Títulos e Diplomas
Parece que a humanidade só se esforça enquanto tem a esperar diplomas idiotas, que pode exibir em público para obter proveitos, mas, quando já tem na mão tais diplomas idiotas em número suficiente, deixa-se levar. Ela vive em grande parte só para obter diplomas e títulos, não por qualquer outra razão, e, depois de ter obtido o número de diplomas e títulos que, na sua opinião, é suficiente, deixa-se cair na cama macia desses diplomas e títulos. Ela não parece ter qualquer outro objectivo para a vida. Não tem, segundo parece, qualquer interesse numa vida própria, independente, numa existência própria, independente, mas apenas nesses diplomas e títulos, sob os quais a humanidade há já séculos ameaça sufocar.
As pessoas não procuram independência e autonomia, não procuram a sua própria evolução natural, mas apenas esses diplomas e títulos e estariam, a todo o momento, prontas a morrer por esses diplomas e títulos, se lhos entregassem e dessem sem qualquer condição, esta é que é a verdade desmascaradora e deprimente. Tão pouco estimam elas a vida em si que só vêem os diplomas e títulos e nada mais. Elas penduram nas paredes das suas casas os diplomas e títulos, nas casas dos mestres talhantes e dos filósofos,
Passagens sobre Olhos
2007 resultadosAgora, por que é que nenhuma dessas caprichosas me fez esquecer a primeira amada do meu coração? Talvez porque nenhuma tinha os olhos de ressaca, nem os de cigana oblíqua e dissimulada.
Quando Eu não te Tinha
Quando eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo.
Agora amo a Natureza
Como um monge calmo à Virgem Maria,
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima …
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor —
Tu não me tiraste a Natureza …
Tu mudaste a Natureza …
Trouxeste-me a Natureza para o pé de mim,
Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as cousas.
Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou.
Soneto de Separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Nascença Eterna
Nascença Eterna,
Nasce mais uma vez!
Refaz a humílima Caverna
Que nunca se desfez.Distância Transcendente,
Chega-te, uma vez mais,
Tão perto que te aqueças, como a gente,
No bafo dos obscuros animais.Os que te dizem não,
Os épicos do absurdo,
Que afirmarão, na sua negação,
Senão seu olho cego, ouvido surdo?Infelizes supremos,
Com seu fracasso alcançam nomeada,
E contentes se atiram aos extremos
Do seu nada.Na nossa ambiguidade,
Somos piores, nós, talvez,
E uns e outros só vemos a verdade
Que, Verdade de Sempre!, tu nos dês.Se nada tem sentido sem a fé
No seu sentido, Sol que não te apagas,
Rompe mais uma vez na noite, que não é
Senão o dia de outras plagas.Perpétua Luz, Contínua Oferta
A nossa escuridade interna,
Abre-te, Porta sempre aberta,
Mais uma vez, na humílima Caverna.
A Libertação do Pensamento
Conforme o leitor vai crescendo, forma uma imagem mental sobre quem é, com base no condicionamento pessoal e cultural a que está sujeito. Podemos chamar de ego a este eu ilusório. Ele consiste em atividade mental e só pode ser mantido através do pensamento constante. O termo ego significa coisas diferentes para pessoas diferentes, mas quando eu o utilizo neste livro tem o significado de um falso eu, criado pela identificação inconsciente com a mente.
Para o ego, o momento presente praticamente não existe. Só o passado e o futuro são tidos como importantes. Esta contraposição total da verdade explica o facto de no modo ego a mente ser tão disfuncional. Preocupa-se sempre em manter o passado vivo, porque sem ele… quem é você? Ele projeta-se constantemente no futuro para garantir a sua sobrevivência contínua e para procurar lá algum tipo de libertação ou realização. Diz: «Um dia, quando isto, aquilo ou tal acontecer, vou ficar bem, feliz, em paz.»
Até quando o ego parece estar virado para o presente, não é o presente que ele vê: o ego interpreta o presente de forma totalmente errada porque o observa com os olhos do passado. Ou reduz o presente a um meio para atingir um fim,
Meu Coração, vós Abristes
Meu coração, vós abristes
caminho a meus cuidados,
pera virem ser banhados
na ágoa de meus olhos tristes,
tristes, mal galardoados.
