Sonetos sobre Ventura

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Sonetos de ventura escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Cara Minha Inimiga

Cara minha inimiga, em cuja mão
Pôs meus contentamentos a ventura,
Faltou-te a ti na terra sepultura,
Por que me falte a mim consolação.

Eternamente as águas lograrão
A tua peregrina formosura:
Mas enquanto me a mim a vida dura,
Sempre viva em minha alma te acharão.

E, se meus rudos versos podem tanto,
Que possam prometer-te longa história
Daquele amor tão puro e verdadeiro,

Celebrada serás sempre em meu canto:
Porque, enquanto no mundo houver memória,
Será a minha escritura o teu letreiro.

Hino À Dor

Dor, saúde dos seres que se fanam,
Riqueza da alma, psíquico tesouro,
Alegria das glândulas do choro
De onde todas as lágrimas emanam..

És suprema! Os meus átomos se ufanam
De pertencer-te, oh! Dor, ancoradouro
Dos desgraçados, sol do cérebro, ouro
De que as próprias desgraças se engalanam!

Sou teu amante! Ardo em teu corpo abstrato.
Com os corpúsculos mágicos do tacto
Prendo a orquestra de chamas que executas…

E, assim, sem convulsão que me alvorece,
Minha maior ventura é estar de posse
De tuas claridades absolutas!

Linda Inês

Choram ainda a tua morte escura
Aquelas que chorando a memoraram;
As lágrimas choradas não secaram
Nos saudosos campos da ternura.

Santa entre as santas pela má ventura,
Rainha, mais que todas que reinaram;
Amada, os teus amores não passaram
E és sempre bela e viva e loira e pura.

Ó Linda, sonha aí, posta em sossêgo
No teu muymento de alva pedra fina,
Como outrora na Fonte do Mondego.

Dorme, sombra de graça e de saudade,
Colo de Garça, amor, moça menina,
Bem-amada por toda a eternidade!

Never More – II

Ah! se eu pudesse nunca ver teu rosto!
E nem sequer o som de tua fala
Ouvir de manso à hora do Sol posto
Quando a Tristeza já do Céu resvala!

Talvez assim o fúnebre desgosto
Que eternamente a alma me avassala
Se transformasse n’um luar de Agosto,
Sonho perene que a Ventura embala.

Talvez o riso me voltasse à boca
E se extinguisse essa amargura louca
De tanta dor que a minha vida junca…

E, então, os dias de prazer voltassem
E nunca mais os olhos meus chorassem…
Ah! se eu pudesse nunca ver-te, nunca!

Lirial

Por que choras assim, tristonho lírio,
Se eu sou o orvalho eterno que te chora,
P’ra que pendes o cálice que enflora
Teu seio branco do palor do círio?!

Baixa a mim, irmã pálida da Aurora,
Estrela esmaecida do Martírio;
Envolto da tristeza no delírio,
Deixa beijar-te a face que descora!

Fosses antes a rosa purpurina
E eu beijaria a pétala divina
Da rosa, onde não pousa a desventura.

Ai! que ao menos talvez na vida escassa
Não chorasses à sombra da desgraça,
Para eu sorrir à sombra da ventura!

Lágrimas

A meu irmão João Câncio

Eu não sei o que tenho… Essa tristeza
Que um sorriso de amor nem mesmo aclara,
Parece vir de alguma fonte amara
Ou de um rio de dor na correnteza.
Minh’alma triste na agonia presa,
Não compreende esta ventura clara,
Essa harmonia maviosa e rara
Que ouve cantar além, pela devesa.

Eu não sei o que tenho… Esse martírio,
Essa saudade roxa como um lírio,
Pranto sem fim que dos meus olhos corre,

Ai, deve ser o trágico tormento,
O estertor prolongado, lento, lento,
Do último adeus de um coração que morre…

Arrependimento

Deste amor torturado e sem ventura
Resta-me o alívio do arrependimento.
O pouco que me deste de ternura
Não vale o que te dei de encantamento.

Abri para o teu sonho o firmamento,
Semeei de estrelas tua noite escura.
Dei-te alma, exaltação e sentimento.
Fiz de um bloco de pedra uma criatura.

Hoje, ambos à mercê de sorte avessa,
Se para te esquecer luto e me esforço,
Manda-me o coração que não te esqueça.

