O Que Tu És…
És Aquela que tudo te entristece
Irrita e amargura, tudo humilha;
Aquela a quem a Mágoa chamou filha;
A que aos homens e a Deus nada merece.Aquela que o sol claro entenebrece
A que nem sabe a estrada que ora trilha,
Que nem um lindo amor de maravilha
Sequer deslumbra, e ilumina e aquece!Mar-Morto sem marés nem ondas largas,
A rastejar no chĂŁo como as mendigas,
Todo feito de lágrimas amargas!És ano que nĂŁo teve Primavera…
Ah! NĂŁo seres como as outras raparigas
Ă“ Princesa Encantada da Quimera!…
Passagens sobre Quimera
85 resultadosA arte nĂŁo pode ser polĂtica, nem sujeição social, nem glosa duma ideia que faz Ă©poca; nem mesmo pode estar de qualquer forma aliada ao conceito «progresso». É algo mais. É o prĂłprio alento humano para lá da morte de todas as quimeras, da fadiga de todas as perguntas sem solução.
Quem?
NĂŁo sei quem Ă©s. Já nĂŁo te vejo bem…
E ouço-me dizer (ai, tanta vez!…)
Sonho que um outro sonho me desfez?
Fantasma de que amor? Sombra de quem?NĂ©voa? Quimera? Fumo? Donde vem?…
– NĂŁo sei se tu, amor, assim me vĂŞs!…
Nossos olhos nĂŁo sĂŁo nossos, talvez…
Assim, tu nĂŁo Ă©s tu! NĂŁo Ă©s ninguĂ©m!…És tudo e nĂŁo Ă©s nada… És a desgraça…
És quem nem sequer vejo; Ă©s um que passa…
És sorriso de Deus que nĂŁo mereço…És aquele que vive e que morreu…
És aquele que Ă© quase um outro eu…
És aquele que nem sequer conheço…
Partida
Ao ver escoar-se a vida humanamente
Em suas águas certas, eu hesito,
E detenho-me Ă s vezes na torrente
Das coisas geniais em que medito.Afronta-me um desejo de fugir
Ao mistério que é meu e me seduz.
Mas logo me triunfo. A sua luz
NĂŁo há muitos que a saibam reflectir.A minh’alma nostálgica de alĂ©m,
Cheia de orgulho, ensombra-se entretanto,
Aos meus olhos ungidos sobe um pranto
Que tenho a fôrça de sumir também.Porque eu reajo. A vida, a natureza,
Que sĂŁo para o artista? Coisa alguma.
O que devemos Ă© saltar na bruma,
Correr no azul á busca da beleza.É subir, é subir à lem dos céus
Que as nossas almas sĂł acumularam,
E prostrados resar, em sonho, ao Deus
Que as nossas mãos de auréola lá douraram.É partir sem temor contra a montanha
Cingidos de quimera e d’irreal;
Brandir a espada fulva e medieval,
A cada hora acastelando em Espanha.É suscitar côres endoidecidas,
Ser garra imperial enclavinhada,
E numa extrema-unção d’alma ampliada,
A morte é uma quimera: porque enquanto eu existo, não existe a morte; e quando existe a morte, já não existo.
Suavidade
Poisa a tua cabeça dolorida
TĂŁo cheia de quimeras, de ideal
Sobre o regaço brando e maternal
Da tua doce IrmĂŁ compadecida.Hás de contar-me nessa voz tĂŁo q’rida
Tua dor infantil e irreal,
E eu, pra te consolar, direi o mal
Que Ă minha alma profunda fez a Vida.E hás de adormecer nos meus joelhos…
E os meus dedos enrugados, velhos,
HĂŁo de fazer-se leves e suaves…HĂŁo de poisar-se num fervor de crente,
Rosas brancas tombando docemente
Sobre o teu rosto, como penas d’aves…
Carnal E MĂstico
Pelas regiões tenuĂssimas da bruma
Vagam as Virgens e as Estrelas raras…
Como que o leve aroma das searas
Todo o horizonte em derredor perfume.N’uma evaporação de branca espuma
VĂŁo diluindo as perspectives claras…
Com brilhos crus e fĂşlgidos de tiaras
As Estrelas apagam-se uma a uma.E entĂŁo, na treva, em mĂsticas dormĂŞncias
Desfila, com sidéreas lactescências,
Das Virgens o sonâmbulo cortejo…Ă“ Formas vagas, nebulosidades!
EssĂŞncia das eternas virgindades!
