Sou imortal. Nada pode me ferir.
Passagens sobre Imortais
191 resultadosLembranças Apagadas
Outros, mais do que o meu, finos olfatos,
Sintam aquele aroma estranho e belo
Que tu, Ăł LĂrio lânguido, singelo,
Guardaste nos teus Ăntimos recatos.Que outros se lembrem dos sutis e exatos
Traços, que hoje não lembro e não revelo
E se recordem, com profundo anelo,
Da tua voz de siderais contatos…Mas eu, para lembrar mortos encantos,
Rosas murchas de graças e quebrantos,
Linhas, perfil e tanta dor saudosa,Tanto martĂrio, tanta mágoa e pena,
Precisaria de uma luz serene,
De uma luz imortal maravilhosa!…
A Vida Grata
Feliz aquele a quem a vida grata
Concedeu que dos deuses se lembrasse
E visse como eles
Estas terrenas coisas onde mora
Um reflexo mortal da imortal vida.
Feliz, que quando a hora tributária
Transpor seu átrio por que a Parca corte
O fio fiado até ao fim,
Gozar poderá o alto prémio
De errar no Averno grato abrigo
Da convivĂŞncia.Mas aquele que quer Cristo antepor
Aos mais antigos Deuses que no Olimpo
Seguiram a Saturno —
O seu blasfemo ser abandonado
Na fria expiação — até que os Deuses
De quem se esqueceu deles se recordem —
Erra, sombra inquieta, incertamente,
Nem a viúva lhe põe na boca
O Ăłbolo a Caronte grato,
E sobre o seu corpo insepulto
NĂŁo deita terra o viandante.
LIX
Lembrado estou, Ăł penhas, que algum dia,
Na muda solidĂŁo deste arvoredo,
Comuniquei convosco o meu segredo,
E apenas brando o zéfiro me ouvia.Com lágrimas meu peito enternecia
A dureza fatal deste rochedo,
E sobre ele uma tarde triste, e quĂŞdo
A causa de meu mal eu escrevia.Agora torno a ver, se a pedra dura
Conserva ainda intacta essa memĂłria,
Que debuxou entĂŁo minha escultura.Que vejo! esta Ă© a cifra: triste glĂłria!
Para ser mais cruel a desventura,
Se fará imortal a minha história.
NĂŁo temas a morte – quanto mais cedo morreres, mais tempo serás imortal.
LXXV
Clara fonte, teu passo lisonjeiro
Pára, e ouve-me agora um breve instante;
Que em paga da piedade o peito amante
Te será no teu curso companheiro.Eu o primeiro fui, fui o primeiro,
Que nos braços da ninfa mais constante
Pude ver da fortuna a face errante
Jazer por glĂłria de um triunfo inteiro.Dura mĂŁo, inflexĂvel crueldade
Divide o laço, com que a glória, a dita
Atara o gosto ao carro da vaidade:E para sempre a dor ter n’alma escrita,
De um breve bem nasce imortal saudade,
De um caduco prazer mágoa infinita.
A vida é pobre demais para não ser também imortal.
O génio é a faculdade de criar o imortal.
O Deus PĂŁ nĂŁo Morreu
O Deus PĂŁ nĂŁo morreu,
Cada campo que mostra
Aos sorrisos de Apolo
Os peitos nus de Ceres —
Cedo ou tarde vereis
Por lá aparecer
O deus PĂŁ, o imortal.NĂŁo matou outros deuses
O triste deus cristĂŁo.
Cristo Ă© um deus a mais,
Talvez um que faltava.
PĂŁ continua a ciar
Os sons da sua flauta
Aos ouvidos de Ceres
Recumbente nos campos.Os deuses sĂŁo os mesmos,
Sempre claros e calmos,
Cheios de eternidade
E desprezo por nĂłs,
Trazendo o dia e a noite
E as colheitas douradas
Sem ser para nos dar o dia e a noite e o trigo
Mas por outro e divino
PropĂłsito casual.
Lágrimas de Honesta Piedade e Imortal Contentamento
Amor, que o gesto humano na alma escreve,
Vivas faĂscas me mostrou um dia,
Donde um puro cristal se derretia
Por entre vivas rosas a alva neve.A vista, que em si mesma nĂŁo se atreve,
Por se certificar do que ali via,
Foi convertida em fonte, que fazia
A dor ao sofrimento doce e leve.Jura Amor, que brandura de vontade
Causa o primeiro efeito; o pensamento
Endoidece, se cuida que Ă© verdade.Olhai como Amor gera, em um momento,
De lágrimas de honesta piedade
Lágrimas de imortal contentamento.
