No Amor é a Alma aquilo que Mais nos Toca
As mesmas paixões são bastante diferentes nos homens. O mesmo objecto pode-lhes agradar por aspectos opostos; suponho que vários homens podem prender-se a uma mesma mulher; uns a amam pelo seu espírito, outros pela sua virtude, outros pelos seus defeitos, etc. E pode até acontecer que todos a amem por coisas que ela não tem, como quando se ama uma mulher leviana a quem se julga séria. Pouco importa, a gente prende-se à idéia que se tem prazer em fazer dela; e é mesmo apenas essa idéia que se ama, não é a mulher leviana. Assim, não é o objeto das paixões que as degrada ou as enobrece, mas a maneira como a gente o encara.
Ora, eu disse que era possível que se buscasse no amor algo mais puro do que o interesse dos nossos sentidos. Eis o que me faz pensar assim. Vejo todos os dias no mundo que um homem cercado de mulheres com as quais nunca falou, como na missa, no sermão, nem sempre se decide pela mais bonita, ou mesmo pela que lhe pareça tal. Qual a razão disso? É que cada beleza exprime um carácter bem particular, e preferimos aquele que melhor se encaixa no nosso.
Passagens sobre Prazer
1016 resultadosDeus sussurra e fala à consciência através do prazer, mas grita-lhe por meio da dor: a dor é o seu megafone para despertar um mundo adormecido.
Viver com o Coração ou com a Razão
Viver segundo a razão, alvitre que os filósofos pregoam, é bom de dizer-se e desejar-se, mas enquanto os filósofos não derem uma razão a cada homem, e essa razão igual à de todos os homens, o apostolado é de todo inútil. Melhor avisados andam os moralistas religiosos, subordinando a humanidade aos ditames de uma mesma fé; todavia, e sem menoscabo dos preceitos evangélicos que altamente venero, parece-me que o homem, sincero crente, e devotado cristão, no meio destes mouros, que vivem à luz do século, e meneiam os negócios temporais a seu sabor, tal homem, se pedir a seu bom juízo religioso a norma dos deveres a respeitar, e dos direitos a reclamar, ganha créditos de parvo, e morre sequestrado dos prazeres da vida, se quiser poupar-se ao desgosto de ser apupado, procurando-os.
Como sabem, eu nunca andei em boas-avenças com a religião de meus pais; e por isso me abstenho de lhe imputar a responsabilidade das minhas quedas, seja dos pináculos aéreos onde o coração me alçou, seja do raso da razão, onde as quedas, bem que baixas, são mais igminiosas. Eu comparo o cair das alturas do coração à queda que se dá dum garboso cavalo: quem nos vê cair pode ser que nos deplore;
Para a maioria, quão pequena é a porção de prazer que basta para fazer a vida agradável!
Na Véspera de não Partir Nunca
Na véspera de não partir nunca
Ao menos não há que arrumar malas
Nem que fazer planos em papel,
Com acompanhamento involuntário de esquecimentos,
Para o partir ainda livre do dia seguinte.
Não há que fazer nada
Na véspera de não partir nunca.
Grande sossego de já não haver sequer de que ter sossego!
Grande tranqüilidade a que nem sabe encolher ombros
Por isto tudo, ter pensado o tudo
É o ter chegado deliberadamente a nada.
Grande alegria de não ter precisão de ser alegre,
Como uma oportunidade virada do avesso.
Há quantas vezes vivo
A vida vegetativa do pensamento!
Todos os dias sine linea
Sossego, sim, sossego…
Grande tranqüilidade…
Que repouso, depois de tantas viagens, físicas e psíquicas!
Que prazer olhar para as malas fítando como para nada!
Dormita, alma, dormita!
Aproveita, dormita!
Dormita!
É pouco o tempo que tens! Dormita!
É a véspera de não partir nunca!
O prazer mais delicado é o de dar prazer a alguém.
Retrato
Pintar o rosto de Márcia
Com tal primor determino,
Que seja logo seu rosto
Pela pinta conhecido.
Anda doudo de prazer
Seu cabelo por tão lindo,
Pois mal lhe vai uma onda,
Quando outra já lhe tem vindo.
Sua testa com seus arcos
Do Turco Império castigo
Vencido tem Solimão,
Meias Luas tem vencido.
