Não é a religião que nasce da moral; é a moral que nasce da religião.
Passagens sobre Moral
498 resultadosA Importância da Arte
A arte é, provavelmente, uma experiência inútil; como a «paixão inútil» em que cristaliza o homem. Mas inútil apenas como tragédia de que a humanidade beneficie; porque a arte é a menos trágica das ocupações, porque isso não envolve uma moral objectiva. Mas se todos os artistas da terra parassem durante umas horas, deixassem de produzir uma ideia, um quadro, uma nota de música, fazia-se um deserto extraordinário. Acreditem que os teares paravam, também, e as fábricas; as gares ficavam estranhamente vazias, as mulheres emudeciam. A arte é, no entanto, uma coisa explosiva. Houve, e há decerto em qualquer lugar da terra, pessoas que se dedicam à experiência inútil que é a arte, pessoas como Virgílio, por exemplo, e que sabem que o seu silêncio pode ser mortal. Se os poetas se calassem subitamente e só ficasse no ar o ruído dos motores, porque até o vento se calava no fundo dos vales, penso que até as guerras se iam extinguindo, sem derrota e sem vitória, com a mansidão das coisas estéreis. O laço da ficção, que gera a expectativa, é mais forte do que todas as realidades acumuláveis. Se ele se quebra, o equilíbrio entre os seres sofre grave prejuízo.
O pior governo é o mais moral. Um governo composto de cínicos é frequentemente mais tolerante e humano. Mas, quando os fanáticos tomam o poder, não há limite para a opressão.
A vida ensina que a moral das fábulas é imoral.
Um Único Poema
Quando olho para esse livro («Poesia Toda»), vejo que não fabriquei ou instruí ou afeiçoei objectos — estas palavras não supõem o mesmo modo de fazer—, vejo que escrevi apenas um poema, um poema em poemas; durante a vida inteira brandi em todas as direcções o mesmo aparelho, a mesma arma furiosa. Fui um inocente, porque só se consegue isso com inocência. E se a inocência é uma condição insubstituível de escândalo, uma transparente e mobilizadora familiaridade com a terra, constitui também um revés: pois há uma altura em que se sabe: as coisas ludibriaram-nos, ludibriámo-nos nas coisas; a inocência deveria ter-nos oferecido uma vida estupenda, um tumulto: o ar em torno proporcionado como pura levitação; ver, tocar; os mais simples actos e factos próximos como instantâneo e completo conhecimento. Era assim, foi assim, mas a dor, as vozes demoníacas, o abismo junto à dança, a noite que se vai insinuando a toda a altura e largura da luz, tudo Isso invade a inocência — e então já não sabemos nada, por exemplo: será inocente a nossa inocência? A inocência é um estado clandestino na ditadura do mundo; tem se der astuta, tem de recorrer a todas as torpezas para lutar e escapar,
Os jovens têm noções exaltadas, porque ainda não foram humilhados pela vida ou aprenderam suas limitações necessárias, além disso, sua disposição esperançosa faz pensar-se igual a grandes coisas, e isso significa ter noções exaltadas. Eles sempre preferem fazer ações nobres do que os úteis: Suas vidas são reguladas mais pelo sentimento moral do que pelo raciocínio… Todos os seus erros são no sentido de fazer as coisas em excesso e com veemência. Eles exageram em tudo, eles amam muito, odeio muito, e assim com todo o resto.
Sem Poesia Não Há Humanidade
Sem Poesia não há Humanidade. É ela a mais profunda e a mais etérea manifestação da nossa alma. A intuição poética ou orfaica antecede, como fonte original, o conhecimento euclidiano ou científico. E nos dá o sentido mais perfeito e harmónico da vida. Aperfeiçoando o ser humano, afasta-o do antropóide e aproxima-o dos antropos. Que a mocidade actual, obcecada pela bola e pelo cinema, reduzida quase a uma fotografia peculiar e uma espécie de máquina de fazer pontapés, despreza o seu aperfeiçoamento moral; e, com o seu fato de macaco, prefere regressar à Selva a regressar ao Paraíso. E assim, igualando-se aos bichos, mente ao seu destino, que é ser o coração e a consciência do Universo: o sagrado coração e o santo espírito. Eis o destino do homem, desde que se tornou consciente. E tornou-se consciente, porque tal acontecimento estava contido nas possibilidades da Natureza. Sim, a nossa consciência é a própria Natureza numa autocontemplação maravilhosa. Ou é o próprio Criador numa visão da sua obra, através do homem. E, vendo-a, desejou corrigi-la, transfigurando-se em Redentor.