Ă“ intensas quimeras do Desejo…
Ecos D’alma
Oh! madrugada de ilusões, santĂssima,
Sombra perdida lá do meu Passado,
Vinde entornar a clâmide purĂssima
Da luz que fulge no ideal sagrado!Longe das tristes noutes tumulares
Quem me dera viver entre quimeras,
Por entre o resplandor das Primaveras
Oh! madrugada azul dos meus sonhares;Mas quando vibrar a Ăşltima balada
Da tarde e se calar a passarada
Na bruma sepulcral que o céu embaça,Quem me dera morrer então risonho,
Fitando a nebulosa do meu Sonho
E a Via-Láctea da Ilusão que passa!
Prosema I
Com a devida vĂ©nia me reparto junto do tampo de mármore meu secretário tĂŁo certo. Desde quando deixara eu de ouvir esta palavra? Logrei substituĂ-la numa manhĂŁ Ăłptima mas nĂŁo esta em que a mola salta reprimida sabe-se lá donde, algures na hipĂłfise.
Na confraria dos reclusos outras quimeras se aventam como Sol, MĂŁe, Amada, atĂ© que o tempo nosso inimigo se distancie e nos abandone por instantes. Na laje já sobre a qual o papel branco me obedece sem que o habitem outros sinais, pequeninos veios avolumam-se em áreas mais densas, configurando pássaros de porcelana chinesa. Afundo-me neste fundo para descobrir-lhes um sentido, branco, amarelo, de novo branco, cada centĂmetro um fuso de seres minĂşsculos, buscando reorganizar-se, perder-se, reagrupar-se.
De anacoreta nada tenho, sĂł de multidões entre Cacilhas, Piedade e o Barreiro. E Campo de Ourique, que digo! A minha mĂŁo move-se, o pensamento pára, descubro as uvas pendentes como se fora VerĂŁo e o Sol ferisse como se o olhara de frente. Nem o ruĂdo dos pássaros habituais junto Ă janela nos veio dar os bons dias, o funcionário impreterĂvel virá Ă hora impreterĂvel. Muito longe fora de portas um galo ou a sua ausĂŞncia. Tenho uma toalha,
Rompeu-Se O Denso Véu Do Atroz Marasmo
Rompeu-se o denso véu do atroz marasmo
E como por fatal, negro hebetismo
De antro sepulcral, de fundo abismo
O povo ressurgiu com entusiasmo!O Zoilo mazorral se queda pasmo
Supõe quimera ser, ser cataclismo
Roga, já por dobrez, por ceticismo
De nĂ©scio, vil truĂŁo solta o sarcasmo.PerdĂŁo, Filho da Luz, minh’alma exora,
Porém, a pátria diz, somente agora
Os grilhões biparti de atroz moleza!E ele, o nosso herói já redivivo
De pé, sem se curvar, sereno, altivo
Co’as raias do porvir mede a grandeza!
Assim
Assim foi nosso amor… um sonho que viveu
de um sonho, e despertou na realidade um dia…
Um pouco de quimera ao lĂ©u da fantasia…
Um flor que brotou e num botĂŁo morreu…Embora sendo nosso, este amor foi sĂł meu,
porque o teu, nĂŁo foi mais que pura hipocrisia,
– no fundo, há muito tempo, a minha alma sentia
este fim que o destino afinal já lhe deu…NĂŁo podes, bem o sei – sendo mulher como Ă©s,
saber quanto sofri, vendo esta flor desfeita
e as pĂ©talas no chĂŁo, pisadas por teus pĂ©s…Que importa ? Hás de sofrer mais tarde – a vida Ă© assim…
Esse mesmo sorrir que agora te deleita
Ă© o mesmo que depois há de amargar teu fim!…
Incensos
Dentre o chorar dos trĂŞmulos violinos,
Por entre os sons dos órgãos soluçantes
Sobem nas catedrais os neblinantes
Incensos vagos, que recordam hinos…Rolos d’incensos alvadios, finos
E transparentes, fulgidos, radiantes,
Que elevam-se aos espaços, ondulantes,
Em Quimeras e Sonhos diamantinos.Relembrando turĂbulos de prata
Incensos aromáticos desata
Teu corpo ebĂşrneo, de sedosos flancos.Claros incensos imortais que exalam,
Que lânguidas e lĂmpidas trescalam
As luas virgens dos teus seios brancos.
Que Vençais no Oriente tantos Reis
Que vençais no Oriente tantos Reis,
Que de novo nos deis da ĂŤndia o Estado,
Que escureçais a fama que hão ganhado
Aqueles que a ganharam de infiéis;Que vencidas tenhais da morte as leis,
E que vencĂŞsseis tudo, enfim, armado,
Mais é vencer na Pátria, desarmado,
Os monstros e as Quimeras que venceis.Sobre vencerdes, pois, tanto inimigo,
E por armas fazer que sem segundo
No mundo o vosso nome ouvido seja;O que vos dá mais fama inda no mundo,
É vencerdes, Senhor, no Reino amigo,
Tantas ingratidões, tão grande inveja.
