Passagens sobre Estátua

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Frases sobre estátua, poemas sobre estátua e outras passagens sobre estátua para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Responso

I
Num castelo deserto e solitário,
Toda de preto, às horas silenciosas,
Envolve-se nas pregas dum sudário
E chora como as grandes criminosas.

Pudesse eu ser o lenço de Bruxelas
Em que ela esconde as lágrimas singelas.

II
É loura como as doces escocesas,
Duma beleza ideal, quase indecisa;
Circunda-se de luto e de tristezas
E excede a melancólica Artemisa.

Fosse eu os seus vestidos afogados
E havia de escutar-lhe os seu pecados.

III
Alta noite, os planetas argentados
Deslizam um olhar macio e vago
Nos seus olhos de pranto marejados
E nas águas mansíssimas do lago.

Pudesse eu ser a Lua, a Lua terna,
E faria que a noite fosse eterna.

IV
E os abutres e os corvos fazem giros
De roda das ameias e dos pegos,
E nas salas ressoam uns suspiros
Dolentes como as súplicas dos cegos.

Fosse eu aquelas aves de pilhagem
E cercara-lhe a fronte, em homenagem.

V
E ela vaga nas praias rumorosas,
Triste como as rainhas destronadas,

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A desgraça de um artista é nunca estar de consciência tranquila em relação à arte. Fez sempre tudo o que devia por ela? Desbastou a pedra até ao último alento? Ou deixou estátuas inteiras sepultadas na pedreira, por não ter coragem de suar mais?

Uma Obediência Passiva

O homem, bobo da sua aspiração, sombra chinesa da sua ânsia inútil, segue, revoltado e ignóbil, servo das mesmas leis químicas, no rodar imperturbável da Terra, implacavelmente em torno a um astro amarelo, sem esperança, sem sossego, sem outro conforto que o abafo das suas ilusões da realidade e a realidade das suas ilusões. Governa estados, institui leis, levanta guerras; deixa de si memórias de batalhas, versos, estátuas e edifícios. A Terra esfriará sem que isso valha. Estranho a isso, estranho desde a nascença, o soI um dia, se alumiou, deixará de alumiar; se deu vida, dará a si a morte. Outros sistemas de astros e de satélites darão porventura novas humanidades; outras espécies de eternidades fingidas alimentarão almas de outra espécie; outras crenças passarão em corredores longínquos da realidade múltipla. Cristos outros subirão em vão a novas cruzes. Novas seitas secretas terão na mão os segredos da magia ou da Cabala. E essa magia será outra, e essa Cabala diferente. Só uma obediência passiva, sem revoltas nem sorrisos, tão escrava como a revolta, é o sistema espiritual adequado à exterioridade absoluta da nossa vida serva.

Álvaro de

A Lua de Londres

É noite; o astro saudoso
Rompe a custo um plúmbeo céu,
Tolda-lhe o rosto formoso
Alvacento, húmido véu:
Traz perdida a cor de prata,
Nas águas não se retrata,
Não beija no campo a flor,
Não traz cortejo de estrelas,
Não fala d’amor às belas,
Não fala aos homens d’amor.

Meiga lua! os teus segredos
Onde os deixaste ficar?
Deixaste-os nos arvoredos
Das praias d’além do mar?
Foi na terra tua amada,
Nessa terra tão banhada
Por teu límpido clarão?
Foi na terra dos verdores,
Na pátria dos meus amores,
Pátria do meu coração?

Oh! que foi!… deixaste o brilho
Nos montes de Portugal,
Lá onde nasce o tomilho,
Onde há fontes de cristal;
Lá onde viceja a rosa,
Onde a leve mariposa
Se espaneja à luz do sol;
Lá onde Deus concedera
Que em noites de Primavera
Se escutasse o rouxinol.

