Setentrional
Talvez já te não lembres, triste Helena,
Dos passeios que dávamos sozinhos,
À tardinha, naquela terra amena,
No tempo da colheita dos bons vinhos.Talvez já te não lembres, pesarosa,
Da casinha caiada em que moramos,
Nem do adro da ermida silenciosa,
Onde nós tantas vezes conversamos.Talvez já te esquecesses, ó bonina,
Que viveste no campo só comigo,
Que te osculei a boca purpurina,
E que fui o teu sol e o teu abrigo.Que fugiste comigo da Babel,
Mulher como não há nem na Circássia,
Que bebemos, nós dois, do mesmo fel,
E regamos com prantos uma acácia.Talvez já te não lembres com desgosto
Daquelas brancas noites de mistério,
Em que a Lua sorria no teu rosto
E nas lajes campais do cemitério.Talvez já se apagassem as miragens
Do tempo em que eu vivia nos teus seios,
Quando as aves cantando entre as ramagens
O teu nome diziam nos gorjeios.Quando, à brisa outoniça, como um manto,
Os teus cabelos de âmbar, desmanchados,
Se prendiam nas folhas dum acanto,
Poemas sobre Mãos
542 resultadosEstamos Agora em Paz
Estamos agora em paz
sabendo simular o esquecimentosentados
com os olhos no vento
lá de fora atirado para antes
de nós as mãos caídas
nos joelhos mas nada suplicantes
só esvaídasconformados
com não nos conformarmosresignados
a esperando não esperarmoscomo se tudo fosse um imenso tanto faz
Amo o Caminho que Estendes
Amo o caminho que estendes por dentro das minhas divisões.
Ignoro se um pássaro morto continua o seu voo
Se se recorda dos movimentos migratórios
E das estações.
Mas não me importo de adoecer no teu colo
De dormir ao relento entre as tuas mãos.
Noite Fechada
L.
Lembras-te tu do sábado passado,
Do passeio que demos, devagar,
Entre um saudoso gás amarelado
E as carícias leitosas do luar?Bem me lembro das altas ruazinhas,
Que ambos nós percorremos de mãos dadas:
Às janelas palravam as vizinhas;
Tinham lívidas luzes as fachadas.Não me esqueço das cousas que disseste,
Ante um pesado tempo com recortes;
E os cemitérios ricos, e o cipreste
Que vive de gorduras e de mortes!Nós saíramos próximo ao sol-posto,
Mas seguíamos cheios de demoras;
Não me esqueceu ainda o meu desgosto
Nem o sino rachado que deu horas.Tenho ainda gravado no sentido,
Porque tu caminhavas com prazer,
Cara rapada, gordo e presumido,
O padre que parou para te ver.Como uma mitra a cúpula da igreja
Cobria parte do ventoso largo;
E essa boca viçosa de cereja
Torcia risos com sabor amargo.A Lua dava trêmulas brancuras,
Eu ia cada vez mais magoado;
Vi um jardim com árvores escuras,
Como uma jaula todo gradeado!E para te seguir entrei contigo
Num pátio velho que era dum canteiro,
Amor
Vibrátil, fina, perfumada e clara
ondula a aragem que o amor provoca.
Longe respira a vida. Aqui o sonho.
Tudo é infância de águas e colinas
Na manhã dos teus olhos.
E vôos de mãos dadas.
E cantos, cantos de infinito amor,
Nos galhos, nas correntes e nas sombras veladas.Envolve-se de nuvem nosso abraço.
Vibrátil, fina, perfumada e clara
ondula a aragem. Fadas e duendes
agitam instrumentos na folhagem.Vibrátil, fina, imperceptível, fluída
orquestra ao longe. Ao fundo dos sentidos.
Dedos de flores ondeiam sobre a pele
de Céus indefinidos.Cantam mistérios bocas fascinadas.
Abrem corolas sob a luz que as toca.
Vibrátil, fina, perfumada e clara
ondula a aragem que o amor provoca.
Litania
O teu rosto inclinado pelo vento;
a feroz brancura dos teus dentes;
as mãos, de certo modo, irresponsáveis,
e contudo sombrias, e contudo transparentes;o triunfo cruel das tuas pernas,
colunas em repouso se anoitece;
o peito raso, claro, feito de água;
a boca sossegada onde apetecenavegar ou cantar, ou simplesmente ser
a cor dum fruto, o peso duma flor;
as palavras mordendo a solidão,
atravessadas de alegria e de terror,são a grande razão, a única razão.
Carrego as Estações Comigo
Carrego as estações comigo
e tenho as mãos cansadas.
No bolso esquerdo um riacho murmura.