Dormidos seus olhos são,
Porém Planetas tão ricos
Nunca já foram sonhados,
Bem que sempre são dormidos.
A dormir creio se lançam
Por ter de mortais, e vivos
Tão boa fama cobrado,
Nome tão grande adquirido.
Entre seus raios se mostra
O grande nariz bornido,
Por final que entre seus raios
Prova o nariz de aquilino.
Nas taças de suas faces
Feitas do metal mais limpo,
Como certos Reverendos,
Mistura o branco co’tinto.
As perlas dos dentes alvos,
Os rubins dos beiços finos
Tem desdentado o marfim,
E a cor mais viva comido.
O passadiço da voz
Nem é neve, nem é vidro,
Nem mármore, nem marfim,
Nem cristal, mas passadiço.
Pequei, Senhor; Mas Não Porque Hei Pecado
Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido,
Porque quanto mais tenho delinqüido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história:Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.
A dor atual é a maior de todas, e o prazer atual é menor que o anterior.
Deus não castiga o homem; castiga apenas o pecado. Castigar o pecado significa desmascarar a ilusão, mostrando que a carne é vazia e que nela não existe prazer nem Vida. O pecado, quando castigado, revela sua original inexistência e desaparece. Quando o pecado é anulado, o homem se purifica e revela sua original natureza divina.
O apogeu do prazer será alcançado quando todas as dores forem eliminadas. Pois onde entrou o prazer não existem, enquanto ele reinar, nem dores nem padecimentos, ou até ambos.
Trabalho é o exercício continuado até à fadiga; exercício é trabalho feito só enquanto dá prazer.
Oração Da Noite
Ajoelhada, ó meu Deus, e as duas mãos unidas,
Olhos fitos na Cruz, imploro a tua graça…
Esconde-me, Jesus! da treva que esvoaça
Na tristeza e no horror das noites mal dormidas,Maria! Virgem mãe das almas compungidas,
Sorriso no prazer, conforto na desgraça…
Recolhe essa oração que nos meus lábios passa
Em palavras de fé no teu amor ungidas.Anjo de minha guarda, ó doce companheiro!
Tu que levas do berço ao porto derradeiro
O lúrido batel de meu sonhar sem fim,Dá-me o sono que traz o bálsamo ao tormento,
Afoga o coração no mar do esquecimento…
Abre as asas, meu anjo, e estende-as sobre mim.
A Falsa Emancipação da Mulher
Actualmente, tem-se a pretensão de que a mulher é respeitada. Uns cedem-lhe o lugar, apanham-lhe o lenço: outros reconhecem-lhe o direito de exercer todas as funções, de tomar parte na administração, etc.; mas a opinião que têm dela é sempre a mesma – um instrumento de prazer. E ela sabe-o. Isso em nada difere da escravatura. A escravatura mais não é do que a exploração por uns do trabalho forçado da maioria. Assim, para que deixe de haver escravatura é necessário que os homens cessem de desejar usufruir o trabalho forçado de outrem e considerem semelhante coisa como um pecado ou vergonha. Entretanto, eles suprimem a forma exterior da escravatura, depois imaginam, persuadem-se de que a escravatura está abolida mas não vêem, não querem ver que ela continua a existir porque as pessoas procedem sempre de maneira idêntica e consideram bom e equitativo aproveitar o trabalho alheio. E desde que isso é julgado bom, torna-se inveitável que apareçam homens mais fortes ou mais astutos dispostos a passar à acção. A escravatura da mulher reside unicamente no facto de os homens desejarem e julgarem bom utilizá-la como instrumento de prazer. Hoje em dia, emancipam-na ou concedem-lhe todos os direitos iguais aos do homem,
Prazer e Dor São as Únicas Certezas da Vida
Os filósofos têm tentado abalar todas as nossas certezas e mostrar que do mundo conhecemos apenas aparências. Possuiremos sempre, porém, duas grandes certezas, que nada poderia destruir: o prazer e a dor. Toda a nossa actividade deriva delas. As recompensas sociais, os paraísos e os infernos criados pelos códigos religiosos ou civis baseiam-se na acção dessas certezas, cuja evidente realidade não pode ser contestada.