Tu vens, ó lua, tu deixas
Talvez há pouco o país,
Onde do bosque as madeixas
Já têm um flóreo matiz;
Amaste do ar a doçura,

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Desaprender

Há uma altura em que, depois de se saber tudo, tem de se desaprender. Sucede assim com o escrever. Com o escrever do escritor, entenda-se. Eu, provavelmente poeta, estou a aprender a… desaprender. E para quê e como se desaprende? Para deixar de ronronar, para que o leitor, quando o nosso produto lhe chega às mãos, não exclame, satisfeito ou enfastiado: «- Cá está ele!».
Na verdura dos seus anos, a preocupação do escritor parece ser a da originalidade. Ser-se original é mostrar-se que se é diferente. E as pessoas gostam das primeiras piruetas que um sujeito dá. E o sujeito gosta de que as pessoas vejam nele um talento.
Atenção, vêm aí as receitas, as ideias feitas, os passes de mão, os clichés, os lugares selectos ou, mais comezinhamente, os lugares comuns. O escritor está instalado. Revê-se na sua obra. Começa a abalançar-se a voos mais altos, a mergulhos mais fundos. É a intelectualidade que o chama ao seu seio, o público que o põe, vertical, nas suas prateleiras. Arrumado.
Quase sem dar por isso, o escritor acomodou-se e tornou-se cómodo, quando propendia, nos seus verdes anos, a incomodar-se e a tornar-se incómodo. Organiza «dossiers» com os recortes das críticas que lhe fizeram ao longo da sua carreira (nome,

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Paz

Irreprimível natureza
exacta medida do sem-fim
não atinjas outras distâncias
que existem dentro de mim.

Que os meus outros rostos não sejam
o instável pretexto da minha essência.
Possam meus rios confluir
para o mar duma só consciência.

Quero que suba à minha fronte
a serenidade desta condição:
harmonia exterior à estátua
que sabe que não tem coração.

A Roda da Fortuna

Não se move a roda, sem que a parte que virou para o céu seja maior repuxo para tocar na terra, e a parte que se viu no ar erguida se veja logo da mesma terra pisada, sem outro impulso para descer, mais que com o mesmo movimento com que subiu; por isso a fortuna fez trono da sua mesma roda, porque, como na figura esférica se não conhece nela primeiro nem último lugar, nas felicidades andam sempre em confusão as venturas. Na dita com que se sobe, vai sempre entalhado o risco com que se desce. Não há estrela no céu que mais prognostique a ruína de um grande, que o levantar de sua estrela. Mais depressa se move aos afagos da grandeza que nos lisonjeia, do que aos desfavores com que a fortuna nos abate.
Quanto trabalharam os homens para subir, tantas foram as diligências que fizeram para se arruinarem; porque, como a fortuna (falo com os que não são beneméritos) não costuma subir a ninguém por seus degraus, em faltando degraus para a descida, tudo hão-de ser precipícios; e diferem muito entre si o descer e o cair. Se perguntarmos o por que caiu Roma, o maior império do Mundo,

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Não Ser

Quem me dera voltar à inocência
Das coisas brutas, sãs, inanimadas,
Despir o vão orgulho, a incoerência:
– Mantos rotos de estátuas mutiladas!

Ah! arrancar às carnes laceradas
Seu mísero segredo de consciência!
Ah! poder ser apenas florescência
De astros em puras noites deslumbradas!

Ser nostálgico choupo ao entardecer,
De ramos graves, plácidos, absortos
Na mágica tarefa de viver!

Ser haste, seiva, ramaria inquieta,
Erguer ao sol o coração dos mortos
Na urna de oiro duma flor aberta!…

Requiem para um Defunto Vulgar

Antoninho morreu. Seu corpo resignado
é como um rio incolor, regressando à nascente
num silêncio de espanto e mistério revelado.
Está ali – estando ausente.

Jaz de corpo inteiro e fato preto.
Ele, da cabeça aos pés,
trivial e completo,
estátua de proa e moço de convés.

Jaz como se dormisse (pelo menos
é o que dizem as velhas carpideiras).
Jaz imóvel, sem gestos, sem acenos.
Jaz morto de todas as maneiras.

Jaz morto de cansaço, de pobreza, de fome
(sobretudo, de fome). Jaz morto sem remédio.
É apenas, sobre um papel azul, um nome.
De ser mais qualquer coisa, a morte impede-o.

Jaz alheio a tudo à sua volta,
à grita dos parentes, companheiros,
como um cavalo à rédea solta
ou no mar largo, os rápidos veleiros.

Jaz inútil, feio, pesado,
a colcha de crochet aconchega-o na cama.
Nunca esteve tão quente e animado.
Nunca foi tão menino de mama.