Flores Velhas
Fui ontem visitar o jardinzinho agreste,
Aonde tanta vez a lua nos beijou,
E em tudo vi sorrir o amor que tu me deste,
Soberba como um sol, serena como um vĂ´o.Em tudo cintilava o lĂmpido poema
Com Ăłsculos rimado Ă s luzes dos planetas:
A abelha inda zumbia em torno da alfazema;
E ondulava o matiz das leves borboletas.Em tudo eu pude ver ainda a tua imagem,
A imagem que inspirava os castos madrigais;
E as vibrações, o rio, os astros, a paisagem,
Traziam-me Ă memĂłria idĂlios imortais.E nosso bom romance escrito num desterro,
Com beijos sem ruĂdo em noites sem luar,
Fizeram-mo reler, mais tristes que um enterro,
Os goivos, a baunilha e as rosas-de-toucar.Mas tu agora nunca, ah! Nunca mais te sentas
Nos bancos de tijolo em musgo atapetados,
E eu nĂŁo te beijarei, Ă s horas sonolentas,
Os dedos de marfim, polidos e delgados…Eu, por nĂŁo ter sabido amar os movimentos
Da estrofe mais ideal das harmonias mudas,
Eu sinto as decepções e os grandes desalentos
E tenho um riso meu como o sorrir de Judas.
Os Feitos Simples sĂŁo os Mais Elogiados e Lembrados
Duas pátrias produziram dois herĂłis: de Tebas saiu HĂ©rcules; de Roma saiu CatĂŁo. Foi HĂ©rcules aplauso da orbe, foi CatĂŁo enfado de Roma. A um admiraram todos, ao outro esquivaram-se os romanos. NĂŁo admite controvĂ©rsia a vantagem que levou CatĂŁo a HĂ©rcules, pois o excedeu em prudĂŞncia; mas ganhou HĂ©rcules a CatĂŁo em fama. Mais de árduo e primoroso teve o assunto de CatĂŁo, pois se empenhou em sujeitar os monstros dos costumes, e HĂ©rcules os da natureza; mas teve mais de famoso o do tebano. A diferença consistiu em que HĂ©rcules empreendeu façanhas plausĂveis e CatĂŁo odiosas. A plausibilidade do cargo levou a glĂłria de Alcides (nome anterior de HĂ©rcules) aos confins do mundo, e passará ainda alĂ©m deles caso se alarguem. O desaprezĂvel do cargo circunscreveu CatĂŁo ao interior das muralhas de Roma.
Com tudo isto, preferem alguns, e nĂŁo os menos judiciosos, o assunto primoroso ao mais plausĂvel, e pode mais com eles a admiração de poucos que o aplauso de muitos, sendo vulgares. Os milagres de ignorantes apelam aos empenhos plausĂveis. O árduo, o primoroso de um superior assunto poucos o percebem, embora eminentes, sendo assim raros os que nele acreditam. A facilidade do plausĂvel permite-se a todos,
Vinho Negro
O vinho negro do imortal pecado
Envenenou nossas humanas veias
Como fascinações de atras sereias
E um inferno sinistro e perfumado.O sangue canta, o sol maravilhado
Do nosso corpo, em ondas fartas, cheias.
como que quer rasgar essas cadeias
Em que a carne o retém acorrentado.E o sangue chama o vinho negro e quente
Do pecado letal, impenitente,
O vinho negro do pecado inquieto.E tudo nesse vinho mais se apura,
Ganha outra graça, forma e formosura,
Grave beleza d’esplendor secreto.
A Vaidade Acompanha-nos Até na Morte
Sendo o termo da vida limitado, nĂŁo tem limite a nossa vaidade; porque dura mais, do que nĂłs mesmos, e se introduz nos aparatos Ăşltimos da morte. Que maior prova, do que a fábrica de um elevado mausolĂ©u? No silĂŞncio de uma urna depositam os homens as suas memĂłrias, para com a fĂ© dos mármores fazerem seus nomes imortais: querem que a sumptuosidade do tĂşmulo sirva de inspirar veneração, como se fossem relĂquias as suas cinzas, e que corra por conta dos jaspes a continuação do respeito. Que frĂvolo cuidado! Esse triste resto daquilo, que foi homem, já parece um Ădolo colocado em um breve, mas soberbo domicĂlio, que a vaidade edificou para habitação de uma cinza fria, e desta declara a inscrição o nome, e a grandeza. A vaidade atĂ© se estende a enriquecer de adornos o mesmo pobre horror da sepultura.
