Passagens sobre Chuva

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Frases sobre chuva, poemas sobre chuva e outras passagens sobre chuva para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Barganha

Domingo é dia de barganha.
Troco um relógio dos antigos
por um cavalo rosilho,
um bode por um trinca-ferro,
e uma roda de cabriolé
por um radinho de pilha.
Troco um gibão de cigano
pela serra que serrou
o tronco mais odorante
e por um fogão de lenha
troco um cachorro de caça
e uma panela de cobre.
Troco toda a luz do sol
pela sombra de um só pássaro.
Por uma espingarda troco
um tacho que foi de escravos
além de um almofariz
e uma xícara sem asa.
Troco a salmoura dos peixes
por qualquer gosto de lágrima.
Pela vitrola rachada
dou a minha bicicleta
com os pneus arriados.
Troco o entulho que restou
do muro que derrubei
pelo calor da fogueira
que por uma noite apenas
negou o frio dos pobres.
Troco um lençol de noivado
e uma toalha bordada
pela sua reflectida
na escuridão das cisternas.
Troco o meu selim de couro
por um arreio de prata.
Dou um caminhão de pedra
por um portão de peroba.

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Não tenho medo nem das chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas. Pois eu também sou o escuro da noite.

Toda Palavra

Toda palavra voa nebulosa
até chegar latente ao nosso chão.
Pousa sem pressa ou prece em mansa prosa
caída chuva breve de verão.

Toda palavra se abre generosa
para abrigar segredos num porão
lá onde sobram sombras sinuosas
levantando a poeira no perdão.

Toda palavra veste-se vistosa
para fazer afagos na paixão
uma pantera em paz, porém tinhosa.

Toda palavra enfim é explosão
que o mundo só é mundo por osmose
pois há um outro ser no coração

Iniciação ao Diálogo

I

De início bastará que olhes mais vezes
na mesma direcção hoje evitada
(estandartes nos olhos são mais leves
do que no coração duros tambores),
ainda que o teu olhar próprio não rompa
as lajes de ódio com que te muraste.

II

O vento e chuva e tempo, sobre a pedra
passando sempre, hão-de gastá-la: um dia,
antes que a obture o musgo ou algum pássaro
aí faça o ninho fofo, encontrarás,
entre o lado que afirmas teu e o outro,
uma réstia de azul — o azul de todos.

III

Talvez rumor de passos, para além
do muro atravessado aos teus desígnios…
Não porás terra onde se pôs o céu:
ver o que diz o ouvido agora queres,
e onde a rocha fendeu-se cabe um olho
humano e mais a boca do fuzil.

IV

Provando frágil o que acreditavas
inexpugnável, eis que em ti se fixam
atentos outro olho e outro fuzil!

V

Contemplador e contemplado, hesitas
aprendendo na espera o inesperado:
lares como os que tens,

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Destino sem Medo

O homem que acha que os segredos do mundo são para sempre insondáveis vive no mistério e no medo. A superstição arrasta-o para o abismo. A chuva acabará por esfarelar os feitos da sua existência. Mas do homem que atribui a si mesmo a tarefa de isolar da trama do cosmos o fio da ordem podemos dizer que, com essa simples decisão, tomou as rédeas do mundo nas suas mãos e só dessa forma conseguirá ditar os termos do seu próprio destino.

As Empregadas Fabris

Arregaçam a manhã (as empregadas fabris)
pernas como tesouras
recortando a calçada
ferem o lenho da mesa com
sortes
de boletim. Uma sirene as trouxe aqui
(às
empregadas febris)
ancas de esboço perfeito sob
vestes de operária
tocam umas nas outras como
inda fossem meninas mas a
delas que vai noivar já
traz o primeiro a caminho. E
quando o cigarro se apaga
(ou a
cerveja se escoa) o
que resta é a dor da tarde
que nem esta chuva afaga
o
gasóleo dos rapazes que
lhes cantam a cantiga e
as tomam pela cintura. Um
foguete fecha a festa
(pelo lado de dentro da coxa)
há nelas a incerteza de
não saberem se são
incompletamente infelizes.

Noutes de Chuva

Eu não sei, ó meu bem, cheio de graças!
Se tu amas no Outomno – já sem rosas! –
A longa e lenta chuva nas vidraças,
E as noutes glaciaes e pluviosas!

N’essas noutes sem luz, que – visionarios-
Temos chymeras misticas, celestes,
E scismamos nos pobres solitarios
Que tiritam debaixo dos cyprestes!

Que evocamos os liricos passados,
As chymeras, e as horas infelizes,
Os velhos casos tristes olvidados,-
E os mortos corações sob as raizes!

N’essas noutes, meu bem! em que desfeito
Cae o frio granizo nas estradas,
E tanto apraz, sonhando, sobre o leito,
Ouvir a longa chuva nas calçadas!

N’essas noutes, electricas, nervosas,
Todas cheias d’aromas outonaes,
Que a tristeza tem formas monstruosas
Como n’um sonho os porticos claustraes.