Os filhos olham-no e fazem contas cuidadosas:
padre, enterro, velório, certidão
de óbito… E discutem, com manhas de raposas,

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Projecto de Bodas

Hoje apetece que uma rosa seja
o coração exterior do dia
e a tua adolescência de cereja
no meu bico de Isolda cotovia.

Hoje apetece a intuição dum cais
para a lucidez de não chegar a tempo
e ficarmos violetas nupciais
com a lua a celebrar o casamento.

Apetece uma casa cor-de-rosa
com um galo vermelho no telhado
e os degraus duma seda vagarosa
que nunca chegue à varanda do noivado.

Hoje apetece que o cigarro saiba
a ter fumado uma cidade toda.
Ser o anel onde o teu dedo caiba
e faltarmos os dois à nossa boda.

Hoje apetece um interior de esponja
E como estátua a que moldar o vento.
Deitar as sortes e, se sair monja,
Navegar ao acaso o meu convento.

Hoje apetece o mundo pelo modo
Como vai despenhar-se um trapezista.
Abrir mais uma flor no nosso lodo:
Pedir-lhe um salto e retirar-lhe a pista.

Hoje apetece que a cor dum automóvel
Seja o Egipto de novo em movimento;
E que no espaço duma gota imóvel
Caiba a possível capital do vento.

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Já vês que o casamento é um contrato politico, civil, económico, e higiénico até certo ponto. Enquanto gostei da minha mulher, gostei; depois que a vi muitas vezes sempre com a mesma cara, com a mesma cintura, e com a mesma mão e pé, que me fizeram endoidecer de enthusiasmo, desejei que ela tivesse uma grande mão, um pé inglês, uma cara saloia, e uma cintura mais larga que as espáduas. Como a estátua não se transfigurava, detestei-a… não digo bem… não a detestei como um belo traste dos meus aposentos, mas sim como excrescência matrimonial à minha vida. (…) A mulher com quem se casa é de todas as mulheres aquela com quem menos se casa.

Mais do que Amor

O amor veio afirmar todas as coisas velhas de cuja existência apenas sabia sem nunca ter aceito e sentido. O mundo rodava sob seus pés, havia dois sexos entre os humanos, um traço ligava a fome à saciedade, o amor dos animais, as águas das chuvas encaminhavam-se para o mar, crianças eram seres a crescer, na terra o broto se tornaria planta. Não poderia mais negar… o quê? — perguntava-se suspensa. O centro luminoso das coisas, a afirmação dormindo em baixo de tudo, a harmonia existente sob o que não entendia.

Erguia-se para uma nova manhã, docemente viva. E sua felicidade era pura como o reflexo do sol na água. Cada acontecimento vibrava em seu corpo como pequenas agulhas de cristal que se espedaçassem. Depois dos momentos curtos e profundos vivia com serenidade durante largo tempo, compreendendo, recebendo, resignando-se a tudo. Parecia-lhe fazer parte do verdadeiro mundo e estranhamente ter-se distanciado dos homens. Apesar de que nesse período conseguia estender-lhes a mão com uma fraternidade de que eles sentiam a fonte viva. Falavam-lhe das próprias dores e ela, embora não ouvisse, não pensasse, não falasse, tinha um olhar bom — brilhante e misterioso como o de uma mulher grávida.

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Mãe

Mãe:
Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?

Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.

Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.

Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!

A Vida como Luta entre a Realidade e o Sonho

Somos um sonho divino que não se condensou, por completo, dentro dos nossos limites materiais. Existe, em nós, um limbo interior; um vago sentimental e original que nos dá a faculdade mitológica de idealizar todas as coisas. (…) Se fôssemos um ser definido, seríamos então um ser perfeito, mas limitado, materializado como as pedras. Seríamos uma estátua divina, mas não poderíamos atingir a Divindade. Seríamos uma obra de arte e não vivente criatura, pois a vida é um excesso, um ímpeto para além, uma força imaterial, indefinida, a alma, a imperfeição.
A vida é uma luta entre os seus aspectos revelados e o limbo em que eles se perdem e ampliam até à suprema distância imaginável; uma luta entre a realidade e o sonho, a Carne e o Verbo.
Entre nós, o Verbo não encarnou inteiramente. Somos corpo e alma, verbo encarnado e verbo não encarnado, a matéria e o limbo, o esqueleto de pedra e um fumo que o enconbre e ondula em volta dele, e dança aos ventos da loucura…
E aí tendes um pobre tolo sentimental, uma caricatura elegíaca.
Neste limbo interior, neste infinito espiritual, vive a lembrança de Deus que alimenta a nossa esperança,