Ali, onde pequenas pedras se acumulam,
uma canção exala seu vapor,
depois se perde.Jardins de Primavera circulam no meu corpo
Um céu de ouro verte seu perfume
e um vento ignorado agita suas asas.
Pasto de segredos, mescla de memória
e desejo, meu corpo caminha com a chuva
(carrego as estações comigo)
à procura do sonho de uma nuvem fria.Tantas folhas trago nos braços
que um pássaro, solidário, se oferece
para carregar as estações comigo.
Do peito aberto os meus jardins se vão
e o pássaro me ajuda, memória
e desejo, a semear meu corpo.Ali planto meus braços.
Debaixo daquelas flores meus olhos ficam.
Os pés, roídos pela terra, penduro numa árvore.
O tronco multiplico em cem pedaços:
Lá vai, junto com as pedras,
no bojo do riacho antigo.E pois que carrego as estações comigo
os lábios deixo além, no descampado.
E peço ao pássaro que pelos cabelos atire
o que sobrou de mim
àquele mar onde me espera a memória
e o desejo do tempo em que não soube
carregar as estações comigo.
Que Mimoso Prazer!
1
Que mimoso prazer! Teu rosto amado
Me raiou na alma! Oh astro meu luzente!
Desfez-se em continente
O negrume cerrado,
Que me assombrava o coração aflito,
Em saudades tristíssimas sopito.2
Bem, como quando aponta o sol radiante
Pelos ervosos cumes dos outeiros;
Fogem bruscos nevoeiros,
Da roxa luz brilhante;
Assim, mal vi teu rosto, assim fugiam
As Mágoas, que de luto a alma cobriam3
Quem sempre assim de amor nos brandos laços!
Doces queixas de amor absorto ouvira!
Da idade não sentira
O voo. Entre os teus braços
Me corte o fio, com a fouce, a Morte;
Que perco a vida, sem sentir o corte!4
Se a meiga Vénus, se o gentil Cupido
Cede a meus votos, cede à minha Amada:
Se esta união prezada
Não rompe um Nume infido…
Não dou por mais feliz o vil Mineiro
Sobre montes de sórdido dinheiro.5
Não dou por mais feliz o Rei no trono
Lisonjado de Cortesãos astutos.
Certeza
Se é real a luz branca
desta lâmpada, real
a mão que escreve, são reais
os olhos que olham o escrito?Duma palavra à outra
o que digo desvanece-se.
Sei que estou vivo
entre dois parênteses.Tradução de Luis Pignatelli
Um Grande Utensílio de Amor
um grande utensílio de amor
meia laranja de alegria
dez toneladas de suor
um minuto de geometriaquatro rimas sem coração
dois desastres sem novidade
um preto que vai para o sertão
um branco que vem à cidadeuma meia-tinta no sol
cinco dias de angústia no foro
o cigarro a descer o paiol
a trepanação do touromil bocas a ver e a contar
uma altura de fazer turismo
um arranha-céus a ripar
meia-quarta de cristianismouma prancha sem porta sem escada
um grifo nas linhas da mão
uma Ibéria muito desgraçada
um Rossio de solidão
Inquérito
Pergunta às árvores da rua
que notícia têm desse dia
filtrado em betume da noite;
se por acaso pressentiram
nas aragens conversadeiras,
ágil correio do universo,
um calar mais informativo
que toda grave confissão.Pergunta aos pássaros, cativos
do sol e do espaço, que viram
ou bicaram de mais estranho,
seja na pele das estradas
seja entre volumes suspensos
nas prateleiras do ar, ou mesmo
sobre a palma da mão de velhos
profissionais de solidão.Pergunta às coisas, impregnadas
de sono que precede a vida
e a consuma, sem que a vigília
intermédia as liberte e faça
conhecedoras de si mesmas,
que prisma, que diamante fluido
concentra mil fogos humanos
onde era ruga e cinza e não.Pergunta aos hortos que segredo
de clepsidra, areia e carocha
se foi desenrolando, lento,
no calado rumo do infante
a divagar por entre símbolos
de símbolos outros, primeiros,
e tão acessíveis aos pobres
como a breve casca do pão.Pergunta ao que, não sendo, resta
perfilado à porta do tempo,
Litania do Natal
A noite fora longa, escura, fria.
Ai noites de Natal que dáveis luz,
Que sombra dessa luz nos alumia?
Vim a mim dum mau sono, e disse: «Meu Jesus…»
Sem bem saber, sequer, porque o dizia.E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»
Na cama em que jazia,
De joelhos me pus
E as mãos erguia.
Comigo repetia: «Meu Jesus…»
Que então me recordei do santo dia.E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»
Ai dias de Natal a transbordar de luz,
Onde a vossa alegria?
Todo o dia eu gemia: «Meu Jesus…»
E a tarde descaiu, lenta e sombria.E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»
De novo a noite, longa, escura, fria,
Sobre a terra caiu, como um capuz
Que a engolia.