Noutes só em que o sabio acha prazeres,
– Tão ignorados dos crueis profanos! –
E em que as nervosas, mysticas mulheres,
Desfallecem chorando nos pianos.

N’essas noutes, meu bem! é que os poetas
Tem ás vezes seus sonhos mais brilhantes,
Folheam suas obras predilectas…

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As Lágrimas e o Amor

As lágrimas das raparigas refrescam-me. Levantam-me o moral. Às vezes lambo-as dos cantos dos olhos. São mini-margaridas, sem álcool, inteiramente naturais. Dizer «Não chores» funciona sempre, porque só mencionar o verbo «chorar» emociona-as e liberta-as, dando-lhe a carta branca para chorar ainda mais. Só intervenho com piadas e palavras de esperança e de amor quando elas vão longe demais e começam, por exemplo, a pingar do nariz.

As raparigas, depois de chorar, ficam com vontade de fazer amor. É como se tivessem apanhado uma carga de chuva. Ficam todas molhadas. Nós somos a toalha que está mais à mão. O turco maluco com que se embrulham e enxutam. É horrível, não é? Mas só um santo não se aproveitaria.

E as raparigas que choram depois de se virem? Estarão assim tão arrependidas? Comovidas? Simplesmente agradecidas? Gostaria de pensar que sim. As três coisas, pelo menos. Elas próprias não sabem. Riem-se logo de seguida. As piores são as que se riem logo ao princípio. Mas as piores também são muito queridas.

Meto-me para Dentro

Meto-me para dentro, e fecho a janela.
Trazem o candeeiro e dão as boas noites,
E a minha voz contente dá as boas noites.
Oxalá a minha vida seja sempre isto:
O dia cheio de sol, ou suave de chuva,
Ou tempestuoso como se acabasse o Mundo,
A tarde suave e os ranchos que passam
Fitados com interesse da janela,
O último olhar amigo dado ao sossego das árvores,
E depois, fechada a janela, o candeeiro aceso,
Sem ler nada, nem pensar em nada, nem dormir,
Sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito.
E lá fora um grande silêncio como um deus que dorme.

Neurastenia

Sinto hoje a alma cheia de tristeza!
Um sino dobra em mim Ave-Marias!
Lá fora, a chuva, brancas mãos esguias,
Faz na vidraça rendas de Veneza…

O vento desgrenhado chora e reza
Por alma dos que estão nas agonias!
E flocos de neve, aves brancas, frias,
Batem as asas pela Natureza…

Chuva…tenho tristeza! Mas porquê?!
Vento…tenho saudades! Mas de quê?!
Ó neve que destino triste o nosso!

Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura!
Gritem ao mundo inteiro esta amargura,
Digam isto que sinto que eu não posso !!…

Um Estado Desacostumado

Não é impossível assistir a um desvio anormal no funcionamento latente ou visível das leis da natureza. Efectivamente, se qualquer um se der ao engenhoso trabalho de interrogar as diversas fases da sua existência (sem esquecer qualquer delas, porque talvez fosse essa a que estava destinada a fornecer a prova do que afirmo), não será sem um certo espanto, que noutras circunstâncias seria cómico, que se recordará de que em determinado dia, para começar a falar de coisas objectivas, foi testemunha de qualquer fenómeno que parecia ultrapassar, e positivamente ultrapassava, as noções conhecidas fornecidas pela observação e pela experiência, como, por exemplo, as chuvas de sapos, cujo mágico espectáculo não foi a princípio compreendido pelos sábios. E de que, noutro dia, para falar em segundo e último lugar de coisas subjectivas, a sua alma apresentou ao olhar investigador da psicologia, não vou ao ponto de dizer uma aberração da razão (que, no entanto, não deixaria de ser curiosa; pelo contrário, ainda o seria mais), mas, pelo menos, para não me fazer rogado perante certas pessoas frias, que nunca perdoariam as locubrações flagrantes do meu exagero, um estado desacostumado, muitas vezes gravíssimo, que significa que o limite concedido pelo bom-senso à imaginação é,

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Peço a Paz

Peço a paz
e o silêncio

A paz dos frutos
e a música
de suas sementes
abertas ao vento

Peço a paz
e meus pulsos traçam na chuva
um rosto e um pão

Peço a paz
silenciosamente
a paz a madrugada em cada ovo aberto
aos passos leves da morte

A paz peço
a paz apenas
o repouso da luta no barro das mãos
uma língua sensível ao sabor do vinho
a paz clara
a paz quotidiana
dos actos que nos cobrem
de lama e sol

Peço a paz e o
silêncio

Alma Serena

Alma serena, a consciência pura,
assim eu quero a vida que me resta.
Saudade não é dor nem amargura,
dilui-se ao longe a derradeira festa.

Não me tentam as rotas da aventura,
agora sei que a minha estrada é esta:
difícil de subir, áspera e dura,
mas branca a urze, de oiro puro a giesta.

Assim meu canto fácil de entender,
como chuva a cair, planta a nascer,
como raiz na terra, água corrente.

