O Meu Primeiro Poema
Têm-me perguntado muitas vezes quando escrevi o primeiro poema, quando nasceu a minha poesia. Tentarei recordá-lo. Muito para trás, na minha infância, mal sabendo ainda escrever, senti uma vez uma intensa comoção e rabisquei umas quantas palavras semi-rimadas, mas estranhas para mim, diferentes da linguagem quotidiana. Passei-as a limpo num papel, dominado por uma ansiedade profunda, um sentimento até então desconhecido, misto de angústia e de tristeza. Era um poema dedicado à minha mãe, ou seja, àquela que conheci como tal, a angélica madrasta cuja sombra suave me protegeu toda a infância. Completamente incapaz de julgar a minha primeira produção, levei-a aos meus pais. Eles estavam na sala de jantar, afundados numa daquelas conversas em voz baixa que dividem mais que um rio o mundo das crianças e o dos adultos. Estendi-lhes o papel com as linhas, tremente ainda da primeira visita da inspiração. O meu pai, distraidamente, tomou-o nas mãos, leu-o distraidamente, devolveu-mo distraidamente, dizendo-me:
— Donde o copiaste?E continuou a falar em voz baixa com a minha mãe dos seus importantes e remotos assuntos. Julgo recordar que nasceu assim o meu primeiro poema e que assim tive a primeira amostra distraída de crítica literária.
Passagens sobre Linhas
221 resultadosToda linha reta é o arco de um círculo infinito.
Vimos do Tempo da Falta Mínima
Vimos do tempo da falta mínima
da casa construindo as folhas de quadrícula
(quando um traço mais que expressivo preenche
o vazio de uma folha)
nem beleza nem fim
nem número ordenador como fantasma.Todas as memórias partilhámos
a ruína compreende tudo.
Compreender quer dizer abraçar
(linhas e cruzamentos na procura da folha)
o mundo inteiro nos é dado.Mais tarde (mais além
dois furos a passagem para o útil)
as dunas darão lugar a campos cultivados?
Quero dizer
não rejeito do movimento toda a impaciência
toda a dissolução.
(pouco a pouco) Até onde podemos ir?
As Minhas Mãos
As minhas mãos magritas, afiladas,
Tão brancas como a água da nascente,
Lembram pálidas rosas entornadas
Dum regaço de Infanta do Oriente.Mãos de ninfa, de fada, de vidente,
Pobrezinhas em sedas enroladas,
Virgens mortas em luz amortalhadas
Pelas próprias mãos de oiro do sol-poente.Magras e brancas… Foram assim feitas…
Mãos de enjeitada porque tu me enjeitas…
Tão doces que elas são! Tão a meu gosto!Pra que as quero eu – Deus! – Pra que as quero eu?!
Ó minhas mãos, aonde está o céu?
…Aonde estão as linhas do teu rosto?
Deus escreve os tortos por linhas direitas.
Nada é Tão Fatigante Como a Indecisão
A fadiga (do homem da cidade) é devida a inquietações que poderiam ser evitadas por uma melhor filosofia da vida e um pouco mais de disciplina mental. A maior parte dos homens e mulheres não governam eficazmente os seus pensamentos. Quero com isto dizer que eles não podem deixar de pensar nos assuntos que os atormentam, mesmo quando nesse momento nenhuma solução lhes podem dar. Os homens levam muitas vezes para a cama as suas inquietações em matérias de negócios e, durante a noite, quando deviam ganhar novas forças para enfrentar os dissabores do dia seguinte, é nelas que pensam, repetidas vezes, embora nesse instante nada possam fazer; e pensam nos problemas que os inquietam, não de forma a encontrar uma linha de conduta firme para o dia seguinte, mas nessa semi-demência que caracteriza as agitadas meditações da insónia.