Padecemos idêntico suplício:
Tu – corroída de pena e de remorso,
Eu – com vergonha do meu sacrifício.

O Apaixonado

Luas, marfins, instrumentos e rosas,
Traços de Dúrer, lampiões austeros,
Nove algarismos e o cambiante zero,
Devo fingir que existem essas coisas.

Fingir que no passado aconteceram
Persépolis e Roma e que uma areia
Subtil mediu a sorte dessa ameia
Que os séculos de ferro desfizeram.

Devo fingir as armas e a pira
Da epopeia e os pesados mares
Que corroem da terra os vãos pilares.

Devo fingir que há outros. É mentira.
Só tu existes. Minha desventura,
Minha ventura, inesgotável, pura.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

A Vida

“A Vida”
IV
“…A vida é assim, uma ânsia… feito a vaga
que se ergue e rola a espumejar na areia,
– apor esse bem que a tua mão semeia
espera o mal que ainda terás por paga!

A essa hora boa que te agrada e enleia
sucede uma outra torturante e aziaga,
– a vida é assim… um canto de sereia
que à morte nos convida, e nos afaga…

O teu sonho melhor bem pouco dura,
e há sempre”um amanhã”cheio de dor
para”um hoje”nem sempre de ventura…

Toma entre as mãos o búzio da alegria
e surpreso verás que no interior
canta profunda e imensa nostalgia!…”

XXIII

Tu sonora corrente, fonte pura,
Testemunha fiel da minha pena,
Sabe, que a sempre dura, e ingrata
Almena Contra o meu rendimento se conjura:

Aqui me manda estar nesta espessura,
Ouvindo a triste voz da filomena,
E bem que este martírio hoje me ordena,
Jamais espero ter melhor ventura.

Veio a dar me somente uma esperança
Nova idéia do ódio; pois sabia,
Que o rigor não me assusta, nem me cansa:

Vendo a tanto crescer minha porfia,
Quis mudar de tormento; e por vingança
Foi buscar no favor a tirania.

Ser Doido-Alegre, que Maior Ventura!

Ser doido-alegre, que maior ventura!
Morrer vivendo p’ra além da verdade.
É tão feliz quem goza tal loucura
Que nem na morte crê, que felicidade!

Encara, rindo, a vida que o tortura,
Sem ver na esmola, a falsa caridade,
Que bem no fundo é só vaidade pura,
Se acaso houver pureza na vaidade.

Já que não tenho, tal como preciso,
A felicidade que esse doido tem
De ver no purgatório um paraíso…

Direi, ao contemplar o seu sorriso,
Ai quem me dera ser doido também
P’ra suportar melhor quem tem juízo.

Tudo O Que É Puro, Santo E Resplendente

Tudo o que é puro, santo e resplendente,
N’este mundo cruel de desenganos,
Toda a ventura dos primeiros anos
N’um’alma que desabrocha sorridente;

Tudo o que ainda vemos de potente
Na vastidão sem fim dos oceanos,
E da terra nos prantos soberanos
Trazidos pela aurora refulgente;

Tudo o que desce do infinito ousado:
O sol, a brisa, o orvalho prateado,
A luz do amor, do bem, das esperanças;

Tudo, afinal, que vem do Céu dourado
A despertar o coração magoado,
– Deus encerrou nos olhos das crianças!

Errante

Meu coração da cor dos rubros vinhos
Rasga a mortalha do meu peito brando
E vai fugindo, e tonto vai andando
A perder-se nas brumas dos caminhos.

Meu coração o místico profeta,
O paladino audaz da desventura,
Que sonha ser um santo e um poeta,
Vai procurar o Paço da Ventura…

Meu coração não chega lá decerto…
Não conhece o caminho nem o trilho,
Nem há memória desse sítio incerto…

Eu tecerei uns sonhos irreais…
Como essa mãe que viu partir o filho,
Como esse filho que não voltou mais!

Havendo Escapado de uma Grande Doença

Foi tão cruel, tão duramente forte
A que passei tormenta repetida,
Que não fazendo já conta da vida,
Só chegava a fazer caso da morte.

Mas lastimada de meu mal a sorte,
Quando já me notava na partida,
Propícia e favorável me convida
Com porto alegre, com seguro norte.