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A Realidade não Está nos Livros

Como toda a gente, só disponho de três meios para avaliar a existência humana: o estudo de nós próprios, o mais difícil e o mais perigoso, mas também o mais fecundo dos métodos; a observação dos homens, que na maior parte dos casos fazem tudo para nos esconder os seus segredos ou para nos convencer de que os têm; os livros, com os erros particulares de perspectiva que nascem entre as suas linhas. Li quase tudo quanto os nossos historiadores, os nossos poetas e mesmo os nossos narradores escreveram, apesar de estes últimos serem considerados frívolos, e devo-lhes talvez mais informações do que as que recebi das situações bastante variadas da minha própria vida. A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz humana, assim como as grandes atitudes imóveis das estátuas me ensinaram a apreciar os gestos. Em contrapartida, e posteriormente, a vida fez-me compreender os livros.
Mas estes mentem, mesmo os mais sinceros. Os menos hábeis, por falta de palavras e de frases onde possam abrangê-la, traçam da vida uma imagem trivial e pobre; alguns, como Lucano, tornam-na mais pesada e obstruída com uma solenidade que ela não tem. Outros, pelo contrário, como Petrónio, aligeiram-na, fazem dela uma bola saltitante e vazia,

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O Livro dos Amantes

I

Glorifiquei-te no eterno.
Eterno dentro de mim
fora de mim perecível.
Para que desses um sentido
a uma sede indefinível.

Para que desses um nome
à exactidão do instante
do fruto que cai na terra
sempre perpendicular
à humidade onde fica.

E o que acontece durante
na rapidez da descida
é a explicação da vida.

II

Harmonioso vulto que em mim se dilui.
Tu és o poema
e és a origem donde ele flui.
Intuito de ter. Intuito de amor
não compreendido.
Fica assim amor. Fica assim intuito.
Prometido.

III

Príncipe secreto da aventura
em meus olhos um dia começada e finita.
Onda de amargura numa água tranquila.
Flor insegura enlaçada no vento que a suporta.
Pássaro esquivo em meus ombros de aragem
reacendendo em cadência e em passagem
a lua que trazia e que apagou.

IV

Dá-me a tua mão por cima das horas.
Quero-te conciso.
Adão depois do paraíso
errando mais nítido à distância
onde te exalto porque te demoras.

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Dia de Descanso

Hoje reservo o dia inteiro para chorar
É o domingo decadente    em que muitos
esperam pela morte de pé
É o dia do sarro que vem à boca da mediocridade
circular    dos gestos que andam disfarçados de gestos
dos amores que deram em estribilhos
das correrias pederásticas para o futebol em calções
mais o melhor fato    e a mesquinhez nacional dos 10%
de desconto em todo o vestuário

E choro   choro   porque a coragem
não me falta para tudo isto e assisto
na nega de me ceder ao braço dado

Precisarei de um cansaço mas
lá estavam espertas
as mil e não sei quantas lojas abertas
para mo vender!

Mas hoje é domingo
Lá está o chão reluzente de martírio
e nem já o sonho me dá de graça o ter por não ter
já nem o amor que suponho me dá o sonho de ser

E choro de coragem    isto é
as lágrimas hão-de cair sêcas nas minhas mãos
Falo cristalinamente sozinho
procurando entre as paredes e as varandas que vão cair
algum acaso    isto é
o eco,

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Tenho Medo de Perder a Maravilha

Tenho medo de perder a maravilha
de teus olhos de estátua e aquele acento
que de noite me imprime em plena face
de teu alento a solitária rosa.

Tenho pena de ser nesta ribeira
tronco sem ramos; e o que mais eu sinto
é não ter a flor, polpa, ou argila
para o gusano do meu sofrimento.

Se és o tesouro meu que oculto tenho
se és minha cruz e minha dor molhada,
se de teu senhorio sou o cão,

não me deixes perder o que ganhei
e as águas decora de teu rio
com as folhas do meu outono esquivo.

Tradução de Oscar Mendes