Passagens sobre Solidão

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Frases sobre solidão, poemas sobre solidão e outras passagens sobre solidão para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Os Amigos

no regresso encontrei aqueles
que haviam estendido o sedento corpo
sobre infindáveis areias

tinham os gestos lentos das feras amansadas
e o mar iluminava-lhes as máscaras
esculpidas pelo dedo errante da noite

prendiam sóis nos cabelos entrançados
lentamente
moldavam o rosto lívido como um osso
mas estavam vivos quando lhes toquei
depois
a solidão transformou-os de novo em dor
e nenhum quis pernoitar na respiração
do lume

ofereci-lhes mel e ensinei-os a escutar
a flor que murcha no estremecer da luz
levei-os comigo
até onde o perfume insensato de um poema
os transmudou em remota e resignada ausência

Em cada indivíduo, o aumento da inclinação para o isolamento e a solidão ocorrerá em conformidade com o seu valor intelectual.

Não Consigo Viver em Literatura

Por mais que o deseje, não consigo viver em literatura. Felizes os que o conseguem. Viver em literatura é suprimir toda a interferência do que lhe é exterior – desde o peso das pedradas ao das flores da ovação. Suprimir mesmo ou sobretudo a conversa sobre ela, desde a dos jornais à dos amigos. Fazer da literatura um meio enclausurado em que a respiremos até à intoxicação e nada dele transpire para a exterioridade. Viver a arte como uma mística, um transporte de inebriamento, uma iluminação da graça, uma inteira absorção como de um vício inconfessável. Vivê-la na intimidade de uma absoluta solidão em que toda a ameaça de público esteja ausente como numa ilha que a impossibilidade de comunicação tornasse de facto deserta. Os recém-casados isolam-se para defenderem dos outros a mínima parcela da paixão. A vida em arte devia ser uma viagem de núpcias sem retorno. Só então se conheceria tudo o que a arte é para nós e a inteira verdade com que nós somos para ela. Mas não. Há que viver uma vida dúplice entre o estar a sós com ela e o permanente convívio, nem que sejam uns breves instantes à porta com os indiferentes e os maledicentes e os curiosos e mesmo os admiradores de que se necessita na nossa inferioridade moral para nos confirmarem no bom resultado da aposta.

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A Liberdade da Auto-Suficiência

Quanto mais uma pessoa tem em si, tanto menos os outros podem ser alguma coisa para ela. Um certo sentimento de auto-suficiência é o que impede os indivíduos de riqueza e valor intrínseco de fazerem os sacrifícios importantes, exigidos pela vida em comum com os outros, para não falar em procurá-la às custas de uma considerável auto-abnegação. O oposto disso é o que torna os indivíduos comuns tão sociáveis e acomodáveis: para eles, é mais fácil suportar os outros do que eles mesmo. Acrescente-se a isso que aquilo que possui um valor real não é apreciado no mundo, e aquilo que é apreciado não tem valor. A prova e consequência disso estão no retraimento de todo o homem digno e distinto. Assim sendo, será genuína sabedoria de vida de quem possui algo de justo em si mesmo, se, em caso de necessidade, souber limitar as suas próprias carências, a fim de preservar ou ampliar a sua liberdade, isto é, se souber contentar-se com o menos possível para a sua pessoa nas relações inevitáveis com o universo humano.
Por outro lado, o que faz dos homens seres sociáveis é a sua incapacidade de suportar a solidão e, nesta, a si mesmos.

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A Voz do Silêncio

A pessoa que sou é única, limitada a um nascer e a um morrer, presente a si mesma e que só à sua face é verdadeira, é autêntica, decide em verdade a autenticidade de tudo quanto realizar. Assim a sua solidão, que persiste sempre talvez como pano de fundo em toda a comunicação, em toda a comunhão, não é ‘isolamento’. Porque o isolamento implica um corte com os outros; a solidão implica apenas que toda a voz que a exprima não é puramente uma voz da rua, mas uma voz que ressoa no silêncio final, uma voz que fala do mais fundo de si, que está certa entre os homens como em face do homem só. O isolamento corta com os homens: a solidão não corta com o homem. A voz da solidão difere da voz fácil da fraternidade fácil em ser mais profunda e em estar prevenida.

