O Amor Era a Festa do Inimitável
O amor, outrora, era a festa do individual, do inimitável, a glória do que é único, do que não suporta qualquer repetição. Mas o umbigo não só não se revolta contra a repetição, é um apelo às repetições! Vamos viver, no nosso milénio, sob o signo do umbigo. Sob este signo, somos todos, tanto um como outro, soldados do sexo, com o mesmo olhar fixo não sobre a mulher amada mas sobre o mesmo pequeno buraco no meio da barriga que representa o único sentido, o único fim, o único futuro de todo o desejo erótico.
Textos
4483 resultadosA caça constante aos lucros é rica de inimizades.
Quão grandes seriam certos homens, se não fossem tão arrogantes.
O Que Verdadeiramente Mata Portugal
O que verdadeiramente nos mata, o que torna esta conjuntura inquietadora, cheia de angústia, estrelada de luzes negras, quase lutuosa, é a desconfiança. O povo, simples e bom, não confia nos homens que hoje tão espectaculosamente estão meneando a púrpura de ministros; os ministros não confiam no parlamento, apesar de o trazerem amaciado, acalentado com todas as doces cantigas de empregos, rendosas conezias, pingues sinecuras; os eleitores não confiam nos seus mandatários, porque lhes bradam em vão: «Sede honrados», e vêem-nos apesar disso adormecidos no seio ministerial; os homens da oposição não confiam uns nos outros e vão para o ataque, deitando uns aos outros, combatentes amigos, um turvo olhar de ameaça. Esta desconfiança perpétua leva à confusão e à indiferença. O estado de expectativa e de demora cansa os espíritos. Não se pressentem soluções nem resultados definitivos: grandes torneios de palavras, discussões aparatosas e sonoras; o país, vendo os mesmos homens pisarem o solo político, os mesmos ameaços de fisco, a mesma gradativa decadência. A política, sem actos, sem factos, sem resultados, é estéril e adormecedora.
Quando numa crise se protraem as discussões, as análises reflectidas, as lentas cogitações, o povo não tem garantias de melhoramento nem o país esperanças de salvação.
A Democracia Política Conduz à Ineficiência e Fraqueza de Direcção
Os defeitos da democracia política como sistema de governo são tão óbvios, e têm sido tantas vezes catalogados, que não preciso mais do que resumi-los aqui. A democracia política foi criticada porque conduz à ineficiência e fraqueza de direcção, porque permite aos homens menos desejáveis obter o poder, porque fomenta a corrupção. A ineficiência e fraqueza da democracia política tornam-se mais aparentes nos momentos de crise, quando é preciso tomar e cumprir decisões rapidamente. Averiguar e registar os desejos de muitos milhões de eleitores em poucas horas é uma impossibilidade física. Segue-se, portanto, que, numa crise, uma de duas coisas tem de acontecer: ou os governantes decidem apresentar o facto consumado da sua decisão aos eleitores – em cujo caso todo o princípio da democracia política terá sido tratado com o desprezo que em circunstâncias críticas ela merece; ou então o povo é consultado e perde-se tempo, frequentemente, com consequências fatais. Durante a guerra todos os beligerantes adoptaram o primeiro caminho. A democracia política foi em toda a parte temporariamente abolida. Um sistema de governo que necessita de ser abolido todas as vezes que surge um perigo, dificilmente se pode descrever como um sistema perfeito.
Quem Pensa, Ri
Quem raciocina com intensidade e violência tem que expressar com descongestionamento. Rir não é não ter razão. Não há relação entre a solenidade e a verdade. Deixemos a seriedade aos que têm ideais em que perdem tempo e jeito. Pensemos, e acabemos de pensar com uma gargalhada.
A dor do mundo é grande? Talvez seja. Como não há metro para ela, não sabemos. Mas, ainda que seja grande, curar-se-á aumentando-a com a nossa?
Pensa a sério mas não com sério. Pensa profundamente, mas não às escuras. Quer fortemente, mas não com as sobrancelhas.
Sinceros? Quantos gramas de verdade é que a vossa sinceridade pesa?
Quem pensa, ri; só não ri quem só faz cara que pensa.
Ri, bruto!
A Cultura Deve Ser Uma Descoberta Individual de Cada um de Nós
Não se deve intervir, não nos devemos meter nos problemas que cada um tem com a leitura. Não devemos sofrer por causa das crianças que não lêem, perder a paciência. Trata-se da descoberta do continente da leitura. Ninguém deve encorajar nem incitar outra pessoa a ir ver como ele é. Já existe excessiva informação no mundo acerca da cultura. Devemos partir sós para esse continente. Descobri-lo sozinhos. Operarmos sozinhos esse nascimento.