Vivemos com vaidade, e com vaidade morremos; arrancando os últimos suspiros, estamos dispondo a nossa pompa fúnebre, como se em hora tão fatal o morrer não bastasse para ocupação; nessa hora, em que estamos para deixar o mundo, ou em que o mundo está para nos deixar, entramos a compor, e a ordenar o nosso acompanhamento,
MĂŁos
V
Ă“ MĂŁos ebĂşrneas, MĂŁos de claros veios,
Esquisitas tulipas delicadas,
Lânguidas Mãos sutis e abandonadas,
Finas e brancas, no esplendor dos seios.Mãos etéricas, diáfanas, de enleios,
De eflúvios e de graças perfumadas,
RelĂquias imortais de eras sagradas
De amigos templos de relĂquias cheios.
MĂŁos onde vagam todos os segredos,
Onde dos ciĂşmes tenebrosos, tredos,
Circula o sangue apaixonado e forte.Mãos que eu amei, no féretro medonho
Frias, já murchas, na fluidez do Sonho,
Nos mistérios simbólicos da Morte!
Incensos
Dentre o chorar dos trĂŞmulos violinos,
Por entre os sons dos órgãos soluçantes
Sobem nas catedrais os neblinantes
Incensos vagos, que recordam hinos…Rolos d’incensos alvadios, finos
E transparentes, fulgidos, radiantes,
Que elevam-se aos espaços, ondulantes,
Em Quimeras e Sonhos diamantinos.Relembrando turĂbulos de prata
Incensos aromáticos desata
Teu corpo ebĂşrneo, de sedosos flancos.Claros incensos imortais que exalam,
Que lânguidas e lĂmpidas trescalam
As luas virgens dos teus seios brancos.
Eu não quero alcançar a imortalidade por meio da minha obra. Eu quero me tornar imortal não morrendo.
Desafogo
Onde estás, oh Filósofo indefesso
Pio sequaz da rĂgida Virtude,
TĂŁo terna a alheios, quanto a si severa?
Com que mágoa, com que ira olharas hoje
Desprezada dos homens, e esquecida
Aquela ânsia, que em nós pousou Natura
No âmago do peito, — de acudir-nos
Co’as forças, c’o talento, co’as riquezas
Ă€ pena, ao desamparo do homem justo!
Que (baldĂŁo da fortuna inĂqua) os Deuses
Puseram para sĂmbolo do esforço,
Lutando a braços c’o áspero infortĂşnio?
Pedra de toque em que luzisse o ouro
De sua alma viril, onde encravassem
Seus farpões mais agudos as Desgraças,
E os peitos de virtude generosa
Desferissem poderes de árduo auxĂlio?
Que nunca os homens sĂŁo mais sobre-humanos
Mais comparados c’os sublimes Numes,
Que quando acodem com socorro activo,
NĂŁo manchado de sĂłrdido interesse,
Nem do fumo de frĂvola ufania;
Ou cheios de valor e de constância
Arrostam co’a medonha catadura
Da Desgraça, que apura iradas mágoas
Na casa nua do varĂŁo honesto.
Mas Grécia e Roma há muito que acabaram;
E as cinzas dos HerĂłis fortes e humanos,
Apenas há princĂpios imortais, visto que, no dia em que um princĂpio morre, apercebemo-nos de que se tratava simplesmente dum paradoxo.
O Segredo de Salvar-me Pelo Amor
Quem há aà que possa o cálix
De meus lábios apartar?
Quem, nesta vida de penas,
Poderá mudar as cenas
Que ninguém pôde mudar ?Quem possui na alma o segredo
De salvar-me pelo amor?
Quem me dará gota de água
Nesta angustiosa frágua
De um deserto abrasador?Se alguém existe na terra
Que tanto possa, Ă©s tu sĂł!
Tu sĂł, mulher, que eu adoro,
Quando a Deus piedade imploro,
E a ti peço amor e dó.Se soubesses que tristeza
Enluta meu coração,
Terias nobre vaidade
Em me dar felicidade,
Que eu busquei no mundo em vĂŁo.Busquei-a em tudo na terra,
Tudo na terra mentiu!
Essa estrela carinhosa
Que luz à infância ditosa
Para mim nunca luziu.Infeliz desde criança
Nem me foi risonha a fé;
Quando a terra nos maltrata,
Caprichosa, acerba e ingrata,
Céu e esperança nada é.Pois a ventura busquei-a
No vivo anseio do amor,
Era ardente a minha alma;
Conquistei mais de uma palma
Ă€ custa de muita dor.