Agora que as Palavras Secaram

Agora que as palavras secaram
e se fez noite
entre nós dois,
agora que ambos sabemos
da irreversibilidade
do tempo perdido,
resta-nos este poema de amor e solidão.

No mais é o recalcitrar dos dias,
perseguindo-nos, impiedosos,
com relógios,
pessoas,
paredes demasiado cinzentas,
todas as coisas inevitavelmente
lógicas.

Que a nossa nem sequer foi uma história
diferente.
A originalidade estava toda na pólvora
dos obuses, no circunstanciado
afivelar
dos sorrisos à nossa volta
e no arcaísmo da viela onde fazíamos amor.

Como é que a Solidão Hei-de Ir Medindo?

Como é que a solidão hei-de ir medindo?
desse-me os golpes de uso inda esta dor
um a um sua nudez a sobrepor
que o ritmo sem nome a foi vestindo

mas sofro agora o tempo nu saindo
numa levada sem nenhum teor
gasto caudal do meu rio interior
nem chora o peito por mais gritos vindo

Quando é que é novo ano na amargura
quando volto a chegar-me à desventura
que me faz falta em ocos dias vis.

ah quando é que arde escura em cores febris
à testa do ano como a vi na altura
do agosto em chamas funda cicatriz?

Tradução de Vasco Graça Moura

Ninguém ignora que a poesia é uma solidão espantosa, uma maldição de nascença, uma doença da alma.

Mas o medo da loucura, Jeanne, só o medo da loucura nos levará a ultrapassar as fronteiras invioláveis da nossa solidão.

Escrito de Memória

Formado em direito e solidão,
às escuras te busco enquanto a chuva brilha.
É verdade que olhas, é verdade que dizes.
Que todos temos medo e água pura.

A que deuses te devo, se te devo,
que espanto é este, se há razão pra ele?
Como te busco, então, se estás aqui,
ou, se não estás, por te quero tida?
Quais olhos e qual noite?
Aquela
em que estiveste por me dizeres o nome.

Na Ampla Praça há apenas Plátanos

Na ampla praça há apenas plátanos.
Nem crianças a correm de tão fria,
nem estátuas a comovem bronzeadas.
Das margens secas, com ilhas e outras casas,
janelas, se as há, são quase setas.
O frio perfurou tábuas e latas.
Um vento seco corta junto aos olhos.

O espaço é recomposto agora mesmo: na praça
estou na sombra dos plátanos
e tudo vejo com vontade e amor.
Mas não chega a presença ou a vontade.
Outros não chegam, ou aparecem apressados.
Nomes se referem. Desenha-se um olhar.
Apenas gesto, memória, sombra rara.

Envolvo-me na praça. Os plátanos cobrem-me.
Das margens sempre vem algum calor.
Renascem os olhos. Os plátanos movem-se.
As casas iluminam-se. Um grito
cobre a sombra e assim anima
a ampla solidão de todos nós.

O Verme

Existe uma flor que encerra
Celeste orvalho e perfume.
Plantou-a em fecunda terra
Mão benéfica de um nume.

Um verme asqueroso e feio,
Gerado em lodo mortal,
Busca esta flor virginal
E vai dormir-lhe no seio.

Morde, sangra, rasga e mina,
Suga-lhe a vida e o alento;
A flor o cálix inclina;
As folhas, leva-as o vento,

Depois, nem resta o perfume
Nos ares da solidão…
Esta flor é o coração,
Aquele verme o ciúme.

Ter em si mesmo o bastante para não precisar da sociedade já é uma grande felicidade, porque quase todo o sofrimento provém justamente da sociedade, e a tranquilidade espiritual, que, depois da saúde, constitui o elemento mais essencial da nossa felicidade, é ameaçada por ela e, portanto, não pode subsistir sem uma dose significativa de solidão.