Não Será Tempo de Voltarmos aos Sentidos?
Não somos apenas o nosso corpo, estamos também integrados num corpus social, que solicita, expande e reprime a nossa sensibilidade. Basta ouvir aquele que foi o maior teórico da comunicação do século XX, Marshall McLuhan, para perceber até que ponto isso é aproveitado pela sociedade de comunicação global, para quem o indivíduo passa a ser uma presa. O que diz McLuhan sobre a televisão, por exemplo, é imensamente elucidativo: «Um dos efeitos da televisão é retirar a identidade pessoal. Só por ver televisão, as pessoas tornam-se num grupo coletivo de iguais. Perdem o interesse pela singularidade pessoal.» Se repararmos, os meios que lideram a comunicação humana contemporânea (da televisão ao telefone, do e-mail às redes sociais) interagem apenas com aqueles dos nossos sentidos que captam sinais à distância: fundamentalmente a visão e a audição. Origina-se assim uma descontrolada hipertrofia dos olhos e ouvidos, sobre os quais passa a recair toda a responsabilidade pela participação no real. «Viste aquilo?», «já ouviste a última do…»: os nossos quotidianos são continuamente bombardeados pela pressão do ver e do ouvir. O mesmo se passa com a locomoção: seja a pilotar um avião, a conduzir um automóvel, ou seja o peão a deslocar-se nas artérias das cidades modernas,
Passagens sobre Olhos
2007 resultadosSorriso Audível das Folhas
Sorriso audível das folhas
Não és mais que a brisa ali
Se eu te olho e tu me olhas,
Quem primeiro é que sorri?
O primeiro a sorrir ri.Ri e olha de repente
Para fins de não olhar
Para onde nas folhas sente
O som do vento a passar
Tudo é vento e disfarçar.Mas o olhar, de estar olhando
Onde não olha, voltou
E estamos os dois falando
O que se não conversou
Isto acaba ou começou?
Uns Lindos Olhos, Vivos, Bem Rasgados
Uns lindos olhos, vivos, bem rasgados,
Um garbo senhoril, nevada alvura;
Metal de voz que enleva de doçura,
Dentes de aljôfar, em rubi cravados:Fios de ouro, que enredam meus cuidados,
Alvo peito, que cega de candura;
Mil prendas; e (o que é mais que formosura)
Uma graça, que rouba mil agrados.Mil extremos de preço mais subido
Encerra a linda Márcia, a quem of’reço
Um culto, que nem dela inda é sabido:Tão pouco de mim julgo que a mereço,
Que enojá-la não quero de atrevido
Co’ as penas, que por ela em vão padeço.
Para ver muita coisa é preciso despregar os olhos de si mesmo
O Supremo Palhaço da Criação
A velha noção antropomórfica de que todo o universo se centraliza no homem – de que a existência humana é a suprema expressão do processo cósmico – parece galopar alegremente para o baú das ilusões perdidas. O facto é que a vida do homem, quanto mais estudada à luz da biologia geral, parece cada vez mais vazia de significado. O que no passado deu a impressão de ser a principal preocupação e obra-prima dos deuses, a espécie humana começa agora a apresentar o aspecto de um sub-produto acidental das maquinações vastas, inescrutáveis e provavelmente sem sentido desses mesmos deuses.
(…) O que não quer dizer, naturalmente, que um dia a tal teoria seja abandonada pela grande maioria dos homens. Pelo contrário, estes a abraçarão à medida que ela se tornar cada vez mais duvidosa. De fato, hoje, a teoria antropomórfica ainda é mais adoptada do que nas eras de obscurantismo, quando a doutrina de que um homem era um quase Deus foi no mínimo aperfeiçoada pela doutrina de que as mulheres inferiores. O que mais está por trás da caridade, da filantropia, do pacifismo, da “inspiração” e do resto dos atuais sentimentalismos? Uma por uma, todas estas tolices são baseadas na noção de que o homem é um animal glorioso e indescritível,
Da Vida… não Fales Nela
Da vida… não fales nela,
quando o ritmo pressentes.
Não fales nela que a mentes.Se os teus olhos se demoram
em coisas que nada são,
se os pensamentos se enfloram
em torno delas e não
em torno de não saber
da vida… Não fales nela.Quanto saibas de viver
nesse olhar se te congela.
E só a dança é que dança,
quando o ritmo pressentes.Se, firme, o ritmo avança,
é dócil a vida, e mansa…
Não fales nela, que a mentes.