Por exemplo, em relação a Baudelaire, devemos ser os primeiros a descobrir o seu esplendor. E somos os primeiros. E, se não formos os primeiros, nunca seremos leitores de Baudelaire. Todas as obras-primas do mundo deveriam ser encontradas pelas crianças nos despejos públicos, e lidas às escondidas dos pais e dos mestres.
Por vezes, o facto de se ver alguém a ler um livro no metro, com grande atenção, pode provocar a compra desse livro. Mas não quanto aos romances populares. Aí, ninguém se engana quanto à natureza do livro. Os dois géneros nunca estão juntos nas mesmas mãos. Os romances populares são impressos em milhões de exemplares. Com a mesma grelha aplicada, em princípio, há uns cinquenta anos, os romances populares desempenham a sua função de identificação sentimental ou erótica.
Evitar o Sofrimento
Privamo-nos para mantermos a nossa integridade, poupamos a nossa saúde, a nossa capacidade de gozar a vida, as nossas emoções, guardamo-nos para alguma coisa sem sequer sabermos o que essa coisa é. E este hábito de reprimirmos constantemente as nossas pulsões naturais é o que faz de nós seres tão refinados. Porque é que não nos embriagamos? Porque a vergonha e os transtornos das dores de cabeça fazem nascer um desprazer mais importante que o prazer da embriaguez. Porque é que não nos apaixonamos todos os meses de novo? Porque, por altura de cada separação, uma parte dos nossos corações fica desfeita. Assim, esforçamo-nos mais por evitar o sofrimento do que na busca do prazer.
A Aceitação da Fraude
Uma das lições mais tristes da história é a seguinte: Se formos enganados durante muito tempo, temos tendência a rejeitar qualquer prova de fraude. Deixamos de estar interessados em descobrir a verdade. A fraude apanhou-nos. É demasiado doloroso reconhecer, nem que seja para nós mesmos , que fomos levados à certa. Uma vez que damos a um charlatão poder sobre nós mesmos, quase nunca o recuperamos. Por conseguinte, as velhas fraudes têm tendência a persistir, ao mesmo tempo que surgem outras novas.
O ímpio aceita um presente debaixo do manto para distorcer o direito
O ímpio aceita um presente debaixo do manto para distorcer o direito.
Os Ses Importantes da Vida
Hoje escrevo-te sobre os ses importantes da vida. Agarra-te bem a eles, e depois, quando te sentires assustada em algum momento, volta a agarrar-te a eles. Vais ver que nunca te vai faltar nada. Prometo.
Se amares com toda a segurança, desiste de amar, porque, ficas agora a saber, quando se ama com toda a segurança não se ama coisa nenhuma.
Se não tiveres medo de dizer que amas, como se sentisses que estavas a expor o mais imenso lado de ti, desiste de amar, porque, ficas agora a saber, é só o que nos faz ter medo que vale a pena ter medo perder.Se não adormeceres todos os dias com uma inexplicável vontade de voltar a acordar só para estares nos braços da pessoa com quem adormeceste, desiste de amar, porque, ficas agora a saber, só o que nos faz adormecer felizes sem deixar de nos fazer ter vontade de acordar felizes é que é mesmo amor.
Se não acordares todos os dias com uma vontade inexplicável de voltar a adormecer só para poderes adormecer em paz ao lado de quem amas, desiste de amar, porque, ficas agora a saber, só o que nos faz acordar felizes sem deixar de nos fazer ter vontade de adormecermos felizes é que é mesmo amor.
Os Caçadores de Simulacros
O artista, o poeta, o escritor, os que perguntam: todos são caçadores de simulacros, incansáveis calculadores de improbabilidades. Pombas ou abutres, frágeis canários ou escondidos melros, raspam, rasgam, rompem, sempre roendo as suas próprias garras. O invisível que há neles então emerge.
A Base e o Progresso da Civilização
Os homens mais felizes e mais úteis são feitos de um conjunto harmonioso de actividades intelectuais e morais. E é a qualidade destas actividades e a igualdade do seu desenvolvimento que que conferem a este tipo a sua superioridade sobre os outros. Mas a sua intensidade determina o nível social de um dado indivíduo e faz dele um comerciante ou um director de banco, um pequeno médico ou um professor célebre, um presidente de uma junta de freguesia ou um presidente dos Estados Unidos. O desenvolvimento de seres humanos completos dever ser o objectivo dos nossos esforços. Só neles pode assentar uma civilização sólida.
