LV
Em profundo silĂȘncio jĂĄ descansa
Todo o mortal; e a minha triste idéia
Se estende, se dilata, se recreia
Pelo espaçoso campo da lembrança.Fatiga-se, prossegue, em vão se cansa;
E neste vĂĄrio giro, em que se enleia,
Ao duvidoso passo jĂĄ receia,
Que lhe possa faltar a segurança.Que diferente tudo estå notando!
Que perplexo as imagens do perdido
Num e noutro despojo vem achando!Este nĂŁo Ă© o templo (eu o duvido)
Assim o afirma, assim o estĂĄ mostrando:
Ou morreu Nise, ou este nĂŁo Ă© Fido.
Passagens sobre SilĂȘncio
845 resultadosO que se Ă© Vem Ă Flor?
“NĂŁo, nĂŁo digas nada” Fernando Pessoa
Melhor seria nĂŁo dizer-te nada
jĂĄ que as palavras se frustram, Pessoa
– ai! onde as pĂĄs sutis e as virgens lavras
do ver de terna fala entre as criaturas?
JĂĄ que as palavras nos frustram, pessoas
perdidas no universo das palavras
– ai tempos de durames sem ternuras! –
melhor seria nĂŁo dizer-te nada.
Calo. Do teu silĂȘncio aflora a fala
desse verde essencial â cerne, mensagem,
viva raiz-mistério da linguagem.
Na força de não ter dito o que mais cala.
A Morte que Trazemos no Coração
à no coração que morremos. à aà que a morte habita.
Nem sempre nos damos conta que a carregamos connosco, mas, desde que somos vida, ela segue-nos de perto. Enquanto nĂŁo somos tomados pela nossa, vamos assistindo e sentindo, em ritmo crescente ao longo da vida, Ă s mortes de quem nos Ă© querido. A morte de um amigo Ă© como uma amputação: perdemos uma parte de nĂłs; uma fonte de amor; alguĂ©m que dava sentido Ă nossa existĂȘncia… porque despertava o amor em nĂłs.
Mas nĂŁo hĂĄ sabedoria alguma, cultura ou religiĂŁo, que nĂŁo parta do princĂpio de que a realidade Ă© composta por dois mundos: um, a que temos acesso direto e, outro, que nĂŁo passa pelos sentidos, a ele se chega atravĂ©s do coração. Contudo, o visĂvel e o invisĂvel misturam-se de forma misteriosa, ao ponto de se confundirem e, como alguns chegam a compreender, nĂŁo serem jĂĄ dois mundos, mas um sĂł.
Só as pessoas que amamos morrem. Só a sua morte é absoluta separação. Os estranhos, com vidas com as quais não nos cruzamos, não morrem, porque, para nós, de facto, não chegam sequer a ser.Só as pessoas que amamos não morrem.
Na soleira do sĂtio a graĂșna canta ao silĂȘncio do sol.
Namorados do Mirante
Eles eram mais antigos que o silĂȘncio
A perscrutar-se intimamente os sonhos
Tal como duas sĂșbitas estĂĄtuas
Em que apenas o olhar restasse humano.
Qualquer toque, por certo, desfaria
Os seus corpos sem tempo em pura cinza.
A Remontavam Ă s origens â a realidade
Neles se fez, de substĂąncia, imagem.
Dela a face era fria, a que o desejo
Como um hictus, houvesse adormecido
Dele apenas restava o eterno grito
Da espĂ©cie â tudo mais tinha morrido.
CaĂam lentamente na voragem
Como duas estrelas que gravitam
Juntas para, depois, num grande abraço
Rolarem pelo espaço e se perderem
Transformadas na magma incandescente
Que milénios mais tarde explode em amor
E da matéria reproduz o tempo
Nas galĂĄxias da vida no infinito.Eles eram mais antigos que o silĂȘncio…
ExĂlio
Dentro de cada rosto vai-se
e perde o passo antes certo
que nĂŁo se quisera passo, mas silĂȘncio.Se em vĂŁo caminha e nada encontra,
um rosto e cada ruga, cada cancro
conferem o périplo e o decretam
desde sempre, nas frias manhĂŁs do tempo, nulo.MĂĄrmores, fĂĄtua memĂłria de um crime,
ou qualquer mĂșsica degredada em pranto,
nada falta, mas fasta, imĂłvel, sucessiva
uma lua basta e sua lousa, desterro.Letras, pedras, fomes, por entre grades paisagem
ou rosto informe no fundo de uma pĂĄgina,
vai a viagem ontem e esquece, urro ou simples erro.
