Nevermore
Ah, lembrança, lembrança, que me queres? O Outono
Fazia voar os tordos plo ar desmaiadoE o sol dardejava um monótono raio
No bosque amarelado onde a nortada ecoa.A sonhar caminhávamos os dois, a sós,
Ela e eu, pensamento e cabelos ao vento.
De repente, fitou-me em olhar comovente:
«Qual foi o teu mais belo dia?» disse a vozDe oiro vivo, sonora, em fresco timbre angélico.
Um sorriso discreto deu-lhe a minha réplica
E então, como um devoto, beijei-lhe a mão branca.— Ah! as primeiras flores, como são perfumadas!
E como em nós ressoa o murmúrio vibrante
Desse primeiro sim dos lábios bem-amados!Tradução de Fernando Pinto do Amaral
Passagens sobre Flores
874 resultadosSaudoso já deste Verão que Veio
Saudoso já deste verão que veio,
Lágrimas para as flores dele emprego
Na lembrança invertida
De quando hei de perdê-las.
Transpostos os portais irreparáveis
De cada ano, me antecipo a sombra
Em que hei de errar, sem flores,
No abismo rumoroso.
E colho a rosa porque a sorte manda.
Marcenda, guardo-a; murche-se comigo
Antes que com a curva
Diurna da ampla terra.
Quem não Ama, Desmente a Natureza
Se a flor namora a flor que lhe é vizinha,
Se uma palma com outra enlaça os ramos,
Se nos prados, com cândidos reclamos,
Namora uma avezinha outra avezinha.Se o mundo o seu Autor quando o sustinha,
Nos eixos do poder, que acreditamos,
Na longa rotação que divisamos,
Viu que, para o suster, Amor convinha:Se Amor é um dever que impresso existe
Em tudo que vegeta a redondeza,
Em que o governo universal consiste:Quem se exime de amor e a Amor despreza?
Quem ataca esta Lei? Quem lhe resiste?
Quem não ama, desmente a Natureza.
O Sapo
Não há jardineiro assim,
Não há hortelão melhor
Para uma horta ou jardim,
Para os tratar com amor.É o guarda das flores belas,
da horta mais do pomar;
e enquanto brilham estrelas,
lá anda ele a rondar…Que faz ele? Anda a caçar
os bichos destruidores
que adoecem o pomar
e fazem tristes as flores.Por isso, ficam zangadas
as flores, se se faz mal
a quem as traz tão guardadas
com o seu cuidado leal.E ele guarda as flores belas,
a horta mais o pomar;
brilham no céu as estrelas,
e ele ronda, a trabalhar…E ao pobre sapo, que é cheio
de amor pela terra amiga,
dizem-lhe que é feio
e há quem o mate e persigaMas as flores ficam zangadas,
choram, e dizem por fim:
– «Então ele traz-nos guardadas,
e depois pagam-lhe assim?»E vendo, à noite, passar
o sapo cheio de medo,
as flores, para o consolar,
chamam-lhe lindo, em segredo…
Roseira Brava
Há nos teus olhos um tal fulgor
E no teu riso tanta claridade,
Que o lembrar-me de ti é ter saudade
Duma roseira brava toda em flor.Tuas mãos foram feitas para a dor,
Para os gestos de doçura e piedade;
E os teus beijos de sonho e de ansiedade
São como a alma a arder do próprio Amor!Nasci envolta em trajes de mendiga;
E, ao dares-me o teu amor de maravilha,
Deste-me o manto de oiro de rainha!Tua irmã…teu amor…e tua amiga…
E também, toda em flor, a tua filha,
Minha roseira brava que é só minha!…
Chuva De Ouro
A Rainha desceu do Capitólio
Agora mesmo — vede-lhe o regaço…
Como tem flores, como traz o braço
Farto de jóias, como pisa o sólioTriunfantemente, numa unção, num óleo
Mais santo e doce que essa luz do espaço…
E como desce com bravura de aço…
Pois se a Rainha, como um rico espólio,O seu brioso coração foi dando
Aos pobrezinhos, que inda estão gozando
Bênçãos mais puras qu’os clarões diurnos,Por certo que há de vir descendo a escada
Do Capitólio da virtude — olhada
Pelos Albergues infantis, noturnos!
