Textos sobre Árvores

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Textos de árvores escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

As Tuas Lágrimas

As tuas lágrimas respiram e florescem, o lugar onde te sentas é o rio que corre em sobressalto por dentro de uma árvore, seiva renovada que transporta palavras até às folhas felizes de~um amor demorado e ainda puro. E essa ávore fala através das tuas palavras, demora-se em conversas com as abelhas, com os gaios, com o vento.
As tuas lágrimas iluminam as páginas alucinadas dos livros de poesia, e as mesas claras tão cheias de frutos que se assemelham a fogueiras ruivas, alimento privilegiado de um imenso e intenso dragão que me aquece o sangue.
As tuas lágrimas transbordam os grandes lagos dos meus olhos e eu choro contigo os grandes peixes da ternura, esses mesmos peixes que são os arquitectos perturbados de uma relação sem tempo mas alimentada por primaveras que de tão altas são inquestionáveis.
As tuas lágrimas fertilizam as searas celestes, arrefecem o movimento dos vulcões, absorvem toda a beleza do arco-íris, embebedam-se com a doçura das estrelas. E são oferendas à mãe terra, o reconhecimento final do princípio do nosso pequeno mundo. As tuas lágrimas são minhas amigas. São as minhas lágrimas. A forma de chorar-te cheio de alegria, ferido por esta felicidade de amar-te muito,

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Não se Reconquista o Amor com Argumentos

Não te esqueças de que a tua frase é um acto. Se desejas levar-me a agir, não pegues em argumentos. Julgas que me deixarei determinar por argumentos? Não me seria difícil opor, aos teus, melhores argumentos.
Já viste a mulher repudiada reconquistar-te através de um processo em que ela prova que tem razão? O processo irrita. Ela nem sequer será capaz de te recuperar mostrando-te tal como tu a amavas, porque essa já tu a não amas. Olha aquela infeliz que, nas vésperas do divórcio, teve a ideia de cantar a mesma canção triste que cantava quando noiva. Essa canção triste ainda tornou o homem mais furioso.
Talvez ela o recuperasse se o conseguisse despertar tal como ele era quando a amava. Mas para isso precisaria de um génio criador, porque teria de carregar o homem de qualquer coisa, da mesma maneira que eu o carrego de uma inclinação para o mar que fará dele construtor de navios. Só assim cresceria essa árvore que depois se iria diversificando. E ele havia de pedir de novo a canção triste.
Para fundar o amor por mim, faço nascer em ti alguém que é para mim. Não te confessarei o meu sofrimento,

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Escuta, Amor

Quando damos as mãos, somos um barco feito de oceano, a agitar-se sobre as ondas, mas ancorado ao oceano pelo próprio oceano. Pode estar toda a espécie de tempo, o céu pode estar limpo, verão e vozes de crianças, o céu pode segurar nuvens e chumbo, nevoeiro ou madrugada, pode ser de noite, mas, sempre que damos as mãos, transformamo-nos na mesma matéria do mundo. Se preferires uma imagem da terra, somos árvores velhas, os ramos a crescerem muito lentamente, a madeira viva, a seiva. Para as árvores, a terra faz todo o sentido. De certeza que as árvores acreditam que são feitas de terra.

Por isto e por mais do que isto, tu estás aí e eu, aqui, também estou aí. Existimos no mesmo sítio sem esforço. Aquilo que somos mistura-se. Os nossos corpos só podem ser vistos pelos nossos olhos. Os outros olham para os nossos corpos com a mesma falta de verdade com que os espelhos nos reflectem. Tu és aquilo que sei sobre a ternura. Tu és tudo aquilo que sei. Mesmo quando não estavas lá, mesmo quando eu não estava lá, aprendíamos o suficiente para o instante em que nos encontrámos.

Aquilo que existe dentro de mim e dentro de ti,

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A Necessidade do Mal

Examinai a vida dos homens e dos povos melhores e mais fecundos, e perguntai se uma árvore que deve elevar-se altivamente nos ares pode dispensar o mau tempo e as tempestades; se a hostilidade do exterior, as resistências exteriores, todas as espécies de ódio de inveja, de teimosia, de desconfiança, de dureza, de avidez e de violência não fazem parte das circunstâncias favoráveis sem as quais nada, nem sequer a virtude, poderia crescer grandemente? O veneno que mata as naturezas fracas é um fortificante para as fortes; … e por isso não lhe chamam veneno.

