A mágoa aparta amor.
Passagens sobre Mágoa
243 resultadosNão Tarda Nada Sermos
Breve o dia, breve o ano, breve tudo.
Não tarda nada sermos.
Isto, pensado, me de a mente absorve
Todos mais pensamentos.
O mesmo breve ser da mágoa pesa-me,
Que, inda que mágoa, é vida.
Noemi
Eu quisera saber em que ela pensa,
Esta mimosa e santa criatura
Quando indeciso o seu olhar procura
Alguma estrela pelo Azul suspensa;E que tristeza, indefinida, imensa,
Do seu olhar na flama, ardente e pura,
Intérmina e suave se condensa
Como as brumas no Céu em noite escura.Pobre criança! Que infinita mágoa
Punge-te o seio e te anuvia os olhos
– Benditos olhos sempre rasos d’água! –Choras… E o mundo te oferece flores…
Deixa os espinhos, lágrimas e abrolhos,
Só para mim, que só conheço dores!
LVII
Bela imagem, emprego idolatrado,
Que sempre na memória repetido,
Estás, doce ocasião de meu gemido,
Assegurando a fé de meu cuidado.Tem-te a minha saudade retratado;
Não para dar alívio a meu sentido;
Antes cuido; que a mágoa do perdido
Quer aumentar coa pena de lembrado.Não julgues, que me alento com trazer-te
Sempre viva na idéia; que a vingança
De minha sorte todo o bem perverte.Que alívio em te lembrar minha alma alcança,
Se do mesmo tormento de não ver-te,
Se forma o desafogo da lembrança ?
Em Flor Vos Arrancou, De Então Crecida
Em flor vos arrancou, de então crescida
(Ah! senhor dom António!), a dura sorte,
donde fazendo andava o braço forte
a fama dos Antigos esquecida.üa só razão tenho conhecida
com que tamanha mágoa se conforte:
que, pois no mundo havia honrada morte,
que não podíeis ter mais larga a vida.Se meus humildes versos podem tanto
que co desejo meu se iguale a arte,
especial matéria me sereis.E, celebrado em triste e longo canto,
se morrestes nas mãos do fero Marte,
na memória das gentes vivereis.
Árvores Do Alentejo
Ao Prof. Guido Batelli
Horas mortas… Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido… e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!E quando, manhã alta, o sol pospoente
A oiro, a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
– Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!
Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem, são os que são absurdos – a ânsia de coisas impossíveis, precisamente porque são impossíveis, a saudade do que nunca houve, o desejo do que poderia ter sido, a mágoa de não ser outro, a insatisfação da existência do mundo.
Náiades, Vós que os Rios Habitais
Náiades, vós que os rios habitais
Que os saudosos campos vão regando,
De meus olhos vereis estar manando
Outros que quase aos vossos são iguais.Dríades, que com seta sempre andais
Os fugitivos cervos derribando,
Outros olhos vereis, que triunfando
Derribam corações, que valem mais.Deixai logo as aljavas e águas frias,
E vinde, Ninfas belas, se quereis,
A ver como de uns olhos nascem mágoas.Notareis como em vão passam os dias;
Mas em vão não vireis, porque achareis
Nos seus as setas, e nos meus as águas.
II
Celeste… É assim, divina, que te chamas.
Belo nome tu tens, Dona Celeste…
Que outro terias entre humanas damas,
Tu que embora na terra do céu vieste?Celeste… E como tu és do céu não amas:
Forma imortal que o espírito reveste
De luz, não temes sol, não temes chamas,
Porque és sol, porque és luar, sendo celeste.Incoercível como a melancolia,
Andas em tudo: o sol no poente vasto
Pede-te a mágoa do findar do dia.E a lua, em meio à noite constelada,
Pede-te o luar indefinido e casto
Da tua palidez de hóstia sagrada.
Esqueço-Me Das Horas Transviadas
Esqueço-me das horas transviadas
o Outono mora mágoas nos outeiros
E põe um roxo vago nos ribeiros…
Hóstia de assombro a alma, e toda estradas…Aconteceu-me esta paisagem, fadas
De sepulcros a orgíaco… Trigueiros
Os céus da tua face, e os derradeiros
Tons do poente segredam nas arcadas…No claustro seqüestrando a lucidez
Um espasmo apagado em ódio à ânsia
Põe dias de ilhas vistas do convésNo meu cansaço perdido entre os gelos
E a cor do outono é um funeral de apelos
Pela estrada da minha dissonância…
Prazo de Vida
No meio do mundo faz frio,
faz frio no meio do mundo,
muito frio.Mandei armar o meu navio.
