Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
Passagens sobre Segredos
568 resultadosSegredo muito encoberto é sempre descoberto.
Não deixes que o mal te faça acreditar que conseguirias guardar segredos diante dele.
Adopte o ritmo da natureza. O segredo dela é a paciência.
Um Homem Realizado
Ao indivíduo acostumado ao íntimo das profundidades, o «mistério» não intimida; não fala dele e não sabe o que seja: vive-o… A realidade em que se move não comporta outra: não tem uma zona inferior nem um além: está abaixo de tudo e para além de tudo. Farto de transcendência, superior às operações do espírito e às servidões que se lhe associam, repousa na sua curiosidade inexaurível… Nem a religião nem a metafísica o intrigam: o que poderia sondar ele que se encontra já em pleno insondável? Cumulado, está-o sem dúvida; mas ignora se continua a existir.
Afirmamo-nos na medida em que, por trás de uma realidade dada, perseguimos uma outra e em que, para além do próprio absoluto, continuamos à procura. A teologia detém-se em Deus? De maneira nenhuma. Quer remontar mais alto, tal como a metafísica que, ao mesmo tempo que investiga a essência, não se digna fixar-se nela. Uma e outra temem ancorar num princípio último; passam de segredo em segredo; incensam o inexplicável e abusam dele sem pudor. O mistério, que oferenda! Mas que maldição pensar tê-lo atingido, imaginar que o conhecemos e que poderemos residir nele! Já não há que procurar: aí está ele,
O Desejo de Ser Diferente
O desejo de se ser diferente daquilo que se é, é a maior tragédia com que o destino pode castigar o homem. O desejo de ser outro, diferente daquilo que somos: não pode arder um desejo mais doloroso no coração humano. Porque não é possível suportar a vida de outra maneira, apenas sabendo que nos conformamos com aquilo que significamos para nós próprios e para o mundo. Temos de nos conformar com aquilo que somos e de ter consciência, quando nos conformamos, de que em troca dessa sabedoria, não recebemos elogios da vida, não nos põem no peito nenhuma condecoração por sabermos e aceitarmos que somos vaidosos ou egoístas, carecas e barrigudos – não, temos de saber que por nada disso recebemos recompensas, nem louvores. Temos de suportar, o segredo é isso. Temos de suportar o nosso carácter, o nosso temperamento, já que os seus defeitos, egoísmos e avidez, não os mudam nem a experiência, nem a compreensão. Temos de suportar que os nossos desejos não tenham plena repercussão no mundo. Temos de suportar que as pessoas que amamos, não nos amem, ou que não nos amem como gostaríamos. Temos de suportar a traição e a infidelidade, e o que é mais difícil entre todas as tarefas humanas,
Não Julgues
Não julgues. A vida é um mistério, cada um obedece a leis diferentes. Conheces porventura a força das coisas que os conduziram, os sofrimentos e os desejos que cavaram o seu caminho? Supreendestes porventura a voz da sua consciência a revelar-lhes em voz baixa o segredo do seu destino? Não julgues; olha o lago puro e a água tranquila onde vêm quebrar-se as mil vagas que varrem o universo… É preciso que aconteça tudo aquilo que vês.
Todas as ondas do oceano são precisas para levar ao porto o navio da verdade. Acredita na eficácia da morte do que queres para participares do triunfo do que deve ser.
Se queres que outrem guarde segredo, guarda-o tu primeiro.
A verdadeira caridade é praticada em segredo. O melhor tipo de caridade é aquele em que quem a faz ignora quem a recebe, e quem a recebe ignora quem a faz.
Convenceu-se de que cada ser humano é uma caixa de segredos a ser explorada.
Não é o trabalho, mas o saber trabalhar, que é o segredo do êxito no trabalho. Saber trabalhar quer dizer: não fazer um esforço inútil, persistir no esforço até ao fim, e saber reconstruir uma orientação quando se verificou que ela era, ou se tornou, errada.