Altiva torre fabriquei no vento,
Mas a esperança, vã que nela tive
O vento ma levou que sempre corre.

Do mundo o céu nos dê conhecimento,
Que a desgraça é morrer como quem vive,
E a ventura é viver como quem morre.

Ironia De Lágrimas

Junto da Morte é que floresce a Vida!
Andamos rindo junto à sepultura.
A boca aberta, escancarada, escura
Da cova é como flor apodrecida.

A Morte lembra a estranha Margarida
Do nosso corpo, Fausto sem ventura…
Ela anda em torno a toda a criatura
Numa dança macabra indefinida.

Vem revestida em suas negras sedas
E a marteladas lúgubrees e tredas
Das ilusões o eterno esquife prega.

E adeus caminhos vãos, mundos risonhos,
Lá vem a loba que devora os sonhos,
Faminta, absconsa, imponderada, cega!

I – À Morte Do Príncipe D. Pedro

Pode o artista pintar a imagem morta
Da mulher, por quem dera a própria vida.
À esposa que a ventura vê perdida
Casto e saudoso beijo inda conforta.

A imitar-lhe os exemplos nos exorta
O amigo na extrema despedida…
Mas dizer o que sente a alma partida
Do pai, a quem, oh Deus, tua espada corta.

A flor de seu futuro, o filho amado;
Quem o pode, Senhor, se mesmo o Teu
Só morrendo livrou-nos do pecado,

Se a terra à voz do Gólgota tremeu
E o sangue do Cordeiro Imaculado
Até o próprio céu enegreceu!

Fiei-me nos Sorrisos da Ventura

Fiei-me nos sorrisos da ventura,
Em mimos feminis, como fui louco!
Vi raiar o prazer; porém tão pouco
Momentâneo relâmpago não dura:

No meio agora desta selva escura,
Dentro deste penedo húmido e ouco,
Pareço, até no tom lúgubre, e rouco
Triste sombra a carpir na sepultura:

Que estância para mim tão própria é esta!
Causais-me um doce, e fúnebre transporte,
Áridos matos, lôbrega floresta!

Ah! não me roubou tudo a negra sorte:
Inda tenho este abrigo, inda me resta
O pranto, a queixa, a solidão e a morte.

XXXV

Aquele, que enfermou de desgraçado,
Não espere encontrar ventura alguma:
Que o Céu ninguém consente, que presuma,
Que possa dominar seu duro fado.

Por mais, que gire o espírito cansado
Atrás de algum prazer, por mais em suma,
Que porfie, trabalhe, e se consuma,
Mudança não verá do triste estado.

Não basta algum valor, arte, ou engenho
A suspender o ardor, com que se move
A infausta roda do fatal despenho:

E bem que o peito humano as forças prove,
Que há de fazer o temerário empenho,
Onde o raio é do Céu, a mão de Jove.

Penetrália

Falei tanto de amor!… de galanteio,
Vaidade e brinco, passatempo e graça,
Ou desejo fugaz, que brilha e passa
No relâmpago breve com que veio…

O verdadeiro amor, honra e desgraça,
Gozo ou suplício, no íntimo fechei-o:
Nunca o entreguei ao público recreio,
Nunca o expus indiscreto ao sol da praça.

Não proclamei os nomes, que baixinho,
Rezava… E ainda hoje, tímido, mergulho
Em funda sombra o meu melhor carinho.

Quando amo, amo e deliro sem barulho;
E quando sofro, calo-me, e definho
Na ventura infeliz do meu orgulho.

Porque Descrês, Mulher, do Amor, da Vida?

Porque descrês, mulher, do amor, da vida?
Porque esse Hermon transformas em Calvario?
Porque deixas que, aos poucos, do sudario
Te aperte o seio a dobra humedecida?

Que visão te fugio, que assim perdida
Buscas em vão n’este ermo solitario?
Que signo obscuro de cruel fadario
Te faz trazer a fronte ao chão pendida?

Nenhum! intacto o bem em ti assiste:
Deus, em penhor, te deu a formosura;
Bençãos te manda o céo em cada hora.

E descrês do viver?… E eu, pobre e triste,
Que só no teu olhar leio a ventura,
Se tu descrês, em que hei-de eu crer agora?