Volveremos ao mar profundo,
meu navio!No meio das águas faz frio.
Faz frio no meio das águas,
muito frio.Marinheiro serei sombrio,
por minha provisão de mágoas.
Tão sombrio!No meio da vida faz frio,
faz frio no meio da vida.
Muito frio.O universo ficou vazio,
porque a mão do amor foi partida
no vazio.
Em Prisões Baixas Fui Um Tempo Atado
Em prisões baixas fui um tempo atado,
vergonhoso castigo de meus erros;
inda agora arrojando levo os ferros
que a Morte, a meu pesar, tem já quebrado.Sacrifiquei a vida a meu cuidado,
que Amor não quer cordeiros, nem bezerros;
vi mágoas, vi misérias, vi desterros:
parece me que estava assi ordenado.Contentei me com pouco, conhecendo
que era o contentamento vergonhoso,
só por ver que cousa era viver ledo.Mas minha estrela, que eu já’gora entendo,
a Morte cega, e o Caso duvidoso,
me fizeram de gostos haver medo.
Faróis
Faróis distantes,
De luz subitamente tão acesa,
De noite e ausência tão rapidamente volvida,
Na noite, no convés, que conseqüências aflitas!
Mágoa última dos despedidos,
Ficção de pensar…Faróis distantes…
Incerteza da vida…
Voltou crescendo a luz acesa avançadamente,
No acaso do olhar perdido…Faróis distantes…
A vida de nada serve…
Pensar na vida de nada serve…
Pensar de pensar na vida de nada serve…Vamos para longe e a luz que vem grande vem menos grande.
Faróis distantes …
Fuga
O músico procura
Fixar em cada verso
O cântico disperso
Na luz, na água e no vento.Porém, luz, vento e água
Variam riso e mágoa,
De momento a momento.E em vão a área dos dedos
Se eleva! Não traduz
Os súbitos segredos
Escondidos no vento,
Nas águas e na luz…
Incontentado
Paixão sem grita, amor sem agonia,
Que não oprime nem magoa o peito,
Que nada mais do que possui queria,
E com tão pouco vive satisfeito.Amor, que os exageros repudia,
Misturado de estima e de respeito,
E, tirando das mágoas alegria,
Fica farto, ficando sem proveito.Viva sempre a paixão que me consome,
Sem uma queixa, sem um só lamento!
Arda sempre este amor que desanimas!Eu eu tenha sempre, ao murmurar teu nome,
O coração, malgrado o sofrimento,
Como um rosal desabrochado em rimas.
Comparação
“Eu sou fraca e pequena…”
Tu me disseste um dia.
E em teu lábio sorria
Uma dor tão serena,Que em mim se refletia
Amargamente amena,
A encantadora pena
Que em teus olhos fulgia.Mas esta mágoa, o tê-la
É um engano profundo.
Faze por esquecê-la:Dos céus azuis ao fundo
É bem pequena a estrela… e
E no entretanto – é um mundo!
A Louca
A Dias Paredes
Quando ela passa: – a veste desgrenhada,
O cabelo revolto em desalinho,
No seu olhar feroz eu adivinho
O mistério da dor que a traz penada.Moça, tão moça e já desventurada;
Da desdita ferida pelo espinho,
Vai morta em vida assim pelo caminho,
No sudário de mágoa sepultada.Eu sei a sua história. – Em seu passado
Houve um drama d’amor misterioso
– O segredo d’um peito torturado –E hoje, para guardar a mágoa oculta,
Canta, soluça – coração saudoso,
Chora, gargalha, a desgraçada estulta.
O Florir
O florir do encontro casual
Dos que hão sempre de ficar estranhos…O único olhar sem interesse recebido no acaso
Da estrangeira rápida …O olhar de interesse da criança trazida pela mão
Da mãe distraída…As palavras de episódio trocadas
Com o viajante episódico
Na episódica viagem …Grandes mágoas de todas as coisas serem bocados…
Caminho sem fim…
A partir desta data, Aquela mágoa sem remédio É considerada nula E sobre ela, silêncio perpétuo.
Se te Queres Matar
Se te queres matar, por que não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria…
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por atores de convenções e poses determinadas,
O circo policromo do nosso dinamismo sem fím?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente…
Talvez, acabando, comeces…
E, de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém…
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te…
Talvez peses mais durando, que deixando de durar…A mágoa dos outros?… Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão…
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,