Frieza
Os teus olhos são frios como espadas,
E claros como os trágicos punhais;
Têm brilhos cortantes de metais
E fulgores de lâminas geladas.Vejo neles imagens retratadas
De abandonos cruéis e desleais,
Fantásticos desejos irreais,
E todo o oiro e o sol das madrugadas!Mas não te invejo, Amor, essa indiferença,
Que viver neste mundo sem amar
É pior que ser cego de nascença!Tu invejas a dor que vive em mim!
E quanta vez dirás a soluçar:
“Ah! Quem me dera, Irmã, amar assim!…”
Sonetos Exclamativos
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Memórias do presente, e do passado
Fazem guerra cruel dentro em meu peito;
E bem que ao sofrimento ando já feito,
Mais que nunca desperta hoje o cuidado.Que diferente, que diverso estado
É este, em que somente o triste efeito
Da pena, a que meu mal me tem sujeito,
Me acompanha entre aflito, e magoado!Tristes lembranças! e que em vão componho
A memória da vossa sombra escura!
Que néscio em vós a ponderar me ponho!Ide-vos; que em tão mísera loucura
Todo o passado bem tenho por sonho;
Só é certa a presente desventura.
Ad Instar Delphini
Teus pés são voluptuosos: é por isso
Que andas com tanta graça, ó Cassiopéia!
De onde te vem tal chama e tal feitiço,
Que dás idéia ao corpo, e corpo à idéia?Camões, valie-me! Adamastor, Magriço,
Dai-me força, e tu, Vênus Citeréia,
Essa doçura, esse imortal derriço…
Quero também compor minha epopéia!não cantarei Helena e a antiga Tróia,
Nem as Missões e a nacional Lindóia,
Nem Deus, nem Diacho! Quero, oh por quem és,Flor ou mulher, chave do meu destino,
Quero cantar, como cantou Delfino,
As duas curvas de dois brancos pés.
Satã
Capro e revel, com os fabulosos cornos
Na fronte real de rei dos reis vetustos,
Com bizarros e lúbricos contornos,
Ei-lo Satã dentre os Satãs augustos.Por verdes e por báquicos adornos
Vai c’roado de pâmpanos venustos
O deus pagão dos Vinhos acres, mornos,
Deus triunfador dos triunfadores justos.Arcangélico e audaz, nos sóis radiantes,
A púrpura das glórias flamejantes,
Alarga as asas de relevos bravos…O Sonho agita-lhe a imortal cabeça…
E solta aos sóis e estranha e ondeada e espessa
Canta-lhe a juba dos cabelos flavos!
LXIX
Se à memória trouxeres algum dia,
Belíssima tirana, ídolo amado,
Os ternos ais, o pranto magoado,
Com que por ti de amor Alfeu gemia;Confunda-te a soberba tirania,
O ódio injusto, o violento desagrado,
Com que atrás de teu olhos arrastado
Teu ingrato rigor o conduzia.E já que enfim tão mísero o fizeste,
Vê-lo-ás, cruel, em prêmio de adorar-te,
Vê-lo-ás, cruel, morrer; que assim quiseste.Dirás, lisonjeando a dor em parte:
Fui-te ingrata, pastor; por mim morreste;
Triste remédio a quem não pode amar-te!
Decadência
Iguais às linhas perpendiculares
Caíram, como cruéis e hórridas hastas,
Nas suas 33 vértebras gastas
Quase todas as pedras tumulares!A frialdade dos círculos polares,
Em sucessivas atuações nefastas,
Penetrara-lhe os próprios neuroplastas,
Estragara-lhe os centros medulares!Como quem quebra o objeto mais querido
E começa a apanhar piedosamente
Todas as microscópicas partículas,Ele hoje vê que, após tudo perdido,
Só lhe restam agora o último dente
E a armação funerária das clavículas!
Incoerência ?
Achas-me indiferente… e até crês que há desdém
quando falo de amor em palavras singelas…
– pensas que as juras todas que já ouviste, aquelas
juras, a outras mulheres vou fazer também…Dizes que não te quero… E eu te pergunto: – a quem
devo tudo o que fiz, as poesias mais belas?
– outras dirão talvez que as fiz pensando nelas,
mas todas te pertencem mais do que a ninguém!Não vês que o que te cerca é a mentira da vida…
– nem sabes descobrir essa paixão imensa
que o meu orgulho torna egoísta e dolorida…Não vês que o meu viver é falso, – e se resume
em te amar como um louco em minha indiferença,
e fingir que amo as outras para teu ciúme!
