Caminho I
Tenho sonhos cruĂ©is; n’alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente…Saudades desta dor que em vĂŁo procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum vĂ©u escuro!…Porque a dor, esta falta d’harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o cĂ©u d’agora,Sem ela o coração Ă© quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque Ă© sĂł madrugada quando chora.
Sonetos sobre Céu
360 resultadosI – Ă Morte Do PrĂncipe D. Pedro
Pode o artista pintar a imagem morta
Da mulher, por quem dera a prĂłpria vida.
Ă esposa que a ventura vĂȘ perdida
Casto e saudoso beijo inda conforta.A imitar-lhe os exemplos nos exorta
O amigo na extrema despedida…
Mas dizer o que sente a alma partida
Do pai, a quem, oh Deus, tua espada corta.A flor de seu futuro, o filho amado;
Quem o pode, Senhor, se mesmo o Teu
SĂł morrendo livrou-nos do pecado,Se a terra Ă voz do GĂłlgota tremeu
E o sangue do Cordeiro Imaculado
Até o próprio céu enegreceu!
Prende o Teu Coração ao Meu
De noite, amada, prende o teu coração ao meu
e que no sono eles dissipem as trevas
como um duplo tambor combatendo no bosque
contra o espesso muro das folhas molhadas.Nocturna travessia, brasa negra do sono
interceptando o fio das uvas terrestres
com a pontualidade dum comboio desvairado
que sombra e pedras frias sem cessar arrastasse.Por isso, amor, prende-me ao movimento puro,
Ă tenacidade que em teu peito bate
com as asas dum cisne submerso,para que às perguntas estreladas do céu
responda o nosso sono com uma Ășnica chave,
com uma Ășnica porta fechada pela sombra.
Soneto Do Corifeu
SĂŁo demais os perigos desta vida
Para quem tem paixĂŁo, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida.E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma mĂșsica qualquer
AĂ entĂŁo Ă© preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher.Deve andar perto uma mulher que Ă© feita
De mĂșsica, luar e sentimento
E que a vida nĂŁo quer, de tĂŁo perfeita.Uma mulher que Ă© como a prĂłpria Lua:
TĂŁo linda que sĂł espalha sofrimento
TĂŁo cheia de pudor que vive nua.
Junto Dele
Que terrivel tragedia ver a gente,
No seu exiguo e doloroso leito,
Uma creança morta, um Inocente,
Um pequenino AmĂŽr inda perfeito!Oh que mimosa palidĂȘs tremente
A do gélido rÎsto contrafeito!
A as mĂŁosinhas de cĂȘra, docemente,
à dÎr, ó dÎr, cruzadas sobre o peito!à Deus cruel que matas as Creanças!
Auroras para o nosso coração,
Alegrias, alivios, esperanças!Não sei quem és; eu não te entendo, Deus!
E penso, com terror, na escuridĂŁo
Desse teu Reino tragico dos CĂ©us…
Soneto X
Quais no soberbo mar Ă nao, que cansa
Lidando c’os assaltos da onda e vento,
Os Ebålios irmãos do Etéreo assento
Lhe confirmam do porto a esperança,Tal vossa vista ao tempo, que se alcança
Desta, que nĂŁo tem mor contentamento,
No mar de meu cuidado e meu tormento
Mil esperanças cria de bonança.Comparação, conforme a causa, ufana,
Pois quando um me aparece, outro se esconde,
Como no Céu faz ua, e outra estrela.Iguais também no Amor, que em vós responde
Também no desamor da Irmã Troiana,
Que ambos vos conjurais em Ăłdio dela.
Os PorquĂȘs do Amor
Céu, porque tão convulso e consternado
Me bate, ao VĂȘ-la, o coração no peito?
Porque pasma entre os beiços congelado,
Indo a falar-lhe, o tĂmido conceito?Porque nas ĂĄureas ondas engolfado
Da caudalosa trança, inda que afeito,
Me naufraga o juĂzo embelezado,
E em ternura suavĂssima desfeito?Porque a luz dos seus olhos, tĂŁo activa,
Por lĂąnguida inda mais encantadora,
Me cega, e por a ver, ansioso, clamo?Porque da mĂŁo nevada sai tĂŁo viva
Chama, que me electriza e me devora?
Os mesmos meus porquĂȘs me dizem: – Amo!
XVII
Por estas noites frias e brumosas
Ă que melhor se pode amar, querida!