Existe ainda uma classe de homens que, apesar de tão desarmónicos como os criminosos e os loucos, são indispensáveis à sociedade moderna. São os génios. Estes indivíduos caracterizam-se pelo crescimento monstruoso de uma das actividades psicológicas. Um grande artista, um grande cientista, um grande filósofo é geralmente um homem comum em que uma função se hipertrofiou. Pode também ser comparado a um tumor que se tivesse desenvolvido num organismo normal. Estes seres não equilibrados são, em geral, infelizes. Mas produzem grandes obras, das quais toda a sociedade beneficia. A sua desarmonia gera o progresso da civilização.
Parcialidade na Apreciação
Para saberes o que uma pessoa pensa, de facto, da tua política, pede a um homem de confiança que exprima diante dela as tuas próprias opiniões, fazendo-as passar por suas. Ou então, lê um texto que tu mesmo redigiste, mas dizendo que provém de outra fonte, e observa a sua reacção.
Muitas vezes a amizade torna-nos demasiado benevolentes, confundindo a nossa clareza de ideias. Não que os nossos amigos não sejam sinceros quando nos elogiam ou nos encorajam nos nossos empreendimentos, mas a sua boa vontade está muito longe do verdadeiro juízo, que consiste em felicitar o interessado depois de nos termos informado a seu respeito e ter estudado em pormenor as suas acções e os seus métodos.
O Retiro da Alma
Há quem procure lugares de retiro no campo, na praia, na montanha; e acontece-te também desejar estas coisas em grau subido. Mas tudo isto revela uma grande simplicidade de espírito, porque podemos, sempre que assim o quisermos, encontrar retiro em nós mesmos. Em parte alguma se encontra lugar mais tranquilo, mais isento de arruídos, que na alma, sobretudo quando se tem dentro dela aqueles bens sobre que basta inclinar-se para que logo se recobre toda a liberdade de espírito, e por liberdade de espírito, outra coisa não quero dizer que o estado de uma alma bem ordenada. Assegura-te constantemente um tal retiro e renova-te nele. Nele encontrarás essas máximas concisas e essenciais; uma vez encontradas dissolverão o tédio e logo te hão-de restituir curado de irritações ao ambiente a que regressas.
Se a tua aspiração é fraca, não basta, mas se é exagerada, trarar-te-à demasiados sofrimentos.
Fugir ao Desconhecido
Existe, frequentemente, em suma, uma espécie de humildade receosa, que, quando nos aflige, nos torna para sempre impróprios para as disciplinas do conhecimento. Porque, no momento em que o homem que a transporta descobre uma coisa que o choca, dá meia volta seja como for, e diz consigo: «Enganaste-te! Onde é que tinhas a cabeça? Isso não pode ser verdade!». De forma que em vez de examinar mais de perto e de ouvir com mais atenção, desata a fugir completamente aterrado, evita encontrar aquilo que o choca e procura esquecê-lo o mais depressa possível. Porque eis o que diz a sua lei: «Não quero dizer nada que contradiga a opinião corrente. Serei eu feito para descobrir novas verdades? Já há demasiadas antigas».
Chorai com os que choram
Chorai com os que choram.
A Solidão
Ora, a solidão, ainda vai ter de aprender muito para saber o que isso é, Sempre vivi só, Também eu, mas a solidão não é viver só, a solidão é não sermos capazes de fazer companhia a alguém ou a alguma coisa que está dentro de nós, a solidão não é uma árvore no meio duma planície onde só ela esteja, é a distância entre a seiva profunda e a casca, entre a folha e a raiz, Você está a tresvariar, tudo quanto menciona está ligado entre si, aí não há nenhuma solidão, Deixemos a árvore, olhe para dentro de si e veja a solidão, Como disse o outro, solitário andar por entre a gente, Pior do que isso, solitário estar onde nem nós próprios estamos.
Desabafar o Sofrimento
Nunca compreendi como é possível que alguém que escreva consiga objectivar os seus sofrimentos enquanto vive sob o seu peso; assim eu, por exemplo, no meio da minha infelicidade, provavelmente ainda com a minha cabeça a queimar de infelicidade, sento-me e escrevo a alguém: sou infeliz. Sim, eu até posso ir além disto e com todos os floreados que o meu talento possa inventar, que não parecem ter nada a ver com a minha infelicidade, toco uma orquestração simples, ou em contraponto, ou uma orquestração completa de variações sobre o meu tema. E não é uma mentira, e não mitiga a minha dor: é simplesmente um extra misericordioso de força num momento em que o sofrimento me consumiu até ao fundo do meu ser e gastou completamente todas as minhas forças.