Como uma árvore, que embora derrubada, continua a crescer enquanto as suas raízes estiverem sãs e firmes, assim também continuará a sofrer mais e mais o homem que não tenha extirpado a sua cobiça.

A Motivação do Ser Humano

Desde o pecado original fomos essencialmente iguais para conhecer o bem e o mal; no entanto, é exactamente neste ponto que buscamos as nossas vantagens particulares. Mas é só além desse conhecimento que começam as verdadeiras diferenças. A aparência recíproca é provocada pelo seguinte: ninguém consegue contentar-se apenas com o conhecimento, mas tem de lutar para agir de acordo com ele. Contudo, não lhe foi atribuída a força para fazer isso; em consequência, ele tem de se destruir, mesmo correndo o risco de não adquirir com isso o poder necessário, mas não lhe resta nada senão essa última tentativa. (É este também o sentido da ameaça de morte associada à proibição de comer da árvore do conhecimento; talvez também o sentido original da morte natural). Ora, ele tem uma tentativa; prefere revogar o conhecimento do bem e do mal; (a expressão «pecado original» tem origem nesse medo) mas o que aconteceu não pode ser suprimido, apenas turvado. É com esse objectivo que as motivações vêm à tona; com efeito, todo o mundo visível talvez não seja outra coisa senão uma motivação do ser humano para a sua vontade de descansar um momento. Uma tentativa de falsear o facto do conhecimento,

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A Melhor Companhia

Considero saudável estar só na maior parte do tempo. Estar acompanhado, mesmo pelos melhores, cedo se torna enfadonho e dispersivo. Adoro estar só. Nunca encontrei um companheiro tão sociável como a solidão. Estamos geralmente mais sós quando viajamos com outros homens do que quando permanecemos nos nossos aposentos. Um homem quando pensa ou trabalha está sempre só, deixai-o pois estar onde ele deseja. A solidão não é medida pelas milhas de espaço que separam um homem e os seus congéneres.
O estudante verdadeiramente diligente de um dos enxames da Universidade de Cambridge está tão solitário como um derviche no deserto. O agricultor pode trabalhar sozinho no campo ou nos bosques durante todo o dia, mondando ou podando, e não se sentir solitário porque está ocupado; mas quando chega a casa, à noite, não consegue sentar-se numa sala sozinho, à mercê dos seus pensamentos. Tem que ir onde possa «estar com as pessoas», distrair-se e ser compensado pela solidão do seu dia; e, assim, interroga-se como pode o estudante estar só em casa durante toda a noite e grande parte do dia sem se aborrecer ou sentir-se deprimido. Mas ele não entende que o estudante, se bem que em casa,

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Somos uma Turba e Ninguém

Somos uma turba e ninguém: um ninguém que vive, porque é sangue e carne, e existe porque é esqueleto ou pedra; e uma turba da espectros que nos acompanha desde a Origem, e é a nossa mesma pessoa multiplicada em mil tendências incoerentes, forças contraditórias, em vários sentidos ignotos… E lá vamos, a tactear as trevas, ladeando, avançando, recuando, como pobres jumentos aflitos e às escuras, sob as esporas que o espicaçam para a frente e as rédeas que o puxam para trás.
Pobres jumentos aflitos e às escuras! Escouceiam, orneiam, levantam a garupa. De que serve? As patas ferem o ar e aquela voz de soluços, que faz rir, não chega ao céu.
(…) Deus, criando as almas, condenou-as à suprema solidão. Algumas iludem a pena. Imaginam conviver com as árvores e os penedos. Falam às árvores e aos penedos, queixando-se dos seus desgostos. (…) Somos uma turba e ninguém. Somos Deus e o Demónio, o Céu e a Terra e outras letras grandes e Ninguém.