Nem uma estrela pĂĄlida, perdida
Entre a névoa, abre as pålpebras medrosasMas um perfume cålido de rosas
Corre a face da terra adormecida …
E a névoa cresce, e, em grupos repartida,
Enche os ares de sombras vaporosas:Sombras errantes, corpos nus, ardentes
Carnes lascivas … um rumor vibrante
De atritos longos e de beijos quentes …E os cĂ©us se estendem, palpitando, cheios
Da tépida brancura fulgurante
De um turbilhão de braços e de seios.
XXXV
Aquele, que enfermou de desgraçado,
NĂŁo espere encontrar ventura alguma:
Que o Céu ninguém consente, que presuma,
Que possa dominar seu duro fado.Por mais, que gire o espĂrito cansado
AtrĂĄs de algum prazer, por mais em suma,
Que porfie, trabalhe, e se consuma,
Mudança não verå do triste estado.Não basta algum valor, arte, ou engenho
A suspender o ardor, com que se move
A infausta roda do fatal despenho:E bem que o peito humano as forças prove,
Que hĂĄ de fazer o temerĂĄrio empenho,
Onde o raio é do Céu, a mão de Jove.
Anjo
Quando a fitar-te ainda o sol declina
E a cor dos teus cabelos no Ar flutua,
A tua alma na minha se insinua,
Teu vulto Ă© prece alando-se, divina!A nossa voz, esparsa em luz, fascina;
A nossa voz… perdoa, Amor, a tua!
Ergues o olhar: crece em silĂȘncio a lua,
Como uma flor, na tarde peregrina!E a tua graça, etéreo Abril jucundo,
BĂȘnção de Deus que tudo beija e alcança,
Sorri em flor na escuridĂŁo do Mundo…A luz do CĂ©u Ă© o teu olhar sem fim;
E, no silĂȘncio feito de esperança,
ouço o teu coração bater por mim!
A Meu Pai Morto
Madrugada de Treze de janeiro.
Rezo, sonhando, o ofĂcio da agonia.
Meu Pai nessa hora junto a mim morria
Sem um gemido, assim como um cordeiro!E eu nem lhe ouvi o alento derradeiro!
Quando acordei, cuidei que ele dormia,
E disse Ă minha MĂŁe que me dizia:
“Acorda-o”! deixa-o, MĂŁe, dormir primeiro!E saĂ para ver a Natureza!
Em tudo o mesmo abismo de beleza,
Nem uma nĂ©voa no estrelado vĂ©u…Mas pareceu-me, entre as estrelas flĂłreas,
Como Elias, num carro azul de glĂłrias,
Ver a alma de meu Pai subindo ao Céu!
Caminho Do SertĂŁo
A meu irmĂŁo JoĂŁo Cancio
Tão longe a casa! Nem sequer alcanço
VĂȘ-la atravĂ©s da mata. Nos caminhos
A sombra desce; e, sem achar descanso,
Vamos nĂłs dois, meu pobre irmĂŁo, sozinhos!Ă noite jĂĄ. Como em feliz remanso,
Dormem as aves nos pequenos ninhos…
Vamos mais devagar… de manso e manso,
Para não assustar os passarinhos.Brilham estrelas. Todo o céu parece
Rezar de joelhos a chorosa prece
Que a Noite ensina ao desespero e a dor…Ao longe, a Lua vem dourando a treva…
TurĂbulo imenso para Deus eleva
O incenso agreste da jurema em flor.
Ecos D’alma
Oh! madrugada de ilusĂ”es, santĂssima,
Sombra perdida lĂĄ do meu Passado,
Vinde entornar a clĂąmide purĂssima
Da luz que fulge no ideal sagrado!Longe das tristes noutes tumulares
Quem me dera viver entre quimeras,
Por entre o resplandor das Primaveras
Oh! madrugada azul dos meus sonhares;Mas quando vibrar a Ășltima balada
Da tarde e se calar a passarada
Na bruma sepulcral que o céu embaça,Quem me dera morrer então risonho,
Fitando a nebulosa do meu Sonho
E a Via-LĂĄctea da IlusĂŁo que passa!
Um Dia Guttemberg
Um dia Guttemberg c’o a alma aos cĂ©us suspensa,
Pegou do escopro ingente e pĂŽs-se a trabalhar!
E fez do velho mundo um rĂștilo alcançar
Ao mågico clangor de sua idéia imensa!Rolou por todo o globo a luz da sacra imprensa!