Desde que a vida se manifesta, surgem o prazer e a dor. Não é o pensamento, mas a sensibilidade, que nos revela o nosso “eu”. Se dissesse: “Sinto, logo existo” ao invés de: “Penso, logo existo”, Descartes estaria muito perto da verdade. Assim modificada, a sua fórmula aplica-se a todos os seres e não a uma fração apenas da humanidade. Dessas duas certezas poder-se-ia deduzir a completa filosofia prática da vida. Fornecem uma resposta segura à eterna pergunta tão repetida desde o Eclesiastes: por que tanto trabalho e tantos esforços, já que a morte nos espera e o nosso planeta se extingará um dia?
Porquê? Porque o presente ignora o futuro e no presente a Natureza condena-nos a procurar o prazer e a evitar a dor.
O operário, curvado sob o peso do trabalho,
Viver de Olhos Fechados
É propriamente ter os olhos fechados, sem jamais tentar abri-los, viver sem filosofar; e o prazer de ver todas as coisas que a nossa visão descobre não é comparável à satisfação proporcionada pelo conhecimento daquelas que encontramos por meio da filosofia; e, finalmente, esse estudo é mais necessário para regrar os nossos costumes e conduzir-nos por essa vida do que o uso dos nossos olhos para orientar os nossos passos.
(…) Se desejamos seriamente ocupar-nos com o estudo da filosofia e com a busca de todas as verdades que somos capazes de conhecer, tratemos, em primeiro lugar, de nos libertar dos nossos preconceitos, e estaremos em condições de rejeitar todas as opiniões que outrora recebemos através da nossa crença até que as tenhamos examinado novamente; em seguida, passaremos em revista as noções que estão em nós, e só aceitaremos como verdadeiras as que se apresentarem clara e distintamente ao nosso entendimento.
Encontro-me em Plena Posse das Leis Fundamentais da Arte Literária
Deixei para trás o hábito de ler. Já nada leio a não ser um ou outro jornal, literatura ligeira e ocasionalmente livros técnicos relacionados com o que porventura estudo e em que o simples raciocínio possa ser insuficiente.
O género definido de literatura quase o abandonei. Poderia lê-lo para aprender ou por gosto. Mas nada tenho a aprender, e o prazer que se obtém dos livros é do género que pode ser substituído com proveito pelo que me pode proporcionar directamente o contacto com a natureza e a observação da vida.
Encontro-me agora em plena posse das leis fundamentais da arte literária. Shakespeare já não me pode ensinar a ser subtil, nem Milton a ser completo. O meu intelecto atingiu uma flexibilidade e um alcance tais que me permitem assumir qualquer emoção que deseje e penetrar à vontade em qualquer estado de espírito. Quanto àquilo por que sempre se luta com esforço e angústia, ser-se completo, não há livro que valha.
Isto não significa que eu tenha sacudido a tirania da arte literária. Aceito-a apenas sujeita a mim próprio.
Há um livro de que ando sempre acompanhado – «As Aventuras de Pickwick». Li várias vezes os livros de Mr.
A Mancha Humana
– É o resultado de ter sido criado entre nós – disse Faunia. – É o resultado de passar toda a vida com pessoas como nós. A mancha humana – acrescentou, mas sem repulsa, desprezo ou condenação. Nem sequer com tristeza. As coisas são como são – à sua maneira seca e concisa, era só isso que ela estava a dizer à rapariga que dava de comer à serpente: nós deixamos uma mancha, deixamos um rasto, deixamos a nossa marca. Impureza, crueldade, mau trato, erro, excremento, sémen. Não há outra maneira de estar aqui. Não tem nada a ver com desobediência. Nem com graça, ou salvação, ou redenção. Está em todos. Sopro interior. Inerente. Determinante. A mancha que existe antes da sua marca. Sem o sinal de que está lá. A mancha que é tão intrínseca que não precisa de uma marca. A mancha que precede a desobediência, que engloba a desobediência e confunde toda e qualquer explicação e compreensão. É por isso que toda a purificação é uma anedota. É uma anedota básica, ainda por cima. A fantasia da pureza é aterradora. É demencial. O que á ânsia de purificar senão impureza?
Tudo quanto estava a dizer acerca da mancha era que ela é inelutável.
Escrevo pelo prazer de contradizer e pela felicidade de estar sozinho contra todos.
Todo prazer sentido com gosto parece-me casto