Profecia
Nem me disseram ainda
para o que vim.
Se logro ou verdade,
se filho amado ou rejeitado.
Mas sei
que quando cheguei
os meus olhos viram tudo
e tontos de gula ou espanto
renegaram tudo
— e no meu sangue veias se abriram
noutro sangue…
A ele obedeço,
sempre,
a esse incitamento mudo.
Também sei
que hei-de perecer, exangue,
de excesso de desejar;
mas sinto,
sempre,
que não posso recuar.Hei-de ir contigo
bebendo fel, sorvendo pragas,
ultrajado e temido,
abandonado aos corvos,
com o pus dos bolores
e o fogo das lavas.
Hei-de assustar os rebanhos dos montes
ser bandoleiro de estradas.
— Negro fado, feia sina,
mas não sei trocar a minha sorte!Não venham dizer-me
com frases adocicadas
(não venham que os não oiço)
que levo caminho errado,
que tenho os caminhos cerrados
à minha febre!
Hei-de gritar,
cair, sofrer
— eu sei.
Mas não quero ter outra lei,
outro fado, outro viver.
Não importa lá chegar…
À Morte
Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E, como uma raiz, sereno e forte.Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!Vim da Moirama, sou filha de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
À tua espera…quebra-me o encanto!
Glória
Vive dentro de mim um mundo raro
Tão vário, tão vibrante, tão profundo
Que o meu amor indómito e avaro
O oculto raivoso ao outro mundoE nele vivo audaz, ardentemente,
Sentindo consumir-se a sua chama
Que oscila e desce e sobe inquietamente;
Ouvindo a minha voz que por mim chamaEm situações grotescas que me ferem,
Ou conquistando o que meus olhos querem:
Príncipe ou Rei sonhando com domínios.Sinto bem que são vãs pra me prenderem
As mãos da Vida, muito embora imperem
Sobre a noção real dos meus declínios.
Reminiscência
Um dia a vi, nas lamas da miséria,
Como entre pântanos um branco lírio,
Velada a fronte em palidez funérea,
O frio véu das noivas do martírio!Pedia esmola — pequena e séria —
Os seios, pastos de eternal delírio,
Cobertos eram de uma cor cinérea —
Seus olhos tinham o brilhar do círio.Tempos depois n’um carro — audaz, brilhante,
Uma mulher eu vi — febril, galante…
Lancei-lhe o olhar e… maldição! tremi…Ria-se — cínica, servil… faceira?
O carro n’uma nuvem de poeira
Se arremessou… e eu nunca mais a vi!
Olhar e Chorar
Notável criatura são os olhos! Admirável instrumento da natureza; prodigioso artifício da Providência! Eles são a primeira origem da culpa; eles a primeira fonte da Graça. São os olhos duas víboras, metidas em duas covas, e que a tentação pôs o veneno, e a contrição a triaga. São duas setas com que o Demónio se arma para nos ferir e perder; e são dois escudos com que Deus depois de feridos nos repara para nos salvar. Todos os sentidos do homem têm um só ofício; só os olhos têm dois. O Ouvido ouve, o Gosto gosta, o Olfacto cheira, o Tacto apalpa, só os olhos têm dois ofícios: Ver e Chorar. Estes serão os dois pólos do nosso discurso.
Ninguém haverá (se tem entendimento) que não deseje saber por que ajuntou a Natureza no mesmo instrumento as lágrimas e a vista; e por que uniu a mesma potência o ofício de chorar, e o de ver? O ver é a acção mais alegre; o chorar a mais triste. Sem ver, como dizia Tobias, não há gosto, porque o sabor de todos os gostos é o ver; pelo contrário, o chorar é o estilado da dor, o sangue da alma,
Soneto III
Rosto que a branca rosa tem vencida,
E ante quem a vermelha é descorada,
Olhos, claras estrelas, que espantada
Têm a alma, aceso o peito, presa a vida;Cabelos, puros raios, que abatida
Deixam da manhã clara a luz dourada,
Divina fermosura, acompanhada
De üa virtude a poucas concedida;Palavras cheias de alto entendimento
Raro riso, alto assento, casto peito,
Santos costumes, vivo e grave esprito;Divino e repousado movimento,
E muito mais, que está em minha alma escrito,
Me tem num puro amor todo desfeito.
À Espera do Amado Desconhecido
Quem é esta mulher,
a sempre triste,
que vive no meu coração?
