Estátua Falsa
SĂł de ouro falso os meus olhos se douram;
Sou esfinge sem mistério no poente.
A tristeza das coisas que nĂŁo foram
Na minha’alma desceu veladamente.Na minha dor quebram-se espadas de ânsia,
Gomos de luz em treva se misturam.
As sombras que eu dimano nĂŁo perduram,
Como Ontem, para mim, Hoje é distancia.Já não estremeço em face do segredo;
Nada me aloira já, nada me aterra:
A vida corre sobre mim em guerra,
E nem sequer um arrepio de mêdo!Sou estrêla ébria que perdeu os céus,
Sereia louca que deixou o mar;
Sou templo prestes a ruir sem deus,
Estátua falsa ainda erguida ao ar…
Poemas sobre Céu
355 resultadosBaladas Românticas – Verde…
Como era verde este caminho!
Que calmo o céu! que verde o mar!
E, entre festões, de ninho em ninho,
A Primavera a gorjear!…
Inda me exalta, como um vinho,
Esta fatal recordação!
Secou a flor, ficou o espinho…
Como me pesa a solidão!Órfão de amor e de carinho,
Órfão da luz do teu olhar,
– Verde tambĂ©m, verde-marinho,
Que eu nunca mais hei de olvidar!
Sob a camisa, alva de linho,
Te palpitava o coração…
Ai! coração! peno e definho,
Longe de ti, na solidĂŁo!Oh! tu, mais branca do que o arminho,
Mais pálida do que o luar!
– Da sepultura me avizinho,
Sempre que volto a este lugar…
E digo a cada passarinho:
“NĂŁo cantes mais! que essa canção
Vem me lembrar que estou sozinho,
No exĂlio desta solidĂŁo!”No teu jardim, que desalinho!
Que falta faz a tua mĂŁo!
Como inda Ă© verde este caminho…
Mas como o afeia a solidĂŁo!
Mensagem – Mar PortuguĂŞs
MAR PORTUGUĂŠS
Possessio Maris
I. O Infante
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.Quem te sagrou criou-te portuguĂŞs.
Do mar e nĂłs em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!II. Horizonte
Ă“ mar anterior a nĂłs, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
’Splendia sobre as naus da iniciação.Linha severa da longĂnqua costa —
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves,
Dia de Natal
Hoje Ă© dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros – coitadinhos – nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que nĂŁo merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa excelĂŞncia verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?)
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
Torna-se difĂcil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente acotovela,
Minha MĂŁe, Minha MĂŁe!
Minha mĂŁe, minha mĂŁe! ai que saudade imensa,
Do tempo em que ajoelhava, orando, ao pé de ti.
CaĂa mansa a noite; e andorinhas aos pares
Cruzavam-se voando em torno dos seus lares,
Suspensos do beiral da casa onde eu nasci.
Era a hora em que já sobre o feno das eiras
Dormia quieto e manso o impávido lebréu.
Vinham-nos da montanha as canções das ceifeiras,
E a Lua branca, além, por entre as oliveiras,
Como a alma dum justo, ia em triunfo ao CĂ©u!…
E, mãos postas, ao pé do altar do teu regaço,
Vendo a Lua subir, muda, alumiando o espaço,
Eu balbuciava a minha infantil oração,
Pedindo ao Deus que está no azul do firmamento
Que mandasse um alĂvio a cada sofrimento,
Que mandasse uma estrela a cada escuridĂŁo.
Por todos eu orava e por todos pedia.
Pelos mortos no horror da terra negra e fria,
Por todas as paixões e por todas as mágoas…
Pelos mĂseros que entre os uivos das procelas
VĂŁo em noite sem Lua e num barco sem velas
Errantes através do turbilhão das águas.
A Voz
É tĂŁo suave ess’hora,
Em que nos foge o dia,
E em que suscita a Lua
Das ondas a ardentia,Se em alcantis marinhos,
Nas rochas assentado,
O trovador medita
Em sonhos enleado!O mar azul se encrespa
Coa vespertina brisa,
E no casal da serra
A luz já se divisa.E tudo em roda cala
Na praia sinuosa,
Salvo o som do remanso
Quebrando em furna algosa.Ali folga o poeta
Nos desvarios seus,
E nessa paz que o cerca
Bendiz a mĂŁo de Deus.Mas despregou seu grito
A alcĂone gemente,
E nuvem pequenina
Ergueu-se no ocidente:E sobe, e cresce, e imensa
Nos céus negra flutua,
E o vento das procelas
Já varre a fraga nua.Turba-se o vasto oceano,
Com hĂłrrido clamor;
Dos vagalhões nas ribas
Expira o vĂŁo furor,E do poeta a fronte
Cobriu véu de tristeza;
Calou, Ă luz do raio,
Seu hino Ă natureza.Pela alma lhe vagava
Um negro pensamento,
O Céu e o Ninho
És ao mesmo tempo o céu e o ninho.