Retrato da Beleza Nova e Pura
Retrato da beleza nova e pura
Que com divina mão, divino engenho,
Amor retratou na alma, onde vos tenho
Das injúrias do tempo mais segura,Não mostreis aspereza em tal brandura,
Por vos vingar de mim, vendo que venho
a tanta confiança, que detenho
Os olhos em tamanha formosura.O resplendor do Céu, sem dar mais pena
A quem olha seus raios em direito,
A vista só por breve espaço assombra,Mas vossa luz mais clara, mais serena,
Juntamente me cega, e abrasa o peito:
Vede o Sol que fará, de que sois sombra!
Grandeza Oculta
Estes vão para as guerras inclementes,
Os absurdos heróiis sanguinolentos,
Alvoroçados, tontos e sedentos
Do clamor e dos ecos estridentes.Aqueles para os frívolos e ardentes
Prazeres de acres inebriamentos:
Vinhos, mulheres, arrebatamentos
De luxúrias carnais, impenitentes.Mas Tu, que na alma a imensidade fechas,
Que abriste com teu Gênio fundas brechas
no mundo vil onde a maldade exulta,Ó delicado espírito de Lendas!
Fica nas tuas Graças estupendas,
No sentimento da grandeza oculta!
Das Terras A Pior Tu És, Ó Goa
Das terras a pior tu és, ó Goa,
Tu pareces mais ermo que cidade,
Mas alojas em ti maior vaidade
Que Londres, que Paris ou que Lisboa.A chusma de teus íncolas pregoa
Que excede o Grão Senhor na qualidade;
Tudo quer senhoria; o próprio frade
Alega, para tê-la, o jus da c’roa!De timbres prenhe estás; mas oiro e prata
Em cruzes, com que dantes te benzias,
Foge a teus infanções de bolsa chata.Oh que feliz e esplêndida serias,
Se algum fusco Merlim, que faz bagata,
Te alborcasse a pardaus as senhorias!
O Misantropo
A boca, às vezes, o louvor escapa
E o pranto aos olhos; mas louvor e pranto
Mentem: tapa o louvor a inveja, enquanto
O pranto a vesga hipocrisia tapa.Do louvor, com que espanto, sob a capa
Vejo tanta dobrez, ludíbrio tanto!
E o pranto em olhos vejo, com que espanto,
Que escarnecem dos mais, rindo à socapa!Porque, desde que esse ódio atroz me veio,
Só traições vejo em cada olhar venusto?
Perfídias só em cada humano seio?Acaso as almas poderei sem custo
Ver, perspícuo e melhor, só quando odeio?
E é preciso odiar para ser justo?!
Prodígio!
Como o Rei Lear não sentes a tormenta
Que te desaba na fatal cabeça!
(Que o céu d’estrelas todo resplandeça.)
A tua alma, na Dor, mais nobre aumenta.A Desventura mais sanguinolenta
Sobre os teus ombros impiedosa desça,
Seja a treva mais funda e mais espessa,
Todo o teu ser em músicas rebenta.Em músicas e em flores infinitas
De aromas e de formas esquisitas
E de um mistério singular, nevoento…Ah! só da Dor o alto farol supremo
Consegue iluminar, de extremo a extremo,
o estranho mar genial do Sentimento!
Os Doentes
Como uma cascavel que se enroscava
A cidade dos lázaros dormia…
Somente, na metrópole vazia,
Minha cabeça autônoma pensava!Mordia-me a obsessão má de que havia,
Sob os meus pés, na terra onde eu pisava,
Um fígado doente que sangrava
E uma garganta de órfã que gemia!Tentava compreender com as conceptivas
Funções do encéfalo as substâncias vivas
Que nem Spencer, nem Haeckei compreenderam…E via em mim, coberto de desgraças,
O resultado de biliões de raças
Que há muitos anos desapareceram!
Prece A Anchieta
Santo: erguesses a cruz na selva escura;
Herói: plantasses nossa velha aldeia;
Mestre: ensinasses a doutrina pura;
Poeta: escrevesses versos sobre a areia!Golpeia a cruz a foice inculta e dura;
Invade a vila multidão alheia;
Morre a voz santa entre a distância e a altura;
Apaga o poema a onda espumejante e cheia…Santo, herói, mestre e poeta: — Pela glória
que destes a esta Terra e a sua História,
Pela dor que sofremos sempre nós.Pelo bem que quisesses a este povo,
O novo Cristo deste Mundo Novo,
Padre José de Anchieta, orai por nós!