Porquê Confiar em Si Mesmo?
A confiança só será possível se primeiro tiver confiança em si próprio. E isto deve começar por acontecer dentro de si. Se tiver confiança em si próprio, poderá ter confiança em mim, poderá ter confiança nas pessoas, poderá ter confiança na existência. Mas, se não tiver confiança em si próprio, então nunca mais será possível ter confiança em mais ninguém. E a sociedade corta a confiança pela raiz. Não permite que você confie em si próprio. Ensina-lhe todo o tipo de confiança – confiança nos pais, confiança na Igreja, confiança no Estado, confiança em Deus, ad infinitum. Mas a confiança básica é completamente destruída. E depois qualquer outra confiança será uma impostura, estará destinada a ser uma impostura. E então qualquer outra confiança não passará de meras flores de plástico. Não há em si raízes verdadeiras que lhe permitam fazer nascer flores verdadeiras.
A sociedade faz isso deliberadamente, de propósito, porque um homem que confie em si próprio é perigoso para a sociedade – uma sociedade que depende da escravidão, uma sociedade que investiu demasiadamente na escravidão. Um homem que confie em si próprio é um homem independente. É impossível fazer previsões a seu respeito, ele movimentar-se-á conforme quiser.
Tristeza não tem fim Felicidade sim A felicidade é como a gota De orvalho numa pétala de flor Brilha tranquila Depois de leve oscila E cai como uma lágrima de amor
Madona Da Tristeza
Quando te escuto e te olho reverente
E sinto a tua graça triste e bela
De ave medrosa, tímida, singela,
Fico a cismar enternecidamente.Tua voz, teu olhar, teu ar dolente
Toda a delicadeza ideal revela
E de sonhos e lágrimas estrela
O meu ser comovido e penitente.Com que mágoa te adoro e te contemplo,
Ó da Piedade soberano exemplo,
Flor divina e secreta da Beleza.Os meus soluços enchem os espaços
Quando te aperto nos estreitos braços,
solitária madona da Tristeza!
Sabeis quais são as flores mais lindas de um país? As virtudes de seus habitantes.
Primeiras Vigílias
Dos revoltos lençóis sobre o deserto
Despejava-se, em ondas silenciosas,
O luar dessas noites vaporosas,
De seu lânguido cálix todo aberto.Rangia a cama, e deslizavam, perto
Alvas, femíneas formas ondulosas;
E eu a idear, nas ânsias amorosas,
Uns ombros nus, um colo descoberto.E a gemer: – “Abeirai-vos de meu leito,
Ó sensuais visões da adolescência,
E inflamai-vos na pira em que me inflamo!Fervem paixões despertas no meu peito;
Descai a flor virgínea da inocência,
E irrompe o fruto dolorido… Eu amo!”
A moral é uma planta cujas raízes estão no céu, e cujos frutos e flores embelezam e embalsamam a terra.
Assi, despois, a descorada rosa,
Se reverdece, fica mais fermosa;
Assi, despois do Inverno e seus rigores,
Se mostra a Primavera com mais flores.
Rosa Pálida
Rosa pálida, em meu seio
Vem, querida, sem receio
Esconder a aflita cor.
Ai!, a minha pobre rosa!
Cuida que é menos formosa
Porque desbotou de amor.Pois sim… quando livre, ao vento,
Solta de alma e pensamento,
Forte de tua isenção,
Tinhas na folha incendida
O sangue, o calor e a vida
Que ora tens no coração.Mas não eras, não, mais bela,
Coitada, coitada dela,
A minha rosa gentil!
Coravam-na então desejos,
Desmaiam-na agora os beijos…
Vales mais mil vezes, mil.Inveja das outras flores!
