2A Sombra – Bárbara
Erguendo o cálix que o Xerez perfuma.
Loura a trança alastrando-lhe os joelhos,
Dentes níveos em lábios tão vermelhos,
Como boiando em purpurina escuma;Um dorso de Valquíria… alvo de bruma,
Pequenos pés sob infantis artelhos,
Olhos vivos, tão vivos, como espelhos,
Mas como eles também sem chama alguma;Garganta de um palor alabastrino,
Que harmonias e músicas respira…
No lábio – um beijo… no beijar – um hino;Harpa eólia a esperar que o vento a fira,
– Um pedaço de mármore divino…
– É o retrato de Bárbara – a Hetaira.
Passagens sobre Beijos
411 resultadosVaranda de Pilatos
Não há tempo. Há o espaço. O sol e as nossas voltas.
Os bocejos da lua, o clã dos astros.
Os buracos negros.
Ó mãe! Para onde foram os seres vivos de ainda
Há pouco em todo o seu esplendor?
Mortos como tu, a natureza recebe-os.
A Terra, essa criança atroz, destrói os seus brinquedos
Numa rotina mecânica.
Quantas noites me faltam? Quantos beijos no escuro?
Quanta luz me cabe ainda nas pupilas?
Os anos não me matam, não me ferem os meses,
As horas não me guilhotinam.
As células vão ardendo nos seus mapas
De nervos, o sangue demora sempre mais um pouco
A chegar ao seu destino orgânico.
Devagar, devagar, a cabeça amolece.
Devagar no colo do sono.
Ó mãe. Um ninho. Uma cama macia no teu ventre.
Uma exposição de sinais. Uma geometria
Que me liga ao saber acumulado.
Baladas Românticas – Azul…
Lembra-te bem! Azul-celeste
Era essa alcova em que te amei.
O último beijo que me deste
Foi nessa alcova que o tomei!
É o firmamento que a reveste
Toda de um cálido fulgor:
– Um firmamento, em que puseste
Como uma estrela, o teu amor.Lembras-te? Um dia me disseste:
“Tudo acabou!” E eu exclamei:
“Se vais partir, por que vieste?”
E às tuas plantas me arrastei…
Beijei a fimbria à tua veste,
Gritei de espanto, uivei de dor:
“Quem há que te ame e te requeste
Com febre igual ao meu amor?”Por todo o mal que me fizeste,
Por todo o pranto que chorei,
– Como uma casa em que entra a peste,
Fecha essa casa em que fui rei!
Que nada mais perdure e reste
Desse passado embriagador:
E cubra a sombra de um cipreste
A sepultura deste amor!Desbote-a o inverno! o estão a creste!
Abale-a o vento com fragor!
– Desabe a igreja azul-celeste
Em que oficiava o meu amor!
Tem-me Custado a Passar o Dia
Então o rico fochinhinho chegou fixe? A rica fochinhinha está mais triste do que a triste noite. O pai chega hoje no comboio da noite e vamos esperá-lo à estação. Que pena não ser o meu preto que chega! Mas se Deus quiser… sábado a esta hora estou eu bem mais contente do que hoje: Tem-me custado a passar o dia como tu nem calculas; tenho estado deitada a olhar para o mapa, a ler e a bordar para ter o bordado muito adiantado quando o fochinhinho chegar.
Ando como os parvos a olhar para as paredes, mais chateada do que nunca. Então o pirilau está triste e cheio de saudades? Escrevo hoje só meia folha de papel porque ainda não recebi carta tua e não tenho pois que responder a coisa alguma, a não ser dizer-te que estou a achar os dias com 48 horas cada um. Dize-me o que fazes no quartel que é para que eu vá calculando o que tens feito e o que te resta fazer. Vai ao teatro para te distraíres, já que eu não vejo aqui nada. Só quero sair ao passeio e ao teatro quando vier o rico amor meu. Não te esqueças de fazer a fatiota de cotim.