Meu belo amigo, aqui no ninho,
o teu amor prende a alma
com mil cores,
cores e mĂşsicas.Chega a manhĂŁ,
trazendo na mĂŁo a cesta de oiro,
com a grinalda da formosura,
para coroar a terra em silĂŞncio!Chega a noite pelas veredas nĂŁo andadas
dos prados solitários,
já abandonados pelos rebanhos!
Traz, na sua bilha de oiro,
a fresca bebida da paz,
recolhida
no mar ocidental do descanso.Mas onde o céu infinito se abre,
para que a alma possa voar,
reina a branca claridade imaculada.
Ali não há dia nem noite,
nem forma, nem cor,
nem sequer nunca, nunca,
uma palavra!Tradução de Manuel Simões
Meu amor, meu amor
Meu amor meu amor
meu corpo em movimento
minha voz Ă procura
do seu prĂłprio lamento.Meu limĂŁo de amargura meu punhal a escrever
nós parámos o tempo não sabemos morrer
e nascemos nascemos
do nosso entristecer.Meu amor meu amor
meu nĂł e sofrimento
minha mĂł de ternura
minha nau de tormentoeste mar não tem cura este céu não tem ar
nós parámos o vento não sabemos nadar
e morremos morremos
devagar devagar.
Liberdade
— Liberdade, que estais no cĂ©u…
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pio de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.— Liberdade, que estais na terra…
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silĂŞncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pĂŁo da minha fome.
— Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.
Dia
De que cĂ©u caĂdo,
oh insĂłlito,
imóvel solitário na onda do tempo?
És a duração,
o tempo que amadurece
num instante enorme, diáfano:
flecha no ar,
branco embelezado
e espaço já sem memória de flecha.
Dia feito de tempo e de vazio:
desabitas-me, apagas
meu nome e o que sou,
enchendo-me de ti: luz, nada.E flutuo, já sem mim, pura existência.
Tradução de Luis Pignatelli
Nem Hóspede Será do que Conheço
Rasteja mole pelos campos ermos
O vento sossegado.
Mais parece tremer de um tremor prĂłprio,
Que do vento, o que Ă© erva.
E se as nuvens no céu, brancas e altas,
Se movem, mais parecem
Que gira a terra rápida e elas passam,
Por muito altas, lentas.
Aqui neste sossego dilatado
Me esquecerei de tudo,
Nem hóspede será do que conheço
A vida que deslembro.
Assim meus dias seu decurso falso
GozarĂŁo verdadeiro.
Digo que Te Amo
digo que te amo
sorris e eu amo, digo que te quero
sorris e eu quero, dizes em sonhosem sonhos que já tive, onde desejei ser céu sol e
estrelas para que te pudesse olhar eternamente
O Pai
Terra de semente inculta e bravia,
terra onde não há esteiros ou caminhos,
sob o sol minha vida se alonga e estremece.Pai, nada podem teus olhos doces,
como nada puderam as estrelas
que me abrasam os olhos e as faces.Escureceu-me a vista o mal de amor
e na doce fonte do meu sonho
outra fonte tremida se reflecte.Depois… Pergunta a Deus porque me deram
o que me deram e porque depois
conheci a solidão do céu e da terra.Olha, minha juventude foi um puro
botĂŁo que ficou por rebentar e perde
a sua doçura de seiva e de sangue.O sol que cai e cai eternamente
cansou-se de a beijar… E o outono.
Pai, nada podem teus olhos doces.Escutarei de noite as tuas palavras:
… menino, meu menino…E na noite imensa
com as feridas de ambos seguirei.Tradução de Rui Lage
Olhos de Lobas
Teus olhos lembram cĂrios
Acesos n’um cemitĂ©rio…TĂŞm um fulgor estranho singular
Os teus olhos febris… Incendiados!…Como os Clarões Finais… – Exaustinados
Dos restos dos archotes, desdeixados…
— Nas criptas d’um Jazigo Tumular!…— Como a Luz que na Noute Misteriosa
— Fantástica – Fulgisse nas Ogivas
Das Janelas de Estranho MausolĂ©u!…— MausolĂ©u, das Saudades do Ideal!…
— Oh Saudades… Oh Luz Transcendental!
— Oh memĂłrias saudosas do Ido ao CĂ©u!…— Oh PĂ©rpetuas Febris!… – Oh Sempre Vivas!…
— Oh Luz do Olhar das Lobas Amorosas!…
Estes SĂtios!
Olha bem estes sĂtios queridos,
VĂŞ-os bem neste olhar derradeiro…
Ai! o negro dos montes erguidos,
Ai! o verde do triste pinheiro!
Que saudade que deles teremos…
Que saudade! ai, amor, que saudade!
Pois nĂŁo sentes, neste ar que bebemos,
No acre cheiro da agreste ramagem,
Estar-se alma a tragar liberdade
E a crescer de inocĂŞncia e vigor!
Oh! aqui, aqui sĂł se engrinalda
Da pureza da rosa selvagem,
E contente aqui sĂł vive Amor.