Inveja de quê, amores?
Tu, que vieste dos Céus,
Comparar tua beleza
Às filhas da natureza!
Rosa, não tentes a Deus.E vergonha!… de quê, vida?
Vergonha de ser querida,
Vergonha de ser feliz!
Porquê?… porquê em teu semblante
A pálida cor da amante
A minha ventura diz?Pois, quando eras tão vermelha
Não vinha zângão e abelha
Em torno de ti zumbir?
Não ouvias entre as flores
Histórias dos mil amores
Que não tinhas,
Onde estivestes de noite Que de manhã regressais com o ultramundo nas veias, entre flores abissais?
Proémio
Em nome daquele que a Si mesmo se criou!
De toda eternidade em ofício criador;
Em nome daquele que toda a fé formou,
Confiança, actividade, amor, vigor;
Em nome daquele que, tantas vezes nomeado,
Ficou sempre em essência imperscrutado:Até onde o ouvido e o olhar alcançam,
A Ele se assemelha tudo o que conheces,
E ao mais alto e ardente voo do teu ‘spírito
Já basta esta parábola, esta imagem;
Sentes-te atraído, arrastado alegremente,
E, onde quer que vás, tudo se enfeita em flor;
Já nada contas, nem calculas já o tempo,
E cada passo teu é já imensidade.*
Que Deus seria esse então que só de fora impelisse,
E o mundo preso ao dedo em volta conduzisse!
Que Ele, dentro do mundo, faça o mundo mover-se,
Manter Natureza em Si, e em Natureza manter-Se,
De modo que ao que nele viva e teça e exista
A Sua força e o Seu génio assista.*
Dentro de nós há também um Universo;
Daqui nasceu nos povos o louvável costume
De cada qual chamar Deus,
Para Todo o Sempre
O Poeta morre,
mas não cessa de escrever.Enquanto escreve,
vive
ressuscitando fugidias horas
mudadas em auroras…Uma pequenina flor,
pisada por quem passa,
é agora
um milagre de cor,
uma negaça
de mil desejos…E os beijos
que nunca foram dados,
tornados tão reais…Aquela borboleta
arrasta
infindas primaveras
no seu voo fremente…– Uma palavra mais,
Poeta!
Uma palavra quente!
Uma palavra para todo o sempre!
O Nosso Livro
Livro do meu amor, do teu amor,
Livro do nosso amor, do nosso peito…
Abre-lhe as folhas devagar, com jeito,
Como se fossem pétalas de flor.Olha que eu outro já não sei compor
Mais santamente triste, mais perfeito
Não esfolhes os lírios com que é feito
Que outros não tenho em meu jardim de dor!Livro de mais ninguém! Só meu! Só teu!
Num sorriso tu dizes e digo eu:
Versos só nossos mas que lindos sois!Ah, meu Amor! Mas quanta, quanta gente
Dirá, fechando o livro docemente:
“Versos só nossos, só de nós os dois!…”
Os Versos, que Cantei Importunado
Os versos, que cantei importunado
Da mocidade cega a quem seguia,
Queimei (como vergonha me pedia)
Chorando, por haver tão mal cantado.Se nestes não ficar tão desculpado
Quanto mais alto estilo merecia,
Não me podem negar a melhoria
Da mudança, que diz dum noutro estado.Que vai que sejam bem ou mal aceitos?
Pois não os escrevi para louvores
Humanos, pelo menos perigosos,Senão para plantar em tenros peitos
Desejos de colher divinas flores
À força de suspiros saudosos.
Uma história triste agrada sempre. No seu sentido mais profundo, a vida é bela e alegre. Todos nós tivemos já a experiência disso milhares de vezes. Provas sobre provas de que não há primavera sem flores, nem outono sem frutos. Mas, apegados como estamos à aparência de tudo, esquecemos a voz do profundo, e ouvimos deliciados o som da superfície. Temos o vício da tristeza.