De manhã, qualquer coisa dessa demência nocturna persiste ainda neles, obscurece-lhes o julgamento, rouba-lhes a calma, de forma que qualquer obstáculo os enfurece. O homem sensato só pensa nas suas inquietações quando julga de interesse fazê-lo; no restante tempo pensa noutras coisas e à noite não pensa em coisa nenhuma. Não quero dizer que numa grande crise, por exemplo, quando a ruína está iminente,
A cabra vai pela linha: por onde vai a mãe, vai a filhinha.
Amizade
Ser-se amigo é ser-se pai
( — Ou mais do que pai talvez…)
É pôr-se a boca onde cai
A nódoa que nos desfez.É dar sem receber nada,
Consciente da prisão,
Onde os nossos passos vão
Em linha por nós traçada…É saber que nos consome
A sede, e sentirmos bem
O Céu, por na Terra, alguém
Rir, cantar e não ter fome.É aceitar a mentira
E achá-la formosa e humana
Só porque a gente respira
O ar de quem nos engana.
Posso perdoar a força bruta, mas a razão bruta é uma coisa irracional. É bater abaixo da linha do intelecto.
O Grito
Corria pela rua acima quando a súbita explosão dum grito o fez parar instantaneamente. Todo o seu corpo estremeceu. O que ele desde sempre receara acabara de ocorrer: algures, nesse momento, uma caneta começara a deslizar sobre uma folha de papel, dando assim corpo àquele grito que de há muito, como as esculturas no interior da pedra, se mantinha na expectativa desse simples gesto dum escritor para atingir a realidade. Tapou os ouvidos com as mãos. O grito mais não era que um sinal, mas o que esse sinal lhe transmitia deixava-o aterrado. Acabara de ser posta a funcionar uma engrenagem que a partir de agora nada nem ninguém, e muito menos ele, iria alguma vez poder travar, um mecanismo de que ele próprio iria inapelavelmente ser a maior vítima. Mais tarde ou mais cedo isso teria de se dar, mas agora que, sem qualquer aviso prévio, se soubera propulsado para outra dimensão da sua vida, como se os fios que a governavam tivessem repentinamente mudado de mãos, o facto de há longo tempo o pressentir não o impediu de olhar à sua volta com estranheza, uma estranheza que antes de mais nascia de tudo à primeira vista ter ficado como estava,
Esta expressão «Leitura», há cem anos, sugeria logo a imagem de uma livraria silenciosa, com bustos de Platão e de Séneca, uma ampla poltrona almofadada, uma janela aberta sobre os aromas de um jardim: e neste retiro austero de paz estudiosa, um homem fino, erudito, saboreando linha a linha o seu livro, num recolhimento quase amoroso. A ideia da leitura, hoje, lembra apenas uma turba folheando páginas à pressa, no rumor de uma praça.
A necessidade da opção sempre me foi intolerável; escolher não era bem eleger que se me afigurava, e sim rechaçar o que não elegia. Compreendia apavoradamente a estreiteza das horas, e que o tempo só tem uma dimensão; era uma linha que eu desejara espaçosa e meus desejos nela correndo, uns aos outros prejudicavam necessariamente. Eu não fazia senão isto ou aquilo. […] Escolher fora renunciar para sempre todo o resto, e a quantidade numerosa desse resto continuava preferível a qualquer unidade.
Mas a linha que separa o bem do mal, cruza o coração de cada ser humano. E quem pode destruir um pedaço de seu coração?
Existem hoje na terra dois grandes povos que, a partir de pontos diferentes, parecem avançar para o mesmo objetivo: são os russos e os anglo-americanos. Ambos cresceram no escuro, e quando a atenção da humanidade foi dirigido em outros lugares, eles são subitamente colocado na linha da frente das nações e o mundo aprendeu sobre o tempo, a sua existência e sua grandeza. Todas as outras nações parecem ter atingido quase os limites chamou a natureza, e só tinha de manter, mas eles estão crescendo: todos os outros são presos ou avançar com extrema dificuldade; caminham sozinhos com facilidade e rapidez ao longo de um caminho cujo limite ainda não é conhecido.
Linha Curva: O caminho mais agradável entre dois pontos.