A Voz que Ouço quando Leio

Quando leio, há uma voz que lê dentro de mim. Paro o olhar sobre o texto impresso, mas não acredito que seja o meu olhar que lê. O meu olhar fica embaciado. É essa voz que lê. Quando é séria, ouço-a falar-me de assuntos sérios. Às vezes, sussurra-me. Às vezes, grita-me. Essa voz não é a minha voz. Não é a voz que, em filmagens de festas de anos e de natais, vejo sair da minha boca, do movimento dos meus lábios, a voz que estranho por, num rosto parecido com o meu, não me parecer minha. A voz que ouço quando leio existe dentro de mim, mas não é minha. Não é a voz dos meus pensamentos. A voz que ouço quando leio existe dentro de mim, mas é exterior a mim. É diferente de mim. Ainda assim, não acredito que alguém possa ter uma voz que lê igual à minha, por isso é minha mas não é minha. Mas, claro, não posso ter a certeza absoluta. Não só porque uma voz é indescritível, mas também porque nunca ninguém me tentou descrever a voz que ouve quando lê e porque eu nunca falei com ninguém da voz que ouço quando leio.

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A Solidão em Perspectiva

É exactamente porque não há solidão que dizes que há solidão. Imagina que eras o único homem no universo. Imagina que nascias de uma árvore, ou antes, porque eu quero pôr a hipótese de que não há árvores, nem astros, nem nada com que te confrontes: supõe que o universo é só o vazio e que tu nascias no meio desse vazio, sem nada para te confrontares. Como dizeres «eu estou sozinho»? Para pensares em «eu» e em «sozinho» tinhas de pensar em «tu» e em «companhia». Só há solidão «porque» vivemos com os outros…

Uma Vida Calma e Tranquila

A primeira pergunta que Diógenes fez a Alexandre é a primeira pergunta que qualquer pessoa inteligente deve fazer a si própria. Diógenes não desperdiçou um único momento.
– Alexandre, estás a tentar conquistar o mundo inteiro. Então e tu? Terás tempo suficiente, depois de conquistares o mundo, para te conheceres a ti próprio? Tens certezas sobre o amanhã ou sobre o próximo momento?
Alexandre nunca tinha conhecido um homem assim. Ele já tinha vencido grandes reis e imperadores, mas percebeu que Diógenes era um homem muito poderoso. Baixando os olhos, Alexandre respondeu:
– Não te posso dizer que esteja certo sobre o momento seguinte. Mas posso prometer-te uma coisa: quando tiver conquistado o mundo, vou desejar descansar e viver uma vida calma, tal como tu.
Diógenes estava a gozar um banho de sol matinal junto a um rio, rodeado por bonitas árvores. Ele riu-se… por vezes penso que o seu riso ainda deve continuar a ecoar.
Pessoas como Diógenes pertencem à eternidade. As suas assinaturas não são feitas na água.
Alexandre sentiu-se ofendido e perguntou-lhe porque se estava a rir.
– É muito simples! – respondeu Diógenes. – Se eu posso descansar e viver uma vida calma sem ter conquistado o mundo,

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Temos de Ser Mais Humanos

Abram os olhos. Somos umas bestas. No mau sentido. Somos primitivos. Somos primários. Por nossa causa corre um oceano de sangue todos os dias. Não é auscultando todos os nossos instintos ou encorajando a nossa natureza biológica a manifestar-se que conseguiremos afastar-nos da crueza da nossa condição. É lendo Platão. E construindo pontes suspensas. É tendo insónias. É desenvolvendo paranóias, conceitos filosóficos, poemas, desequilíbrios neuroquímicos insanáveis, frisos de portas, birras de amor, grafismos, sistemas políticos, receitas de bacalhau, pormenores.

É engraçado como cada época se foi considerando «de charneira» ao longo da história. A pretensão de se ser definitivo, a arrogância de ser «o último», a vaidade de se ser futuro é, há milénios, a mesmíssima cantiga.
Temos de ser mais humanos. Reconhecer que somos as bestas que somos e arrependermo-nos disso. Temos de nos reduzir à nossa miserável insensibilidade, à pobreza dos nossos meios de entendimento e explicação, à brutalidade imperdoável dos nossos actos. O nosso pé foge-nos para o chinelo porque ainda não se acostumou a prender-se aos troncos das árvores, quanto mais habituar-se a usar sapato.