Se nos dermos de coração a uma quimera, se ela, nas formas vagas e aéreas que reveste, nos sorrir e namorar, em vão julgamos tê-la pelo que verdadeiramente é; há sempre um ou outro momento em que a acreditamos realizável e até realizada.
As Estrelas
Lá, nas celestes regiões distantes,
No fundo melancĂłlico da Esfera,
Nos caminhos da eterna Primavera
Do amor, eis as estrelas palpitantes.Quantos mistérios andarão errantes,
Quantas almas em busca da Quimera,
Lá, das estrelas nessa paz austera
Soluçarão, nos altos céus radiantes.Finas flores de pérolas e prata,
Das estrelas serenas se desata
Toda a caudal das ilusões insanas.Quem sabe, pelos tempos esquecidos,
Se as estrelas nĂŁo sĂŁo os ais perdidos
Das primitivas legiões humanas?!
Pequenina
Ă€ Maria Helena FalcĂŁo Risques
És pequenina e ris…A boca breve
É um pequeno idĂlio cor-de-rosa…
Haste de lĂrio frágil e mimosa!
Cofre de beijos feito sonho e neve!Doce quimera que a nossa alma deve
Ao Céu que assim te fez tão graciosa!
Que desta vida amarga e tormentosa
Te fez nascer como um perfume leve!O ver o teu olhar faz bem Ă gente…
E cheira e sabe, a nossa boca, a flores…
Quando o teu nome diz, suavemente…Pequenina que a MĂŁe de Deus sonhou,
Que ela afaste de ti aquelas dores
Que fizeram de mim isto que sou!…
O que Ă© Viver?
Viver Ă© sĂł sentir como a Morte caminha
E como a Vida a quer e como a vida a chama…
Viver, minha princesa pobrezinha,
É esta morte triste de quem ama…Viver é ter ainda uma quimera erguida
Ou um sonho febril a soluçar de rastos;
É beijar toda a dor humana, toda a Vida,
Como eu beijo a chorar os teus cabelos castos…Viver Ă© esperar a Morte docemente,
Beijando a luz, beijando os cardos, e beijando
Alguém, corpo ou fantasma, que nos venha amando…É sentir a nossa alma presa tristemente
Ao mistério da Vida que nos leva
Perdidos pelo sol, perdidos pela treva…
Das Unnennbare
Oh quimera, que passas embalada
Na onda de meus sonhos dolorosos,
E roças co’os vestidos vaporosos
A minha fronte pálida e cansada!Leva-te o ar da noite sossegada…
Pergunto em vĂŁo, com olhos ansiosos,
Que nome Ă© que te dĂŁo os venturosos
No teu paĂs, misteriosa fada!Mas que destino o meu! e que luz baça
A d’esta aurora, igual Ă do sol posto,
Quando sĂł nuvem lĂvida esvoaça!Que nem a noite uma ilusĂŁo consinta!
Que sĂł de longe e em sonhos te presinta…
E nem em sonhos possa ver-te o rosto!
Nenhum Mortal no Mundo Satisfeito
Nenhum mortal no mundo satisfeito
Com sua Sorte está, nunca é contente,
Pois de mil desatinos enche a mente
Sem que possa gozar um bem perfeito.O soldado deseja o canto estreito
Da cela do ermitão, com ânsia ardente:
Este, da guerra, o estrépito fremente
Deseja, sem razĂŁo, ao Ăłcio afeito.O rico, redobrados bens deseja;
O pobre, de quimeras se sustenta;
No coração humano reina a Inveja.Pobre, rico, fidalgo se alimenta
De insaciáveis desejos que lhe peja
Sua Sorte fatal, que os nĂŁo contenta.
Apenas Vi Do Dia A Luz Brilhante
Apenas vi do dia a luz brilhante
Lá de Túbal no empório celebrado,
Em sanguĂneo carácter foi marcado
Pelos Destinos meu primeiro instante.Aos dois lustros a morte devorante
Me roubou, terna mĂŁe, teu doce agrado;
Segui Marte depois, e em fim meu fado
Dos irmĂŁos e do pai me pĂ´s distante.Vagando a curva terra, o mar profundo,
Longe da pátria, longe da ventura,
Minhas faces com lágrimas inundo.E enquanto insana multidão procura
Essas quimeras, esses bens do mundo,
Suspiro pela paz da sepultura.