Versos Íntimos
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Sómente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Soneto Da Hora Final
Será assim, amiga: um certo dia
Estando nós a contemplar o poente
Sentiremos no rosto, de repente,
O beijo leve de uma aragem fria.Tu me olharás silenciosamente
E eu te olharei também, com nostalgia
E partiremos, tontos de poesia
Para a porta de trevas, aberta em frente.Ao transpor as fronteiras do segredo
Eu, calmo, te direi: – Não tenhas medo
E tu, tranqüila, me dirás: – Sê forte.E como dois antigos namorados
Noturnamente tristes e enlaçados
Nós entraremos nos jardins da morte.
Porque Te Devo Amar
Porque te devo amar,
perguntas,
e eu falo-te no barulho do vento na janela quando me apertas, a tua cabeça no mistério que fica entre os braços e os ombros, escondo os dedos no interior do teu cabelo e ouço-te respirar, pessoas como nós não procuram explicações mas sobrevivências,
Devíamos aprender a querer devagar,
arriscas,
mas entretanto já pousei os meus lábios nos teus, é insuportável o teu cheiro se não puder tocar-te, ficaríamos completos se apenas houvesse palavras, e o mais absurdo é que nem precisamos de falar, pessoas como nós não procuram a eternidade mas os sentidos,
Cada instante merece um orgasmo,
invento,
tento provar-te que os poemas são feitos de carne, nunca de versos, estranhamente não ripostas e deixas-te olhar, fico mais de uma hora só a ver-te e é tudo, peço-te que te coloques nas mais diversas posições, há-de haver um ângulo qualquer em que não seja completamente teu e o teu sorriso o quase céu, mas não o encontro, pessoas como nós não procuram a pele mas a faca,
Há uma certa dignidade na maneira como nos abandonamos,
despeço-me,
visto-me com lentidão enquanto te amo finalmente,
Prince Charmant
A Raul Proença
No lânguido esmaecer das amorosas
Tardes que morrem voluptuosamente
Procurei-O no meio de toda a gente.
Procurei-O em horas silenciosas!Ó noites da minh’alma tenebrosas!
Boca sangrando beijos, flor que sente…
Olhos postos num sonho, humildemente…
Mãos cheias de violetas e de rosas…E nunca O encontrei!…Prince Charmant…
Como audaz cavaleiro em velhas lendas
Virá, talvez, nas névoas da manhã!Em toda a nossa vida anda a quimera
Tecendo em frágeis dedos frágeis rendas…
— Nunca se encontra Aquele que se espera!…
Eu quero um beijo na minha lua grande…
Dai À Obra De Marta Um Pouco De Maria
Dai à obra de Marta um pouco de Maria,
Dai um beijo de sol ao descuidado arbusto;
Vereis neste florir o tronco ereto e adusto,
E mais gosto achareis naquela e mais valia.A doce mãe não perde o seu papel augusto,
Nem o lar conjugal a perfeita harmonia.
Viverão dous aonde um até ‘qui vivia,
E o trabalho haverá menos difícil custo.Urge a vida encarar sem a mole apatia,
Ó mulher! Urge pôr no gracioso busto,
Sob o tépido seio, um coração robusto.Nem erma escuridão, nem mal-aceso dia.
Basta um jorro de sol ao descuidado arbusto,
Basta à obra de Marta um pouco de Maria.
Desterro
Já me não amas? Basta! Irei, triste, e exilado
Do meu primeiro amor para outro amor, sozinho.
Adeus, carne cheirosa! Adeus, primeiro ninho
Do meu delírio! Adeus, belo corpo adorado!Em ti, como num vale, adormeci deitado,
No meu sonho de amor, em meão do caminho…
Beijo-te inda uma vez, num último carinho,
Como quem vai sair da pátria desterrado…Adeus, corpo gentil, pátria do meu desejo!
Berço em que se emplumou o meu primeiro idílio,
Terra em que floresceu o meu primeiro beijo!Adeus! Esse outro amor há de amargar-me tanto
Como o pão que se come entre estranhos, no exílio,
Amassado com fel e embebido de pranto…
Languidez
Tardes da minha terra, doce encanto,
Tardes duma pureza de açucenas,
Tardes de sonho, as tardes de novenas,
Tardes de Portugal, as tardes de Anto,Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!