O ar queimado das salas lhe escalda
De suas asas o nĂveo candor,
E na frente arrugada lhe cresta
A inocĂŞncia infantil do pudor.
E oh! deixar tais delĂcias como esta!
E trocar este céu de ventura
Pelo inferno da escrava cidade!
Vender alma e razĂŁo Ă impostura,
Ir saudar a mentira em sua corte,
Ajoelhar em seu trono Ă vaidade,
Ter de rir nas angĂşstias da morte,
Chamar vida ao terror da verdade…
Ai! nĂŁo, nĂŁo… nossa vida acabou,
Nossa vida aqui toda ficou
Diz-lhe adeus neste olhar derradeiro,
Dize Ă sombra dos montes erguidos,
Dize-o ao verde do triste pinheiro,
Stella
Já raro e mais escasso
A noite arrasta o manto,
E verte o Ăşltimo pranto
Por todo o vasto espaço.TĂbio clarĂŁo já cora
A tela do horizonte,
E já de sobre o monte
Vem debruçar-se a aurora.À muda e torva irmã,
Dormida de cansaço,
Lá vem tomar o espaço
A virgem da manhĂŁ.Uma por uma, vĂŁo
As pálidas estrelas,
E vĂŁo, e vĂŁo com elas
Teus sonhos, coração.Mas tu, que o devaneio
Inspiras do poeta,
NĂŁo vĂŞs que a vaga inquieta
Abre-te o Ăşmido seio?Vai. Radioso e ardente,
Em breve o astro do dia,
Rompendo a névoa fria,
Virá do roxo oriente.Dos Ăntimos sonhares
Que a noite protegera,
De tanto que eu vertera
Em lágrimas a pares,Do amor silencioso,
MĂstico, doce, puro,
Dos sonhos de futuro,
Da paz, do etéreo gozo,De tudo nos desperta
Luz de importuno dia;
Do amor que tanto a enchia
Minha alma está deserta.A virgem da manhã
Já todo o cĂ©u domina…
Saudades Trágico-MarĂtimas
Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
Na praia, de bruços,
fico sonhando, fico-me escutando
o que em mim sonha e lembra e chora alguém;
e oiço nesta alma minha
um longĂnquo rumor de ladainha,
e soluços,
de alĂ©m…Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
SĂŁo meus AvĂłs rezando,
que andaram navegando e que se foram,
olhando todos os céus;
sĂŁo eles que em mim choram
seu fundo e longo adeus,
e rezam na ânsia crua dos naufrágios;
choram de longe em mim, e eu oiço-os bem,
choram ao longe em mim sinas, presságios,
de alĂ©m, de alĂ©m…Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
Naufraguei cem vezes já…
Uma, foi na nau S. Bento,
e vi morrer, no trágico tormento,
Dona Leonor de Sá:
vi-a nua, na praia áspera e feia,
com os olhos implorando
– olhos de esposa e mĂŁe –
e vi-a, seus cabelos desatando,
cavar a sua cova e enterrar-se na areia.
– E sozinho me fui pela praia alĂ©m…
Trova do Vento que Passa
Para AntĂłnio Portugal
Pergunto ao vento que passa
notĂcias do meu paĂs
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios nĂŁo me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu paĂs
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.Se o verde trevo desfolhas
pede notĂcias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu paĂs.Pergunto Ă gente que passa
por que vai de olhos no chĂŁo.
SilĂŞncio – Ă© tudo o que tem
quem vive na servidĂŁo.Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.E o vento nĂŁo me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.Vi meu poema na margem
dos rios que vĂŁo prĂł mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.
Improviso
Nem sĂł de chuva
se tece a nuvem
nem sĂł de evento
se inventa o vento.Nem sĂł de fala
se engendra o grito
nem sĂł de fome
prospera o trigo.Nem sĂł de raiva
arde a metáfora
nem sĂł de enigmas
se enfeita o nada.Nem sĂł de parca
o céu nos singra
nem sĂł de pĂŁo
se morre Ă mĂnguaNem sĂł de pĂ©gaso
escapa o seio
para essa concha
partida ao meio.
Horas Vivas
Noite: abrem-se as flores…
Que esplendores!
CĂntia sonha amores
Pelo céu.
TĂŞnues as neblinas
Ă€s campinas
Descem das colinas,
Como um véu.Mãos em mãos travadas,
Animadas,
VĂŁo aquelas fadas
Pelo ar;
Soltos os cabelos,
Em novelos,
Puros, louros, belos,
A voar.— “Homem, nos teus dias
Que agonias,
Sonhos, utopias,
Ambições;
Vivas e fagueiras,
As primeiras,
Como as derradeiras
Ilusões!— Quantas, quantas vidas
VĂŁo perdidas,
Pombas mal feridas
Pelo mal!Anos apĂłs anos,
TĂŁo insanos,
VĂŞm os desenganos
Afinal.— “Dorme: se os pesares
Repousares,
Vês? – por estes ares
Vamos rir;
Mortas, nĂŁo; festivas,
E lascivas,
Somos – horas vivas
De dormir!” –