Sonetos sobre Primeiros

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Sonetos de primeiros escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Soneto

Ao meu primeiro filho nascido morto com 7 meses incompletos 2 fevereiro 1911.

Agregado infeliz de sangue e cal,
Fruto rubro de carne agonizante,
Filho da grande força fecundante
De minha brônzea trama neuronial,

Que poder embriológico fatal
Destruiu, com a sinergia de um gigante,
Em tua morfogênese de infante
A minha morfogênese ancestral?!

Porção de minha plásmica substância,
Em que logar irás passar a infância,
Tragicamente anônimo, a feder?!…

Ah! Possas tu dormir feto esquecido,
Panteisticamente dissolvido
Na noumenalidade do NÃO SER!

Aqui, Onde O Talento Verdadeiro

Aqui, onde o talento verdadeiro
Não nega o povo o merecido preito;
Aqui onde no público respeito
Se conquista o brasão mais lisonjeiro.

Aqui onde o gênio sobranceiro
E, de torpes calúnias, ao efeito,
Jesuína, dos zoilos a despeito,
És tu que ocupas o lugar primeiro!

Repara como o povo te festeja…
Vê como em teu favor se manifesta,
Mau grado a mão, que, oculta, te apedreja!

Fazes bem desprezar quem te molesta;
Ser indif’rente ao regougar da inveja,
“Das almas grandes a nobreza é esta.”

Post Coitum Animal Triste

Em ti o poema, o amplo tecido da água ou a forma
do segredo. Outrora conheceste a margem abandonada
do desejo, a sua extensão e principias a entregar
os vasos alongados para receberes as mãos das chuvas.

Apagaram-se junto dos teus olhos as praias, as árvores
que se ergueram um dia sobre as estradas romanas,
o vestígio dos últimos peregrinos, aves nuas
que já desceram, cansadas, pelo interior do teu peito.

Uma voz, no silêncio calmo das águas, esquece
a mentira das primeiras colheitas, onde os nossos gestos
perderam os sorrisos ou o orvalho que os cerca.

Serenamente, começaram a fechar-se os sonhos de Deus
no interior de novos frutos e, abandonado, fico
junto do teu corpo, onde principia a sombra deste poema.

Três Rosas

Sempre, mas sobretudo nas brumosas
Horas da tarde, quando acaba o dia,
Quando se estrela o céu, tenho a mania
De descobrir, de ver almas nas cousas.

Pendem deste gomil três lindas rosas;
Uma é rosada, a outra branca e fria,
Rubra a terceira; e a minha fantasia
Torna-as humanas, vivas, amorosas.

Sei que são rosas, rosas só! mas nada
Impede, enquanto cai lá fora a chuva,
Que a minha mente a fantasiar se ponha:

Por ser noiva a primeira, é que é rosada;
Branca a segunda está, por ser viúva;
A vermelha pecou … e tem vergonha!

Portugal, Tão Diferente de seu Ser Primeiro

Os reinos e os impérios poderosos,
Que em grandeza no mundo mais cresceram,
Ou por valor de esforço floresceram,
Ou por varões nas letras espantosos.

Teve Grécia Temístocles; famosos,
Os Cipiões a Roma engrandeceram;
Doze Pares a França glória deram;
Cides a Espanha, e Laras belicosos.

Ao nosso Portugal, que agora vemos
Tão diferente de seu ser primeiro,
Os vossos deram honra e liberdade.

E em vós, grão sucessor e novo herdeiro
Do Braganção estado, há mil extremos
Iguais ao sangue e mores que a idade.

Benedicite

Bendito o que na terra o fogo fez, e o teto
E o que uniu à charrua o boi paciente e amigo;
E o que encontrou a enxada; e o que do chão abjeto,
Fez aos beijos do sol, o oiro brotar, do trigo;

E o que o ferro forjou; e o piedoso arquiteto
Que ideou, depois do berço e do lar, o jazigo;
E o que os fios urdiu e o que achou o alfabeto;
E o que deu uma esmola ao primeiro mendigo;

E o que soltou ao mar a quilha, e ao vento o pano,
E o que inventou o canto e o que criou a lira,
E o que domou o raio e o que alçou o aeroplano…

Mas bendito entre os mais o que no dó profundo,
Descobriu a Esperança, a divina mentira,
Dando ao homem o dom de suportar o mundo!

Manhã No Campo

A Maria Nunes

Estendo os olhos pelo prado a fora:
Verdura e flores é o que a vista alcança…
– Bendito oásis onde o olhar descansa
Quando saudades do passado chora. –

Escuto ao longe uma canção sonora.
Voz de mulher ou, antes, de criança
Entoa o hino branco da Esperança,
Hino das aves ao nascer da Aurora.
Por toda parte risos e fulgores
E a Natureza desabrochando em flores,
Iluminada pelo Sol risonho,

Recorda um’alma diluída em prece,
Um coração feliz que inda estremece
À luz sagrada do primeiro sonho!