Deitando-me de novo, eu disse: «Meu Jesus…»E assim, mais uma vez, Jesus nascia.
Era um Pássaro Alto
Era um pássaro alto como um mapa
e que devorava o azul
como nós devoramos o nosso amor.Era a sombra de uma mão sozinha
num espaço impossivelmente vasto
perdido na sua própria extensão.Era a chegada de uma muito longa viagem
diante de uma porta de sal
dentro de um pequeno diamante.Era um arranha-céus
regressado do fundo do mar.Era um mar em forma de serpente
dentro da sombra de um lírio.Era a areia e o vento
como escravos
atados por dentro ao azul do luar.
Poema para a Catarina
Hei-de levar-te filha a conhecer a neve
tu que sabes do sol e das marés
mas nunca repousaste os teus pequenos pés
na alvura que só longe e em ti houveTinha estado na morte e não pudera
aguentar tamanha solidão
mas depois tive a companhia do nevão
e tu hás-de vir filha com a primaveraE o deslumbrante resplendor da alegria
tua fidelidade eterna à vida
já não permitirão tua partida
quando raiar fatal o novo diaAs barcas carregadas com as rosas
virão perto daquela pura voz
abandonada pelos meus longínquos avós
em lagoas profundas perigosasNão me afecta o mínimo cuidado
sinto-me vertical sinto-me forte
embora leve em mim até à morte
a cabeça de um príncipe coitadoNaquelas madrugadas primitivas
eu segregava um secreto pranto
vizinho da alegria enquanto
pelos dias tu ias de mãos vivas
O costume da minha solidão
é ver pela janela as oliveiras
que de todas as árvores foram as primeiras
que tocaram meu jovem coraçãoPurificado pelo tempo estou
um tempo de feroz esquecimento
vem minha filha vem neste momento
em que eu liberto ao teu encontro vouRecordo-me do teu cabelo de chuva
quando tu caminhavas ágil e ladina
pelos desfiladeiros da neblina
nessa distante região da uvaMinha paixão viril serena pelos ritos
deseja que na minha companhia
tu sejas imolada à alegria
na surda região alheia aos gritosNão olhes o meu rosto devastado pela idade
a vida para mim é como se chovesse
mas se viesses seria como se me acontecesse
cantar contigo a perene mocidadeO tempo em que viesses sim seria
um tempo vertebrado um tempo inteiro
e não meras palavras arrancadas ao tinteiro
e alinhadas em fugaz caligrafiaViesses tu que a tua vinda afastaria
todos os meus cuidados transumantes
e para sempre alegre viveria
os meus dias infantes já distantesA solução da solidão compartilhada
onde vejo o meu mais profundo mundo
seria a solução ampla e sem fundo
oposta sem resposta ao meu país do nadaCom a voracidade do olvido
seria só tu vires e lutares
e por mim de olhos enormes e crepusculares
serias ente querido recebidoVolta com os primeiros anjos de dezembro
num vasto laranjal eu quero amar-te
e então a tua vida há-de ser a minha arte
e o teu vulto a única coisa que relembroO passado é mentira digo eu
sensível ao esplendor do meio-dia
e sob a árvore plena da alegria
o mínimo cuidado esmoreceuAo grande peso de tanto passado
com a insónia da dúvida na testa
basta a tua presença que protesta
e todo eu me sinto renovado
No Dia que para Sempre Separámos do Corpo
No dia que para sempre separámos do corpo,
havia nesse dia sobre o livro de gravuras
um insecto com os breves sinais de uma aranha.Esperávamos um recado que se fez esperar e
tinha as mãos no rosto e fora meu.
A medo a dor para onde não sei bem levava a dor
o rosto.Havia tudo um pouco misturado. Antigas cartas
velhos poemas.
Até do outro lado da janela víamos tristes
tristes rapazes jogando a bola,corpo jogado sob o vento de abril e o de
março.Dentro do quadro via a camisola de lã branca
e o que de loiro havia do recente sol
via a dor o recado desejado no negro azul
das aves.Sobre o céu, o mar, esse tinha-lo agora nos novos
olhos.
Poema de Natal
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
Quando a Fortuna Encetou com Desgraças
Quando a Fortuna, de inconstante aviso,
Encetou com desgraças
O varão que não veio humilde, abjecto
Adorar o seu Nume,
Na refalsada Corte, ou ante os cofres
Chapeados de Pluto;
Levando avante, o seu empenho, e acinte,
Maléfica lhe emborca
Sobre a cabeça a mágoas devotada,
Toda a Urna infelice,
Que Jove encheu colérico co’as penas
De atormentado inferno.