A Base e o Progresso da Civilização
Os homens mais felizes e mais úteis são feitos de um conjunto harmonioso de actividades intelectuais e morais. E é a qualidade destas actividades e a igualdade do seu desenvolvimento que que conferem a este tipo a sua superioridade sobre os outros. Mas a sua intensidade determina o nível social de um dado indivíduo e faz dele um comerciante ou um director de banco, um pequeno médico ou um professor célebre, um presidente de uma junta de freguesia ou um presidente dos Estados Unidos. O desenvolvimento de seres humanos completos dever ser o objectivo dos nossos esforços. Só neles pode assentar uma civilização sólida.
Existe ainda uma classe de homens que, apesar de tão desarmónicos como os criminosos e os loucos, são indispensáveis à sociedade moderna. São os génios. Estes indivíduos caracterizam-se pelo crescimento monstruoso de uma das actividades psicológicas. Um grande artista, um grande cientista, um grande filósofo é geralmente um homem comum em que uma função se hipertrofiou. Pode também ser comparado a um tumor que se tivesse desenvolvido num organismo normal. Estes seres não equilibrados são, em geral, infelizes. Mas produzem grandes obras, das quais toda a sociedade beneficia. A sua desarmonia gera o progresso da civilização.
Vivemos num individualismo muito cru. As pessoas são levadas a acreditar que a promoção do conforto físico e das aparências é o que mais conta. Existe uma desvalorização do conforto afectivo e moral. Existe a ideia errada de que podemos ser felizes sozinhos ou, pior ainda, contra os outros.
Ah, a Moral!
Ah, a palavra «moral»! Sempre que aparece, penso nos crimes que foram cometidos em seu nome. As confusões que este termo engendrou abarcam quase toda a história das perseguições movidas pelo homem ao seu semelhante. Para além do facto de não existir apenas uma moral, mas muitas, é evidente que em todos os países, seja qual for a moral dominante, há uma moral para o tempo de paz e uma moral para a guerra. Em tempo de guerra tudo é permitido, tudo é perdoado. Ou seja, tudo o que de abominável e infame o lado vencedor praticou. Os vencidos, que servem sempre de bode expiatório, «não têm moral».
Pensar-se-á que, se realmente glorificássemos a vida e não a morte, se déssemos valor à criação e não à destruição, se acreditássemos na fecundidade e não na impotência, a tarefa suprema em que nos empenharíamos seria a da eliminação da guerra. Pensar-se-á que, fartos de carnificina, os homens se voltariam contra os assassinos, ou seja, os homens que planeiam a guerra, os homens que decidem das modalidades da arte da guerra, os homens que dirigem a indústria de material de guerra, material que hoje se tornou indescrivelmente diabólico. Digo «assassinos», porque em última análise esses homens não são outra coisa.
A Minha Luta
A minha luta é para encontrar o centro, o núcleo de toda uma infinidade de justificações, que superficialmente parecem satisfazer-me e são, afinal, folhas caducas do meu tronco. Determinar, numa palavra, que causa última me conduz, que força polariza os meus actos. Mas estou longe dessa descoberta. Eliminei o divino, porque era divino e eu sou humano; superei o pecado, porque viver sem pecado era um absurdo moral; e consegui perceber que a vida não é trágica por estar balizada pelo nascimento e pela morte, que são condições de existência e não condenações dela. Contudo, nada resolvi. Continua a escapar-me das mãos a sombra de um fantasma paradoxal. Uma sombra que é uma pura alucinação dos sentidos, que sabem que apenas o real lhes merece crédito, e, sobretudo, da razão, que sabe que a única consciência do mundo é ela própria, princípio e fim de si mesma.