Ditosa Ave

Quem fosse acompanhando juntamente
Por esses verdes campos a avezinha,
Que despois de perder um bem que tinha,
Não sabe mais que cousa é ser contente!

E quem fosse apartando-se da gente,
Ela por companheira e por vizinha,
Me ajudasse a chorar a pena minha,
E eu a ela também a que ela sente!

Ditosa ave! que ao menos, se a natura
A seu primeiro bem não dá segundo,
Dá-lhe o ser triste a seu contentamento.

Mas triste quem de longe quis ventura
Que para respirar lhe falte o vento,
E para tudo, enfim, lhe falte o mundo!

A Alma Dos Vinte Anos

A alma dos meus vinte anos noutro dia
Senti volver-me ao peito, e pondo fora
A outra, a enferma, que lá dentro mora,
Ria em meus lábios, em meus olhos ria.

Achava-me ao teu lado então, Luzia,
E da idade que tens na mesma aurora;
A tudo o que já fui, tornava agora,
Tudo o que ora não sou, me renascia.

Ressenti da paixão primeira e ardente
A febre, ressurgiu-me o amor antigo
Com os seus desvarios e com os seus enganos…

Mas ah! quando te foste, novamente
A alma de hoje tornou a ser comigo,
E foi contigo a alma dos meus vinte anos.

Tomou-me vossa vista soberana

Tomou-me vossa vista soberana
Aonde tinha as armas mais à mão,
Por mostrar que quem busca defensão
Contra esses belos olhos, que se engana.

Por ficar da vitória mais ufana,
Deixou-me armar primeiro da razão;
Cuidei de me salvar, mas foi em vão,
Que contra o Céu não vale defensa humana.

Mas porém, se vos tinha prometido
O vosso alto destino esta vitória,
Ser-vos tudo bem pouco está sabido.

Que posto que estivesse apercebido,
Não levais de vencer-me grande glória;
Maior a levo eu de ser vencido.

Natal

às moças da Serra

É meia noite … O sino alvissareiro,
Lá da igrejinha branca pendurado,
Como n’um sonho místico e fagueiro,
Vem relembrar o tempo do passado.

Ó velho sino, ó bronze abençoado,
Na alegria e na mágoa companheiro!
Tu me recordas o sorrir primeiro
De menino Jesus imaculado.

E enquanto escuto a tua voz dolente,
Meu ser que geme dolorosamente
Da desventura, aos gélidos açoites …

Bebe em teus sons tanta alegria, tanta!
Sino que lembras uma noite santa,
Noite bendita mais que as outras noites!

Salve! Rainha!

Ó sempre virgem Maria, concebida
sem pecado original, desde o
primeiro instante do teu ser…

Mãe de Misericórdia, sem pecado
Original, desde o primeiro instante!
Salve! Rainha da Mansão radiante,
Virgem do Firmamento constelado…

Teu coração de espadas lacerado,
Sangrando sangue e fel martirizante,
Escute a minha Dor, a torturante,
A Dor do meu soluço eternizado.

A minha Dor, a minha Dor suprema,
A Dor estranha que me prende, algema
Neste Vale de lágrimas profundo…

Salve! Rainha! por quem brado e clamo
E brado e brado e com angústia chamo,
Chamo, através das convulsões do mundo!…

A Castidade com que Abria as Coxas

A castidade com que abria as coxas
e reluzia a sua flora brava.
Na mansuetude das ovelhas mochas,
e tão estrita, como se alargava.

Ah, coito, coito, morte de tão vida,
sepultura na grama, sem dizeres.
Em minha ardente substância esvaída,
eu não era ninguém e era mil seres

em mim ressuscitados. Era Adão,
primeiro gesto nu ante a primeira
negritude de corpo feminino.

Roupa e tempo jaziam pelo chão.
E nem restava mais o mundo, à beira
dessa moita orvalhada, nem destino.

Quarenta Anos

Sim! como um dia de verão, de acesa
Luz, de acesos e cálidos fulgores,
Como os sorrisos da estação das flores,
Foi passando também tua beleza.

Hoje, das garras da descrença presa,
Perdes as ilusões. Vão-se-te as cores
Da face. E entram-te n’alma os dissabores,
Nublam-te o olhar as sombras da tristeza.

Expira a primavera, O sol fulgura
Com o brilho extremo. . . E aí vêm as noites frias,
Aí vem o inverno da velhice escura…

Ah! pudesse eu fazer, novo Ezequias,
Que o sol poente dessa formosura
Volvesse à aurora dos primeiros dias!