Ruiu o despotismo no pĂł, a esbravejar…
Uniram-se n’um lago, o cĂ©u, a terra, o mar…
Rasgou-se o manto atroz da horrĂvel treva densa!…Ergueram-se mil povos ao som das melopĂ©ias,
Das grandes cavatinas olĂmpicas da arte!
Raiou o novo sol das fĂșlgidas idĂ©ias!…PorĂ©m, quem lance luz maior por toda a parte
Ăs tu, sublime atriz, Ăł misto de epopĂ©ias
Que sabes no tablado subir, endeusar-te!…
Ceticismo
Desci um dia ao tenebroso abismo,
Onde a dĂșvida ergueu altar profano;
Cansado de lutar no mundo insano,
Fraco que sou, volvi ao ceticismo.Da Igreja – a Grande MĂŁe – o exorcismo
TerrĂvel me feriu, e entĂŁo sereno,
De joelhos aos pés do Nazareno
Baixo rezei, em fundo misticismo:– Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa!
Se esta dĂșvida cruel qual me magoa
Me torna Ănfimo, desgraçado rĂ©u.Ah, entre o medo que o meu Ser aterra,
NĂŁo sei se viva p’ra morrer na terra,
NĂŁo sei se morra p’ra viver no CĂ©u!
A Espera
Ela tarda… E eu me sinto inquieto, quando
julgo vĂȘ-la surgir, num vulto, adiante,
– os lĂĄbios frios, trĂȘmula e ofegante,
os seus olhos nos meus, linda, fitando…O cĂ©u desfaz-se em luar… Um vento brando
nas folhagens cicia, acariciante,
enquanto com o olhar terno de amante
fico Ă sombra da noite perscrutando…E ela nĂŁo vem…Aumenta-me a ansiedade:
– o segundo que passa e me tortura,
Ă© o segundo sem fim da eternidade…Mas eis que ela aparece de repente!…
– E eu feliz, chego a crer que igual ventura
bem valia esperar-se eternamente!…
Louvado Seja Amor em Meu Tormento
No tempo que de amor viver soĂa,
Nem sempre andava ao remo ferrolhado;
Antes agora livre, agora atado,
Em vĂĄrias flamas variamente ardia.Que ardesse n’um sĂł fogo nĂŁo queria
O Céu porque tivesse experimentado
Que nem mudar as causas ao cuidado
Mudança na ventura me faria.E se algum pouco tempo andava isento,
Foi como quem co’o peso descansou
Por tornar a cansar com mais alento.Louvado seja Amor em meu tormento,
Pois para passatempo seu tomou
Este meu tĂŁo cansado sofrimento!
Desejos VĂŁos
Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidĂŁo imensa!
Eu queria ser a Pedra que nĂŁo pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!Eu queria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que Ă© humilde e nĂŁo tem sorte!
Eu queria ser a ĂĄrvore tosca e densa
Que ri do mundo vĂŁo e atĂ© da morte!Mas o Mar tambĂ©m chora de tristeza…
As årvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lĂĄgrimas de sangue na agonia!
E as Pedras… essas… pisa-as toda a gente!…
Soneto do amor difĂcil
A praia abandonada recomeça
logo que o mar se vai, a desejĂĄ-lo:
Ă© como o nosso amor, somente embalo
enquanto nĂŁo Ă© mais que uma promessa…Mas se na praia a onda se espedaça,
hĂĄ logo nostalgia duma flor
que ali devia estar para compor
a vaga em seu rumor de fim de raça.Bruscos e doloridos, refulgimos
no silĂȘncio de morte que nos tolhe,
como entre o mar e a praia um longo molhe
de sĂșbito surgido Ă flor dos limos.E deste amor difĂcil sĂł nasceu
desencanto na curva do teu céu.
Supremo Anseio
Esta profunda e intérmina esperança
Na qual eu tenho o espĂrito seguro,
A tão profunda imensidade avança
Como é profunda a idéia do futuro.Abre-se em mim esse clarão, mais puro
Que o céu preclaro em matinal bonança:
Esse clarĂŁo, em que eu melhor fulguro,
Em que esta vida uma outra vida alcança.Sim! Inda espero que no fim da estrada
Desta existĂȘncia de ilusĂ”es cravada
Eu veja sempre refulgir bem pertoEsse clarĂŁo esplendoroso e louro
Do amor de mĂŁe — que Ă© como um fruto de ouro,
Da alma de um filho no eternal deserto.