Tão fácil o difícil verso obscuro!
Eu não canto, porém, atrás dum muro,
eu canto ao sol e para toda a gente.

Balada do Poema que não Há

Quero escrever um poema
Um poema não sei de quê
Que venha todo vermelho
Que venha todo de negro
Às de copas às de espadas
Quero escrever um poema
Como de sortes cruzadas

Quero escrever um poema
Como quem escreve o momento
Cheiro de terra molhada
Abril com chuva por dentro
E este ramo de alfazema
Por sobre a tua almofada
Quero escrever um poema
Que seja de tudo ou nada

Um poema não sei de quê
Que traga a notícia louca
Da história que ninguém crê
Ou esta afta na boca
Esta noite sem sentido
Coisa pouca coisa pouca
Tão aquém do pressentido
Que me dói não sei porquê

Quero um poema ao contrário
Deste estado que padeço
Meu cavalo solitário
A cavalgar no avesso
De um verso que não conheço

Que venha de capa e espada
Ou de chicote na mão
Sobre esta noite acordada
Quero um poema noitada
Um poema até mais não

Quero um poema que diga
Que nada há que dizer
Senão que a noite castiga
Quem procura uma cantiga
Que não é de adormecer

Poema de amor e morte
No reino da Dinamarca
Ser ou não ser eis a sorte
O resto é silêncio e dor
Poema que traga a marca
Do Castelo de Elsenor

Quero o poema que me dê
Aquela música antiga
Da Provença e da Toscânia
Vinho velho de Chianti
Com Ezra Pound em Rapallo
E versos de Cavalcanti
Ou Guilherme de Aquitânia
Dormindo sobre um cavalo

E com ele então dizer
O meu poema está feito
Não sei de quê nem sobre quê

Dormindo sobre um cavalo

Quero o poema perfeito
Que ninguém há-de escrever
Que ele traga a estrela negra
Do canto e da solidão
Ou aquela toutinegra
De Camões quando escrevia
Sôbolos rios que vão

Que venha como um destino
Às de copas às de espadas
Que venha para viver
Que venha para morrer
Se tiver que ser será
E não há cartas marcadas
Só assim poderá ser
O poema que não há

Quando um Homem Quiser

Tu que dormes à noite na calçada do relento
numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
és meu irmão, amigo, és meu irmão

E tu que dormes só o pesadelo do ciúme
numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
e sofres o Natal da solidão sem um queixume
és meu irmão, amigo, és meu irmão

Natal é em Dezembro
mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
é quando um homem quiser
Natal é quando nasce
uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto
que há no ventre da mulher

Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
tu que inventas bonecas e comboios de luar
e mentes ao teu filho por não os poderes comprar
és meu irmão, amigo, és meu irmão

E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
és meu irmão, amigo, és meu irmão

Pronto para Receber a Felicidade

Estava tudo pronto para receber a felicidade,
e tu não vinhas.

Amei-te muito antes de te amar. Éramos o que
os amantes eram e nem precisávamos de
corpo para isso, porque o que dizíamos nos
satisfazia, e sempre que a vida acontecia era um
ao outro que tínhamos de falar. Se há coisa que
temo no mundo é o teu fim. Passo horas a sentir-me
indestrutível, a ter a certeza de que nada me
toca, de que nada me poderá doer o suficiente para
me fazer recuar, e depois vens tu. Tu e a tua imagem
a perder de vista, os teus olhos quando me olhas, a
tua boca quando me falas, e é então que percebo
que sou finito, pobre humano, e desato a chorar à
procura do telefone e de uma palavra tua que
me convença de que ainda existes. É na possibilidade
do teu fim que encontro a humildade.

Era o dia mais lindo de sempre na terra onde eu estava,
e tu não vinhas.

Não se sabe onde acaba o mundo mas eu sei que
a vida acaba no fundo dos teus lábios.

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Ao Longo da Escrita deste Livro

No ano passado, em outubro, talvez a 27, sei que foi a uma terça-feira, a minha mãe incentivou-me a dar um passeio. Há muito que desistiu de me dissuadir dos livros, tanto lês que treslês, mas mantém o hábito de, cuidadosa, depois de bater à porta com pouca força, entrar no meu quarto e perguntar: não te apetece dar um passeio? Na maioria das vezes, não tenho disposição para lhe responder mas, nessa tarde, estava a meio de um capítulo altruísta e decidi fazer-lhe a vontade. O volante do carro, as minhas mãos a sentirem todas as pedras quase como se estivesse a deslizá-las na estrada. Estacionei no campo, a pouca distância de um grupo de homens e mulheres, botas de borracha, que estavam a apanhar azeitona. Espalhavam uma gritaria animada que não se alterou quando saí do carro e me aproximei, boa tarde. Uma vantagem do meu nome é que dispenso alcunha. Olha o Livro, boa tarde. O sol estava a pôr-se. Troquei graças, enquanto dois homens recolheram os panões carregados debaixo da última oliveira e os levaram às costas.
Não esqueço o que vi a seguir. As mulheres dobraram os panões vazios e dispuseram-nos na terra, em forma de corredor.

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