Necessário é que vamos
algum remédio buscar
para se a vida acabar:
êste o bem que dessejamos,
êste o nosso dessejar.
Presença
Só saberei de ti pelos teus olhos,
que falam mais que a tua fala pouca.
Doce memória (irei buscar-te sempre)
encilhada a essa égua dos minutos,onde os ponteiros trotam meus desejos,
avivando a paisagem na lembrança
vinda de ti, e em mim reconstruída.
Essa presença, em passos e pegadas,passeia no meu corpo, agora estrada,
caminho teu; submisso, eis meu segredo.
Que abrigar teus pés, possa, novamente,o meu sereno peito fatigado.
Este que anseia teu corpo presente
olho no olho na véspera do gozo.
Que o amor, de olhos vendados, encontre o caminho para a sua vontade
A Elvira
(Lamartine)
Quando, contigo a sós, as mãos unidas,
Tu, pensativa e muda; e eu, namorado,
Às volúpias do amor a alma entregando,
Deixo correr as horas fugidias;
Ou quando ‘as solidões de umbrosa selva
Comigo te arrebato; ou quando escuto
—Tão só eu, — teus terníssimos suspiros;
E de meus lábios solto
Eternas juras de constância eterna;
Ou quando, enfim, tua adorada fronte
Nos meus joelhos trêmulos descansa,
E eu suspendo meus olhos em teus olhos,
Como às folhas da rosa ávida abelha;
Ai, quanta vez então dentro em meu peito
Vago terror penetra, como um raio!
Empalideço, tremo;
E no seio da glória em que me exalto,
Lágrimas verto que a minha alma assombram!
Tu, carinhosa e trêmula,
Nos teus braços me cinges, — e assustada,
Interrogando em vão, comigo choras!
“Que dor secreta o coração te oprime?”
Dizes tu, “Vem, confia os teus pesares…
Fala! eu abrandarei as penas tuas!
Fala! Eu consolarei tua alma aflita.”Vida do meu viver, não me interrogues!
Quando enlaçado nos teus níveos braços*
A confissão de amor te ouço,
Sentir a Felicidade
Então isso era a felicidade. E por assim dizer sem motivo. De inicio se sentiu vazia. Depois os olhos ficaram húmidos: era felicidade, mas como sou mortal, como o amor pelo mundo me transcende. O amor pela vida mortal a assassinava docemente, aos poucos. E o que é que eu faço? Que faço da felicidade? Que faço dessa paz estranha e aguda, que já está começando a me doer como uma angústia, como um grande silêncio? A quem dou minha felicidade, que já está começando a me rasgar um pouco e me assusta? Não, não quero ser feliz. Prefiro a mediocridade. Ah, milhares de pessoas não têm coragem de pelo menos prolongar-se um pouco mais nessa coisa desconhecida que é sentir-se feliz, e preferem a mediocridade.
A umas Lágrimas de uma Despedida
Quando de ambos os céus caindo estava
O rico orvalho, em pérolas formado,
E sobre as frescas rosas derramado,
Igual beleza recebia e dava.Amor que sempre ali presente estava,
Como competidor de meu cuidado,
Num vaso de cristal de ouro lavrado
As gotas uma a uma entesourava.Eu, c’os olhos na luz, que aquele dia,
Entre as nuvens do novo sentimento,
Escassamente os raios descobria,Se me matar (dizia) apartamento,
Ao menos não fará que esta alegria
Não seja paga igual de meu tormento.
A cordura abre olho.
O Acaso Introduz e Acaba as Nossas Acções
É de um sadismo soberbo pensar que deveríamos ser julgados pelas nossas boas e más acções, uma vez que só de um pequeníssimo número das nossas acções podemos decidir. O acaso cego, que se distingue da justiça cega pelo simples facto de ainda não usar venda, introduz e acaba as nossas acções; o que podemos fazer e, bem entendido, o que devemos fazer, em virtude da existência tantas vezes negada da nossa consciência, é deixarmo-nos arrastar numa certa direcção e mantermo-nos depois nessa direcção enquanto conservamos os olhos abertos e estamos conscientes de que o fim em geral é uma ilusão, pelo que o fundamental é a direcção que mantivermos, pois só ela se encontra sob o nosso controlo, sob o controlo do nosso miserável eu. E a lucidez, sim, a lucidez, os olhos abertos fitando sem medo a nossa terrível situação devem ser a estrela do eu, a nossa única bússola, uma bússola que cria a direcção, porque sem bússola não há direcção. Mas se me disponho agora a acreditar na direcção, passo a duvidar dos testemunhos relativos à maldade humana, uma vez que no interior de uma mesma direcção – em si mesma excelente – podem existir correntes boas e más.