A única atitude verdadeiramente civilizada é a fraqueza, a curiosidade, o desespero, a experiência, o amor desinteressado,

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O Primitivo Reina na Civilização Actual

Todo o crescimento de possibilidades concretas que a vida experimentou corre risco de se anular a si mesmo ao topar com o mais pavoroso problema sobrevindo no destino europeu e que de novo formulo: apoderou-se da direção social um tipo de homem a quem não interessam os princípios da civilização. Não os desta ou os daquela, mas – ao que hoje pode julgar-se – os de nenhuma. Interessam-lhe evidentemente os anestésicos, os automóveis e algumas coisas mais. Mas isto confirma o seu radical desinteresse pela civilização. Pois estas coisas são só produtos dela, e o fervor que se lhes dedica faz ressaltar mais cruamente a insensibilidade para os princípios de que nascem. Baste fazer constar este fato: desde que existem as nuove scienze, as ciências físicas – portanto, desde o Renascimento –, o entusiasmo por elas havia aumentado sem colapso, ao longo do tempo. Mais concretamente: o número de pessoas que em proporção se dedicavam a essas puras investigações era maior em cada geração. O primeiro caso de retrocesso – repito, proporcional – produziu-se na geração que hoje vai dos vinte aos trinta anos. Nos laboratórios de ciência pura começa a ser difícil atrair discípulos. E isso acontece quando a indústria alcança o seu maior desenvolvimento e quando as pessoas mostram maior apetite pelo uso de aparelhos e medicinas criados pela ciência.

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O Coração é o Seu Amigo

O verdadeiro problema reside na mente, porque a mente é formada pela sociedade humana e especialmente projectada para nos manter escravizados. O corpo tem uma beleza própria. Ainda faz parte das árvores e do oceano, das montanhas e das estrelas. Não foi contaminado pela sociedade nem foi envenenado pelas igrejas, pelas religiões e pelos padres. Mas a mente foi completamente condicionada e distorcida ao receber ideias que são totalmente falsas. A nossa mente funciona quase como uma máscara que esconde o nosso verdadeiro rosto.
A arte da meditação consiste em transcender a mente, e o Oriente dedicou toda a sua inteligência e todo o seu génio durante quase dez mil anos a um único objectivo: descobrir a maneira de transcender a mente e os seus condicionamentos. Do esforço de dez mil anos resultou o aperfeiçoamento do método da meditação.
Em poucas palavras, meditação significa olhar para a mente, observar a mente. Tente examinar a mente, olhando em silêncio para ela – sem explicações, sem apreciações, sem condenações, sem qualquer julgamento, a favor ou contra -, observe-a apenas, como se não tivesse nada a ver com ela. Aprecie apenas o tráfego que vai na mente. E o milagre da meditação faz com que,

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Hábito e Inércia

Ao princípio, somos carne animada pela alma; a meio caminho, meias máquinas; perto do fim, autómatos rígidos e gelados como cadáveres. Quando a morte chega, encontramo-nos em tudo semelhantes aos mortos. Esta petrificação progressiva é obra do hábito.
O hábito torna-nos cegos às maravilhas do mundo – indiferentes e inconscientes perante os milagres quotidianos -, embota a força dos sentidos e dos sentimentos – torna-nos escravos dos costumes, mesmo tristes e culpados: suprime a vista, espanto, fogo e liberdade. Escravos, frígidos, insensatos, cegos: tudo propriedade dos cadáveres. A subjugação aos hábitos é uma subjugação da morte; um suicídio gradual do espírito.
O hábito suprime as cores, incrusta, esconde: partes da nossa vida afundam-se gradualmente na inconsciência e deixam de ser vida para se tornarem peças de um mecanismo imprevisto. O círculo do espontâneo reduz-se; a liberdade e novidade decaem na monotonia do vulgar.
É como se o sangue se tornasse, a pouco e pouco, sólido como os ossos e a alma um sistema de correias e rodas. A matéria não passa de espírito petrificado pelos hábitos. Nasce-se espírito e matéria e termina-se apenas como matéria. A casca converteu em madeira a própria linfa.
A casca é necessária para proteger o albume,

