Enjoativo Quanto a Abundância
O amor bem nutrido e excessivamente submisso logo nos enjoa e cansa, como o excesso de uma iguaria agradável cansa o estômago (Ovídio). Julgam que os meninos de coro têm grande prazer com a música? A saciedade toma-a antes tediosa. Os festins, as danças, as mascaradas, os torneios alegram os que não os vêem amiúde e que desejaram vê-los; mas para quem o faz habitualmente o seu gosto torna-se insípido e desagradável; também as mulheres não excitam aquele que delas desfruta à saciedade. Quem não se dá tempo para sentir sede não poderia ter prazer em beber. As farsas dos saltimbancos divertem-nos, mas para os actores servem de obrigação. E a prova disso é que para os príncipes são delícias, é festa poderem às vezes travestir-se e descer à forma de vida baixa e popular, frequentemente aos grandes apraz mudar; e refeições frugais e asseadas sob o tecto de um pobre, sem tapete nem púrpura, desenrugaram-lhes a fronte inquieta (Horácio).
Não há nada tão incómodo, tão enjoativo quanto a abundância. Que apetite não se repugnaria ao ver trezentas mulheres à sua mercê, como as que tem o grande senhor no seu serralho? E que prazer e que espécie de caçada buscara aquele ancestral seu que nunca ia para os campos com menos de sete mil falcoeiros?
Amizade
Ser-se amigo é ser-se pai
( — Ou mais do que pai talvez…)
É pôr-se a boca onde cai
A nódoa que nos desfez.É dar sem receber nada,
Consciente da prisão,
Onde os nossos passos vão
Em linha por nós traçada…É saber que nos consome
A sede, e sentirmos bem
O Céu, por na Terra, alguém
Rir, cantar e não ter fome.É aceitar a mentira
E achá-la formosa e humana
Só porque a gente respira
O ar de quem nos engana.
Os Cinco Sentidos
São belas – bem o sei, essas estrelas,
Mil cores – divinais têm essas flores;
Mas eu não tenho, amor, olhos para elas:
Em toda a natureza
Não vejo outra beleza
Senão a ti – a ti!Divina – ai! sim, será a voz que afina
Saudosa – na ramagem densa, umbrosa.
será; mas eu do rouxinol que trina
Não oiço a melodia,
Nem sinto outra harmonia
Senão a ti – a ti!Respira – n’aura que entre as flores gira,
Celeste – incenso de perfume agreste,
Sei… não sinto: minha alma não aspira,
Não percebe, não toma
Senão o doce aroma
Que vem de ti – de ti!Formosos – são os pomos saborosos,
É um mimo – de néctar o racimo:
E eu tenho fome e sede… sequiosos,
Famintos meus desejos
Estão… mas é de beijos,
É só de ti – de ti!Macia – deve a relva luzidia
Do leito – ser por certo em que me deito.
Mas quem, ao pé de ti, quem poderia
Sentir outras carícias,
É Isto o Amor
Em quem pensar, agora, senão em ti? Tu, que
me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a
manhã da minha noite. É verdade que te podia
dizer: «Como é mais fácil deixar que as coisas
não mudem, sermos o que sempre fomos, mudarmos
apenas dentro de nós próprios?» Mas ensinaste-me
a sermos dois; e a ser contigo aquilo que sou,
até sermos um apenas no amor que nos une,
contra a solidão que nos divide. Mas é isto o amor:
ver-te mesmo quando te não vejo, ouvir a tua
voz que abre as fontes de todos os rios, mesmo
esse que mal corria quando por ele passámos,
subindo a margem em que descobri o sentido
de irmos contra o tempo, para ganhar o tempo
que o tempo nos rouba. Como gosto, meu amor,
de chegar antes de ti para te ver chegar: com
a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água
fresca que eu bebo, com esta sede que não passa. Tu:
a primavera luminosa da minha expectativa,
a mais certa certeza de que gosto de ti, como
gostas de mim,
Aqui Mereço-te
O sabor do pão e da terra
e uma luva de orvalho na mão ligeira.
A flor fresca que respiro é branca.
E corto o ar como um pão enquanto caminho entre searas.
Pertenço em cada movimento a esta terra.
O meu suor tem o gosto das ervas e das pedras.
Sorvo o silêncio visivel entre as árvores.
É aqui e agora o dilatado abraço das raízes claras do sono.
Sob as pálpebras transparentes deste dia
o ar é o suspiro dos próprios lábios.
Amar aqui é amar no mar,
mas com a resistência das paredes da terra.A mão flui liberta tão livre como o olhar.
Aqui posso estar seguro e leve no silêncio
entre calmas formas, matérias densas, raízes lentas,
ao fogo esparso que alastra ao horizonte.
No meu corpo acende-se uma pequena lâmpada.
Tudo o que eu disser são os lábios da terra,
o leve martelar das línguas de água,
as feridas da seiva, o estalar das crostas,
o murmúrio do ar e do fogo sobre a terra,
o incessante alimento que percorre o meu corpo.