Natureza nobre é aquela
que tem coragem
de olhar nos olhos
o destino comum, e que com franca língua,
sem subtrair nada da verdade,
confessa o mal que nos foi dado como destino
e a condição baixa e frágil do homem.
Canção
A pastorinha morreu, todos estão a chorar. Ninguem a conhecia e todos estão a chorar.
A pastorinha morreu, morreu de seus amôres. Á beira do rio nasceu uma arvore e os braços da arvore abriram-se em cruz.
As suas mãos compridas já não acenam de alêm. Morreu a pastorinha e levou as mãos compridas.
Os seus olhos a rirem já não troçam de ninguem. Morreu a pastorinha e os seus olhos a rirem.
Morreu a pastorinha, está sem guia o rebanho. E o rebanho sem guia é o enterro da pastorinha.
Onde estão os seus amôres? Ha prendas para Lhe dar. Ninguem sabe se é Elle e ha prendas para Lhe dar.
Na outra margem do rio deu á praia uma santa que vinha das bandas do mar. Vestida de pastora p’ra se não fazer notar. De dia era uma santa, à noite era o luar.
A pastorinha em vida era uma linda pastorinha; a pastorinha mórta é a Senhora dos Milagres.
Chorai, Ninfas, Os Fados Poderosos
Chorai, Ninfas, os fados poderosos
daquela soberana fermosura!
Onde foram parar na sepultura
aqueles reais olhos graciosos?Ó bens do mundo, falsos e enganosos!
Que mágoas para ouvir! Que tal figura
jaza sem resplandor na terra dura,
com tal rosto e cabelos tão fermosos!Das outras que será, pois poder teve
a morte sobre cousa tanto bela
que ela eclipsava a luz do claro dia?Mas o mundo não era dino dela,
por isso mais na terra não esteve;
ao Céu subiu, que já *se* lhe devia.
O Saber Oral
O novo saber que o género humano vai adquirindo não compensa o saber que se propaga apenas pela transmissão oral directa, o qual, uma vez perdido, nunca mais se pode readquirir e retransmitir: nenhum livro pode ensinar aquilo que apenas se pode aprender na infância, se se entrega o ouvido e o olho atentos ao canto e ao voo dos pássaros e se se encontra então alguém que pontualmente lhes saiba dar um nome.
A percepção do desconhecido é a mais fascinante das experiências. O homem que não tem os olhos abertos para o misterioso passará pela vida sem ver nada.
Pudesse Eu Contar as Vezes
Pudesse eu contar as vezes que ferrei os cantos da boca imaginando que eram teus os dentes que assim me amavam; que eram os teus lábios aqueles que, nessas ocasiões, eu mordia. Lembras-te de uma frase que costumavas citar, por tê-la escutado em qualquer parte, ou lido, já não sei bem? Aquela que dizia
– A minha anatomia enlouqueceu; sou toda corarão.
Pois é como me tenho sentido, mais ou menos assim, com a anatomia enlouquecida, sem saber já quais são os meus dentes ou qual a minha boca; como se cada pedaço meu não fosse mais do que saudade de ti: o desejo de te voltar a ver, de te cobrir outra vez de beijos – olhos, boca, rosto, o corpo todo de beijos -, de te abraçar e sentir o teu cheiro, de tomar nas mãos o ramo crespo dos teus cabelos e inalar a fragrância do teu pescoço. Possuo agora, em mim apenas, nos limites da minha topografia, toda a exaltação dos nossos corpos e sinto que não chego para tanto porque a soma de nós dois excedeu sempre a existência física dos nossos corpos. É como se rebentasse por dentro e tivesse de esticar a alma –