Quando encontrares um moralista, considera-o com respeito, a uma prudente distância; porque a moral é como a estricnina: vive na carne do porco.
A Moral entre a Verdade e a Subjectividade
Um homem que busca a verdade torna-se sábio; um homem que pretende dar rédea solta à sua subjectividade torna-se, talvez, escritor; e que fará um homem que busca algo que se situa entre essas duas hipóteses? Mas tais exemplos, os de algo que está «entre», encontramo-los em qualquer sentença moral, a começar pela mais simples e mais conhecida: «não matarás». Vê-se imediatamente que não é nem uma verdade nem uma experiência subjectiva. Sabe-se que, em muitos aspectos, nos conformamos estritamente a ela, mas que, por outro lado, se aceitam numerosas excepções, ainda que perfeitamente delimitadas; no entanto, num grande número de casos de um terceiro tipo – por exemplo na imaginação, na esfera dos desejos, nas peças de teatro ou no prazer que experimentamos ao ler as notícias dos jornais – deixamo-nos oscilar descontroladamente entre a aversão e a atracção.
Por vezes aquilo a que não podemos chamar nem verdade nem experiência pessoal recebe o nome de imperativo. Tais imperativos foram associados aos dogmas da religião ou da lei, concedendo-lhes assim o carácter de uma verdade derivada, mas os romancistas narram as excepções, a começar pelo sacrifício de Abraão e terminando na bela mulher jovem que matou o amante a tiro,
Um revolucionário pode perder tudo: a família, a liberdade, até a vida. Menos a moral.
Insensível: dotado de grande força moral para enfrentar os problemas que acontecem aos outros.
A Solidão é Necessária ao Convívio
As pessoas estão prontas a viver em bom entendimento, mas não querem ser viciadas em agradar. A condição humana assenta num pressuposto equilibrado: a vida agrada a uns e desagrada a outros. Há uma parte da solidão que não podemos compor, e é melhor que assim seja, porque é na solidão que assenta a diferença tão falada. É isso que se receia: que nos proíbam a solidão, esse pequeno espinho que afinal nos faz solidários na multidão. Observem um grupo de pessoas que ri da mesma anedota: estão abertas a esse prazer do momento, mas não se distraem da faculdade de serem sós na sua fundamental forma de orgulho que é serem únicas. A moral consta duma certa dose de cortesia para parecermos bons. «Só Deus é bom.» Se percebermos esta conclusão, percebemos que imitar o bem é tudo o que humanamente nos é permitido.
A moral desinteressada, pela moral só, é misticismo, não é natural nem normal.
A Sociedade é um Sistema de Egoísmos Maleáveis
A sociedade é um sistema de egoísmos maleáveis, de concorrências intermitentes. Como homem é, ao mesmo tempo, um ente individual e um ente social. Como indivíduo, distingue-se de todos os outros homens; e, porque se distingue, opõe-se-lhes. Como sociável, parece-se com todos os outros homens; e, porque se parece, agrega-se-lhes. A vida social do homem divide-se, pois, em duas partes: uma parte individual, em que é concorrente dos outros, e tem que estar na defensiva e na ofensiva perante eles; e uma parte social, em que é semelhante dos outros, e tem tão-somente que ser-lhes útil e agradável. Para estar na defensiva ou na ofensiva, tem ele que ver claramente o que os outros realmente são e o que realmente fazem, e não o que deveriam ser ou o que seria bom que fizessem. Para lhes ser útil ou agradável, tem que consultar simplesmente a sua mera natureza de homens.
A exacerbação, em qualquer homem, de um ou o outro destes elementos leva à ruína integral desse homem, e, portanto, à própria frustração do intuito do elemento predominante, que, como é parte do homem, cai com a queda dele. Um indivíduo que conduza a sua vida em linhas de uma moral altíssima e pura acabará por ser ultrajado por toda a gente –
É imoral pretender que uma coisa desejada se realize magicamente, simplesmente porque a desejamos. Só é moral o desejo acompanhado da severa vontade de prover os meios da sua execução.
O caráter é a fisionomia moral do homem.