Existe o imperativo de guardar segredos, e o imperativo de que os conheceres. Como é que sabes que és uma pessoa, distinta das outras? Ao manter certas coisas para ti próprio.
Às vezes sinto em mim uma elevação de alma, o voo translúcido duma emoção em que pressinto um pouco do segredo da suprema e eterna beleza; esqueço a minha miserável condição humana, e sinto-me nobre e grande como um morto.
Passagem das Horas
Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.A entrada de Singapura, manhã subindo, cor verde,
O coral das Maldivas em passagem cálida,
Macau à uma hora da noite… Acordo de repente
Yat-iô–ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô … Ghi-…
E aquilo soa-me do fundo de uma outra realidade
A estatura norte-africana quase de Zanzibar ao sol
Dar-es-Salaam (a saída é difícil)…
Majunga, Nossi-Bé, verduras de Madagascar…
Tempestades em torno ao Guardaful…
E o Cabo da Boa Esperança nítido ao sol da madrugada…
E a Cidade do Cabo com a Montanha da Mesa ao fundo…Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei…
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos…
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu,
Voz Interior
(A João de Deus)
Embebido n’um sonho doloroso,
Que atravessam fantásticos clarões,
Tropeçando n’um povo de visões,
Se agita meu pensar tumultuoso…Com um bramir de mar tempestuoso
Que até aos céus arroja os seus cachões,
Através d’uma luz de exalações,
Rodeia-me o Universo monstruoso…Um ai sem termo, um trágico gemido
Ecoa sem cessar ao meu ouvido,
Com horrível, monótono vaivém…Só no meu coração, que sondo e meço,
Não sei que voz, que eu mesmo desconheço,
Em segredo protesta e afirma o Bem!
A cidade é um chão de palavras pisadas
A cidade é um chão de palavras pisadas
a palavra criança a palavra segredo.
A cidade é um céu de palavras paradas
a palavra distância e a palavra medo.A cidade é um saco um pulmão que respira
pela palavra água pela palavra brisa
A cidade é um poro um corpo que transpira
pela palavra sangue pela palavra ira.A cidade tem praças de palavras abertas
como estátuas mandadas apear.
A cidade tem ruas de palavras desertas
como jardins mandados arrancar.A palavra sarcasmo é uma rosa rubra.
A palavra silêncio é uma rosa chá.
Não há céu de palavras que a cidade não cubra
não há rua de sons que a palavra não corra
à procura da sombra de uma luz que não há.
O único segredo que as mulheres sabem guardar é aquele que ignoram.
A Razão não Basta
É esse o segredo da vida dotada de força. Apenas com a inteligência não se pode ser um ser moral, nem fazer política. A razão não basta, as coisas decisivas passam-se para além dela. Os homens que fizeram grandes coisas amaram sempre a música, a poesia, a forma, a disciplina, a religião e a nobreza. Iria mesmo ao ponto de afirmar que só as pessoas que assim procedem conhecem a felicidade! São esses os chamados imponderáveis que dão o cunho próprio ao senhor, ao homem; aquilo que ainda vibra na admiração do povo pelos actores é um resto incompreendido disso.
Lenta, Descansa a Onda que a Maré Deixa
Lenta, descansa a onda que a maré deixa.
Pesada cede. Tudo é sossegado.
Só o que é de homem se ouve.
Cresce a vinda da lua.Nesta hora, Lídia ou Neera ou Cloe,
Qualquer de vós me é estranha, que me inclino
Para o segredo dito
Pelo silêncio incerto.Tomo nas mãos, como caveira, ou chave
De supérfluo sepulcro, o meu destino,
E ignaro o aborreço
Sem coração que o sinta.
O segredo parece-me ser a única maneira de fazer da vida moderna algo de misterioso ou maravilhoso. A mais comum das coisas pode tornar-se deliciosa, basta dissimulá-la.