Quis conquistá-la mas não consegui.Adornei-a com grinaldas
e cantei em seu louvor…
Por um momento
bailou o sorriso no seu rosto,
mas logo se desvaneceu.E disse-me cheia de pena:
— A minha alegria não está em ti.Comprei-lhe argolas preciosas,
abanei-a
com leques recamados de diamantes,
deitei-a em cama de oiro …
Bateu as pálpebras
como um relâmpago de alegria
que logo se apagou.E disse-me cheia de pena:
— Não está nessas coisas a minha alegria.Sentei-a num carro de triunfo,
e passeei-a por toda a terra.
Milhares de corações conquistados
caíram humildes a seus pés,
e as aclamações reboaram pelo céu…
Durante um momento
brilhou o orgulho nos seus olhos,
mas logo se desfez em lágrimas.E disse cheia de pena:
— Não está na vitória a minha alegria..Perguntei-lhe:
— Que queres então?
Respondeu-me:
— Espero alguém
que não sei como se chama.
O Perigo da Leitura Excessiva
Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: repetimos apenas o seu processo mental. Ocorre algo semelhante quando o estudante que está a aprender a escrever refaz com a pena as linhas traçadas a lápis pelo professor. Sendo assim, na leitura, o trabalho de pensar é-nos subtraído em grande parte. Isso explica o sensível alívio que experimentamos quando deixamos de nos ocupar com os nossos pensamentos para passar à leitura. Porém, enquanto lemos, a nossa cabeça, na realidade, não passa de uma arena dos pensamentos alheios. E quando estes se vão, o que resta? Essa é a razão pela qual quem lê muito e durante quase o dia inteiro, mas repousa nos intervalos, passando o tempo sem pensar, pouco a pouco perde a capacidade de pensar por si mesmo – como alguém que sempre cavalga e acaba por desaprender a caminhar. Tal é a situação de muitos eruditos: à força de ler, estupidificaram-se. Pois ler constantemente, retomando a leitura a cada instante livre, paralisa o espírito mais do que o trabalho manual contínuo, visto que, na execução deste último, é possível entregar-se aos seus próprios pensamentos.
No entanto, como uma mola que, pela pressão constante acarretada por meio de um corpo estranho,
Está tudo quanto olho
Na escuridão mais intensa,
Faltou de teus olhos lindos
A luz profunda e imensa…
Beatriz
Bandeirante a sonhar com pedrarias
Com tesouros e minas fabulosas,
Do amor entrei, por ínvias e sombrias
Estradas, as florestas tenebrosas.Tive sonhos de louco, à Fernão Dias…
Vi tesouros sem conta: entre as umbrosas
Selvas, o outro encontrei, e o ônix, e as frias
Turquesas, e esmeraldas luminosas…E por eles passei. Vivi sete anos
Na floresta sem fim. Senti ressábios
De amarguras, de dor, de desenganos.Mas voltei, afinal, vencendo escolhos,
Com o rubi palpitante dos seus lábios
E os dois grandes topázios dos seus olhos!
Incontentado
Quando em teus braços, meu amor, te beijo,
se me torno, de súbito, tristonho,
é porque às vezes, com temor, prevejo
que esta alegria pode ser um sonho.Olho os meus olhos nos teus olhos… Ponho,
trêmulo, as mãos nas tuas mãos… E vejo
que és tu mesma, que és tu! E ainda suponho
Ser enganado pelo meu desejo.Quanto mais, desvairado de ansiedade,
do teu corpo, meu corpo se avizinha,
mais de ti, junto a ti, sinto saudade…– E o meu suplício atroz não se adivinha,
quando, beijando-te, o pavor me invade
de que em meus braços tu não sejas minha!
A cobra, onde tem os ovos, aí tem os olhos.
Não sei, Amor, sequer, se te Consinto
Não sei, amor, sequer, se te consinto
ou se te inventas, brilhas, adormeces
nas palavras sem carne em que te minto
a verdade intemida em que me esqueces.Não sei, amor, se as lavas do vulcão
nos lavam, veras, ou se trocam tintas
dos olhos ao cabelo ou coração
de tudo e de ti mesma. Não que sintasoutra coisa de mais que nos feneça;
mas só não sei, amor, se tu não sabes
que sei de certo a malha que nos teça,o vento que nos leves ou nos traves,
a mão que te nos dê ou te nos peça,
o princípio de sol que nos acabes.
com a polpa dos dedos
com
a polpa
dos dedos
abro
o teu sorriso
gota
a
gotaaté desmoronar
as vigas
dos meus olhos