Dos ombros do Varão constante e justo
Resvalam debruçadas
Perdas de bens, desonras mal sofridas
A lhe aferrar o peito
Co’as garras afaimadas da pobreza;
Logo os tristes Pesares
Em torno ao coração serpeiam, mordem,
Trajando a rojo lutos.
Vem a má nova, de agouradas falas,
Que se compõe sequela
De tibiezas, senões, desconfianças,
Desamparo de amigos.
A Doença, com mão finada abrange
Os fatigados membros
E no âmago do peito as amargaras
Vão assentar morada.
Com índice maligno a Providência
Lhe aponta no futuro,
Em nebuloso quadro hórridas formas
De sinistros sucessos.
Quem não quisera, com melhor semblante
Despedir-se do dia,
E fraudar, com as sombras do jazigo,
Príncipe
Príncipe:
Era de noite quando eu bati à tua porta
e na escuridão da tua casa tu vieste abrir
e não me conheceste.
Era de noite
são mil e umas
as noites em que bato à tua porta
e tu vens abrir
e não me reconheces
porque eu jamais bato à tua porta.
Contudo
quando eu batia à tua porta
e tu vieste abrir
os teus olhos de repente
viram-me
pela primeira vez
como sempre de cada vez é a primeira
a derradeira
instância do momento de eu surgir
e tu veres-me.
Era de noite quando eu bati à tua porta
e tu vieste abrir
e viste-me
como um náufrago sussurrando qualquer coisa
que ninguém compreendeu.
Mas era de noite
e por isso
tu soubeste que era eu
e vieste abrir-te
na escuridão da tua casa.
Ah era de noite
e de súbito tudo era apenas
lábios pálpebras intumescências
cobrindo o corpo de flutuantes volteios
de palpitações trémulas adejando pelo rosto.
Beijava os teus olhos por dentro
beijava os teus olhos pensados
beijava-te pensando
e estendia a mão sobre o meu pensamento
corria para ti
minha praia jamais alcançada
impossibilidade desejada
de apenas poder pensar-te.
Ode aos Natais Esquecidos
Eu vinha, pé ante pé, em busca da pequena porta
que dava acesso aos mistérios da noite,
daquela noite em particular, por ser a mais terna
de todas as noites que a minha memória
era capaz de guardar, com letras e sons,
no seu bojo de coisas imateriais e imperecíveis.
Tinha comigo os cães e os retratos dos mortos,
a lembrança de outras noites e de outros dias,
os brinquedos cansados da solidão dos quartos,
os cadernos invadidos pêlos saberes inúteis.
E todos me diziam que era ainda muito cedo,
porque a meia-noite morava já dentro do sono,
no território dos anjos e dos outros seres alados,
hora inatingível a clamar pela nossa paciência,
meninos hirtos de olhos fixos na claridade
enganadora de uma árvore sem nome.Depois, o meu pai morreu e as minhas ilusões também.
Tudo se tornou gélido, esquivo e distante
como a tristeza de um fantasma confrontado
com a beleza da vida para sempre perdida.
Deixaram de me dar presentes e de dizer
que era o Menino Jesus que os trazia
para premiar a minha grandeza de alma,
Do Tempo ao Coração
E volto a murmurar Do cântico de amor
gerado na Suméria às novas europutas
Do muito que me dás ao muito que não dou
mas que sempre conservo entre as coisas mais purasDe uma genebra a mais num bar de Amsterdão
a não perder o pé numa praia da Grécia
De tantas tantas mãos que nos passam pelas mãos
a tão poucas que são as que nunca se esquecemDe ter visto o começo e o fim da Via Ápia
De ter atravessado o muro de Berlim
De outros muros que não aparecem no mapa
De outros muros que só aparecem aquiao barro deste céu que te modela os ombros
ao sopro deste céu que te solta o cabelo
ao riso deste céu que vem ao nosso encontro
quando sabe que nós não precisamos deleDa pertinaz presença E da longevidade
do corvo do chacal do louco do eunuco
ao rouxinol que morre em plena madrugada
à rosa que adormece em caules de um minutoDo que foi noutro tempo a saúde no campo
à lepra que nos rói a paisagem bucólica
Do tempo ao coração minado pelo cancro
Dos rins ao infinito incubado na cóleraDo tempo ao coração mas com pausa na pele
como «Roma by night» entre dois aviões
como passar o Verão numa vogal aberta
como dizer que não que já não somos doisDos rins ao infinito A este que não outro
Ao que rola dos rins Ao que vai rebentar-te
na câmara blindada e nocturna do útero
E nos transfere o fim para um pouco mais tardeDa curva de entretanto à entrada do poço
De soletrar em mim a ler nas tuas mãos
como é rápido e lento e recto e sinuoso
o percurso que vai do tempo ao coração.