XCVIII
Destes penhascos fez a natureza
O berço, em que nasci! oh quem cuidara,
Que entre penhas tão duras se criara
Uma alma terna, um peito sem dureza!Amor, que vence os tigre por empresa
Tomou logo render-me; ele declara
Contra o meu coração guerra tão rara,
Que não me foi bastante a fortaleza.Por mais que eu mesmo conhecesse o dano,
A que dava ocasião minha brandura,
Nunca pude fugir ao cego engano:Vós, que ostentais a condição mais dura,
Temei, penhas, temei; que Amor tirano,
Onde há mais resistência, mais se apura.
IX
De outras sei que se mostram menos frias,
Amando menos do que amar pareces.
Usam todas de lágrimas e preces:
Tu de acerbas risadas e ironias.De modo tal minha atenção desvias,
Com tal perícia meu engano teces,
Que, se gelado o coração tivesses,
Certo, querida, mais ardor terias.Olho-te: cega ao meu olhar te fazes …
Falo-te – e com que fogo a voz levanto! –
Em vão… Finges-te surda às minhas frases…Surda: e nem ouves meu amargo pranto!
Cega: e nem vês a nova dor que trazes
À dor antiga que doía tanto!
A uma Mulher
Pra vós são estes versos, pla consoladora
Graça dos olhos onde chora e ri um sonho
Doce, pla vossa alma pura e sempre boa,
Versos do fundo desta aflição opressora.Porque, ai! o pesadelo hediondo que me assombra
Não dá tréguas e, louco, furioso, ciumento,
Multiplica-se como um cortejo de lobos
E enforca-se com o meu destino que ensanguenta!Ah! sofro horrivelmente, ao ponto de o gemido
Desse primeiro homem expulso do Paraíso
Não passar de uma écloga à vista do meu!E os cuidados que vós podeis ter são apenas
Andorinhas voando à tarde pelo céu
— Querida — num belo dia de um Setembro ameno.Tradução de Fernando Pinto do Amaral
Soneto
A Moreira de Vasconcelos
Na luta dos impossíveis,
do espirito e da matéria,
tu és a águia sidérea
dos pensamentos terríveis!
(Do Autor)É um pensar flamejador, dardânico
Uma explosão de rápidas idéias,
Que como um mar de estranhas odisséias
Saem-lhe do crânio escultural, titânico!…Parece haver um cataclismo enorme
Lá dentro, em ânsia, a rebentar, fremente!…
Parece haver a convulsão potente,
Dos rubros astros num fragor disforme!…Hão de ruir na transfusão dos mundos
Os monumentos colossais profundos,
As cousas vãs da brasileira história!Mas o seu vulto, sobre a luz alçado,
Oh! há de erguer-se de arrebóis c’roado,
Como Atalaia nos umbrais da glória!!…
Manhã
A manhã nasce das muitas janelas
deste sereno corpo fatigado,
sede dos meus caminhos sem cancelas,
na luz de muitos astros albergados.Casa em que me recolho das mazelas,
dos louros, derroteiros, lado a lado,
para de mim ouvir franca seqüela:
Ecce Homo! Eis o triste camuflado.Essa tristeza antiga em residência,
às vezes se constrói em face alegre,
máscara sem eu mesmo em aparêncianum carnaval insólito em seu frege.
O que me salva a cor nessa vivência
é saber que a poesia é quem me rege.
Miserável
A Carvalho Junior.
O noivo, como noivo, é repugnante:
Materialão, estúpido, chorudo,
Arrotando, a propósito de tudo,
O ser comendador e negociante.Tem a viuvinha, a noiva interessante,
Todo o arsenal de um poeta guedelhudo:
Alabastro, marfim, coral, veludo,
Azeviche, safira e tutti quanti.Da misteriosa alcova a porta geme,
O noivo dorme n’um lençol envolto…
Entra a viuvinha, a noiva… Oh, céu, contem-me!Ela deita-se… espera… Qual! Revolto,
O leito estala… Ela suspira… freme…,
E o miserável dorme a sono solto!…