Horas benditas, leves como penas,
Horas de fumo e cinza, horas serenas,
Minhas horas de dor em que eu sou santo!Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,
Que poisam sobre duas violetas,
Asas leves cansadas de voar …E a minha boca tem uns beijos mudos …
E as minhas mãos, uns pálidos veludos,
Traçam gestos de sonho pelo ar …
Desdéns
Realçam no marfim da ventarola
As tuas unhas de coral felinas
Garras com que, a sorrir, tu me assassinas,
Bela e feroz… O sândalo se evolua;O ar cheiroso em redor se desenrola;
Pulsam os seios, arfam as narinas…
Sobre o espaldar de seda o torso inclinas
Numa indolência mórbida, espanhola…Como eu sou infeliz! Como é sangrenta
Essa mão impiedosa que me arranca
A vida aos poucos, nesta morte lenta!Essa mão de fidalga, fina e branca;
Essa mão, que me atrai e me afugenta,
Que eu afago, que eu beijo, e que me espanca!
Num único beijo saberás tudo aquilo que tenho calado.
A Minha Tragédia
Tenho ódio à luz e raiva à claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que a minh’alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!Ó minha vã, inútil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida! …
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lábios roxos, a saudade! …Eu não gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim! …
Do Primeiro Regresso
Escuta, meu Amor, quando eu voltar
De tão longe, e avistar de novo o Tejo,
O meu Restelo que em saudades vejo
Como outra nova Índia a conquistar;Quando a minha alma inquieta sossegar
Este voo indomável, num adejo,
E o amor e o céu e Deus, vivos num beijo,
Iluminarem todo o nosso lar;Quando, meu Santo Amor, voltar o dia
Do primeiro regresso, e a aleluia
Madrugar tua alma anoitecida…Hás-de embalar-me sobre o teu regaço
Arrolar, encantar o meu cansaço…
E então será o meu regresso à Vida!
Perdoa-Me Visão Dos Meus Amores
Perdoa-me visão dos meus amores,
Se a ti ergui meus olhos suspirando!…
Se eu pensava num beijo desmaiando
Gozar contigo a estação das flores!De minhas faces os mortais palores,
Minha febre noturna delirando,
Meus ais, meus tristes ais vão revelando
Que peno e morro de amorosas dores…Morro, morro por ti! na minha aurora
A dor do coração, a dor mais forte,
A dor de um desengano me devora…Sem que última esperança me conforte,
Eu – que outrora vivia! – eu sinto agora
Morte no coração, nos olhos morte!
Respira o sabor de um beijo, o toque de um afago, o som de um arfar. Respira a mão de fogo de quem te ama, o suor em êxtase de quem te chama. E o abraço que não passa, e as palavras que te embraçam, e os olhares que te apertam. Respira – para saberes que vale a pena continuar.
O Instante Antes do Beijo
Não quero o primeiro beijo:
basta-me
O instante antes do beijo.Quero-me
corpo ante o abismo,
terra no rasgão do sismo.O lábio ardendo
entre tremor e temor,
o escurecer da luz
no desaguar dos corpos:
o amor
não tem depois.Quero o vulcão
que na terra não toca:
o beijo antes de ser boca.
Supreme Convulsion
O equilíbrio do humano pensamento
Sofre também a súbita ruptura,
Que produz muita vez, na noite escura,
A convulsão meteórica do vento.E a alma o obnóxio quietismo sonolento
Rasga; e, opondo-se à Inércia, é a essência pura,
É a síntese, é o transunto, é a abreviatura
Do todo o ubiqüitário Movimento!Sonho, – libertação do homem cativo –
Ruptura do equilíbrio subjetivo,
Ah! foi teu beijo convulsionadorQue produziu este contraste fundo
Entre a abundância do que eu sou, no Mundo,
E o nada do meu homem interior!