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Pai

Pai. A tarde dissolve-se sobre a terra, sobre a nossa casa. O céu desfia um sopro quieto nos rostos. Acende-se a lua. Translúcida, adormece um sono cálido nos olhares. Anoitece devagar. Dizia nunca esquecerei, e lembro-me. Anoitecia devagar e, a esta hora, nesta altura do ano, desenrolavas a mangueira com todos os preceitos e, seguindo regras certas, regavas as árvores e as flores do quintal; e tudo isso me ensinavas, tudo isso me explicavas. Anda cá ver, rapaz. E mostravas-me. Pai. Deixaste-te ficar em tudo. Sobrepostos na mágoa indiferente deste mundo que finge continuar, os teus movimentos, o eclipse dos teus gestos. E tudo isto é agora pouco para te conter. Agora, és o rio e as margens e a nascente; és o dia, e a tarde dentro do dia, e o sol dentro da tarde; és o mundo todo por seres a sua pele. Pai. Nunca envelheceste, e eu queria ver-te velho, velhinho aqui no nosso quintal, a regar as árvores, a regar as flores. Sinto tanta falta das tuas palavras. Orienta-te, rapaz. Sim. Eu oriento-me, pai. E fico. Estou. O entardecer, em vagas de luz, espraia-se na terra que te acolheu e conserva. Chora chove brilho alvura sobre mim.

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A Luta pela Recordação

Os meus pensamentos foram-se afastando de mim, mas, chegado a um caminho acolhedor, repilo os tumultuosos pesares e detenho-me, de olhos fechados, enervado num aroma de afastamento que eu próprio fui conservando, na minha pequena luta contra a vida. Só vivi ontem. Ele tem agora essa nudez à espera do que deseja, selo provisório que nos vai envelhecendo sem amor.
Ontem é uma árvore de longas ramagens, e estou estendido à sua sombra, recordando.
De súbito, contemplo, surpreendido, longas caravanas de caminhantes que, chegados como eu a este caminho, com os olhos adormecidos na recordação, entoam canções e recordam. E algo me diz que mudaram para se deter, que falaram para se calar, que abriram os olhos atónitos ante a festa das estrelas para os fechar e recordar…
Estendido neste novo caminho, com os olhos ávidos florescidos de afastamento, procuro em vão interceptar o rio do tempo que tremula sobre as minhas atitudes. Mas a água que consigo recolher fica aprisionada nos tanques ocultos do meu coração em que amanhã terão de se submergir as minhas velhas mãos solitárias…

Desigualdade Natural e Desigualdade Institucional

É fácil de ver que, entre as diferenças que distinguem os homens, muitas passam por naturais, quando são unicamente a obra do hábito e dos diversos géneros de vida adoptados pelos homens na sociedade. Assim, num temperamento robusto ou delicado, a força ou a fraqueza que disso dependem, vêm muitas vezes mais da maneira dura ou efeminada pela qual foi educado do que da constituição primitiva dos corpos. Acontece o mesmo com as forças do espírito, e a educação não só estabelece a diferença entre os espíritos cultivados e os que não o são, como aumenta a que se acha entre os primeiros à proporção da cultura; com efeito, quando um gigante e um anão marcham na mesma estrada, cada passo representa uma nova vantagem para o gigante. Ora, se se comparar a diversidade prodigiosa do estado civil com a simplicidade e a uniformidade da vida animal e selvagem, em que todos se nutrem dos mesmos alimentos, vivem da mesma maneira e fazem exactamente as mesmas coisas, compreender-se-á quanto a diferença de homem para homem deve ser menor no estado de natureza do que no de sociedade; e quanto a desigualdade natural deve aumentar na espécie humana pela desigualdade de instituição.

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Todos Vivem apenas para a sua Abastança… (no século XIX)

Os tempos actuais são tempos de aurea mediocritas e de indiferença, de paixão pela ignorância, de preguiça, de incapacidade para o trabalho prático e da necessidade de receber tudo já pronto. Ninguém raciocina, será raro alguém elaborar uma ideia pessoal.
(…) Hoje em dia exterminam as florestas da Rússia, esgotam os solos da Rússia, transformam a Rússia numa estepe e preparam-na para os calmuques. Se aparecer um homem de esperança que plante uma árvore, todos se rirão: «Será que vives até ela crescer?» Por outro lado, os que aspiram ao bem falam de como será dentro de mil anos.
Desapareceu por completo uma ideia cimentadora. É como se toda a gente vivesse numa estalagem, preparando-se para fugir amanhã da Rússia. Todos vivem apenas para a sua abastança…