Nas nossas democracias a ânsia da maioria dos mortais é alcançar em sete linhas o louvor do jornal. Para se conquistarem essas sete linhas benditas, os homens praticam todas as acções – mesmo as boas.
Regras Gerais da Arte da Guerra
Estou consciente de vos ter falado de muitas coisas que por vós mesmos haveis podido aprender e ponderar. Não obstante, fi-lo, como ainda hoje vos disse, para melhor vos poder mostrar, através delas, os aspectos formais desta matéria,e, ainda, para satisfazer aqueles – se fosse esse o caso – que não tivessem tido, como vós, a oportunidade de sobre elas tomar conhecimento. Parece-me que, agora, já só me resta falar-vos de algumas regras gerais, com as quais deveis estar perfeitamente identificados. São as seguintes:
– Tudo o que é útil ao inimigo é prejudicial para ti, e, tudo o que te é útil prejudica o inimigo.
– Aquele que, na guerra, for mais vigilante a observar as intenções do inimigo e mais empenho puser na preparação do seu exército, menos perigos correrá e mais poderá aspirar à vitória.
– Nunca leves os teus soldados para o campo de batalha sem, previamente, estares seguro do seu ânimo e sem teres a certeza de que não têm medo e estão disciplinados e convictos de que vão vencer.
– É preferível vencer o inimigo pela fome do que pelas armas. A vitória pelas armas depende muito mais da fortuna do que da virtude.
As Infelizes Necessidades do Homem Civilizado
Um autor célebre, calculando os bens e os males da vida humana, e comparando as duas somas, achou que a última ultrapassa muito a primeira, e que tomando o conjunto, a vida era para o homem um péssimo presente. Não fiquei surpreendido com a conclusão; ele tirou todos os seus raciocínios da constituição do homem civilizado. Se subisse até ao homem natural, pode-se julgar que encontraria resultados muito diferentes; porque perceberia que o homem só tem os males que se criou para si mesmo, o que à natureza se faria justiça. Não foi fácil chegarmos a ser tão desgraçados. Quando, de um lado, consideramos o imenso trabalho dos homens, tantas ciências profundas, tantas artes inventadas, tantas forças empregadas, abismos entulhados, montanhas arrasadas, rochedos quebrados, rios tornados navegáveis, terras arroteadas, lagos cavados, pantanais dissecados, construções enormes elevadas sobre a terra, o mar coberto de navios e marinheiros, e quando, olhando do outro lado, procuramos, meditando um pouco as verdadeiras vantagens que resultaram de tudo isso para a felicidade da espécie humana, só nos podemos impressionar com a espantosa desproporção que reina entre essas coisas, e deplorar a cegueira do homem, que, para nutrir o seu orgulho louco, não sei que vã admiração de si mesmo,
Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte? ? O que eu vejo é o beco
A Esterilidade do Quotidiano
Rara será a existência que actualmente se não deixe balouçar ao sabor das correntes, cada hora impelida a um rumo diferente pela última notícia que se leu ou pela última conversa que se teve. Sem fim a que aponte, a alma da maioria dos homens flutua na vida com a fraca vontade e a gelatinosa consistência das medusas; um dia se sucede a outro dia sem que o viver represente uma conquista, sem que a manhã que renasce seja uma criação do nosso próprio espírito e não o fenómeno exterior que passivamente se aceita e que por hábito nos impele a um determinado número de acções; desfez-se a crença em que o mundo é formado pelo homem, em que o reino de Deus terá de ser obtido, não como uma dádiva dependente do arbítrio de um ente superior, mas como a paciente, firme, contínua construção dos seus futuros habitantes. Daí a facilidade das entregas aos que ainda aparecem com dedos de escultor, daí os desânimos e as indiferenças, daí o supor-se que apenas surgimos no mundo para nos garantirmos, diariamente, um almoço, um jantar e uma casa; perdem-se as almas nas tarefas inferiores do existir, nenhuma grande aspiração de beleza,