O silĂȘncio nĂŁo existe; viver Ă© mantermo-nos no centro de um fluxo que sĂł a morte interromperĂĄ.
Algumas Coisas
A morte e a vida morrem
e sob a sua eternidade fica
sĂł a memĂłria do esquecimento de tudo;
tambĂ©m o silĂȘncio de aquele que fala se calarĂĄ.Quem fala de estas
coisas e de falar de elas
foge para o puro esquecimento
fora da cabeça e de si.O que existe falta
sob a eternidade;
saber Ă© esquecer, e
esta Ă© a sabedoria e o esquecimento.
O que se pode dizer pode ser dito claramente; e aquilo de que nĂŁo se pode falar tem de ficar no silĂȘncio.
SilĂȘncio!
No fadĂĄrio que Ă© meu, neste penar,
Noite alta, noite escura, noite morta,
Sou o vento que geme e quer entrar,
Sou o vento que vai bater-te Ă porta…Vivo longe de ti, mas que me importa?
Se eu jĂĄ nĂŁo vivo em mim! Ando a vaguear
Em roda Ă tua casa, a procurar
Beber-te a voz, apaixonada, absorta!Estou junto de ti e nĂŁo me vĂȘs…
Quantas vezes no livro que tu lĂȘs
Meu olhar se pousou e se perdeu!Trago-te como um filho, nos meus braços!
E na tua casa…Escuta!…Uns leves passos…
SilĂȘncio, meu Amor!…Abre! Sou eu!…
Durmo e desdurmo.
Do outro lado de mim, lĂĄ para trĂĄs de onde jazo, o silĂȘncio da casa toca no infinito. Oiço cair o tempo, gota a gota, e nenhuma gota que cai se ouve cair.
A Festa do SilĂȘncio
Escuto na palavra a festa do silĂȘncio.
Tudo estĂĄ no seu sĂtio. As aparĂȘncias apagaram-se.
As coisas vacilam tĂŁo prĂłximas de si mesmas.
Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas.
à o vazio ou o cimo? à um pomar de espuma.Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia,
o ar prolonga. A brancura Ă© o caminho.
Surpresa e não surpresa: a simples respiração.
RelaçÔes, variaçÔes, nada mais. Nada se cria.
Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça.Nada Ă© inacessĂvel no silĂȘncio ou no poema.
Ă aqui a abĂłbada transparente, o vento principia.
No centro do dia hĂĄ uma fonte de ĂĄgua clara.
Se digo ĂĄrvore a ĂĄrvore em mim respira.
Vivo na delĂcia nua da inocĂȘncia aberta.
HĂĄ momentos na vida, em que se deveria calar e deixar que o silĂȘncio falasse ao coração, pois hĂĄ emoçÔes que as palavras nĂŁo sabem traduzir!
Eu sei que o silĂȘncio muitas vezes tira a vontade de alguĂ©m ouvir uma palavra, mas tem hora que as palavras doem mais do que o silĂȘncio.
Quanto barulho cabe no silĂȘncio
Beijos No Ar
No silĂȘncio da noite, alta e deserta,
inebriante, férvido sintoma,
uma fragrĂąncia feminina assoma
e tentadoramente me desperta.Entrou-me, em ondas, a janela aberta,
como se se quebrara uma redoma,
da qual fugira o delirante aroma,
que o mistério do amor assim me oferta.De que dama-da-noite ou jasmineiro,
de que magnĂłlia em flor, em fevereiro,
se exala esse cĂĄlido desejo?Ela sonha comigo: esse perfume
vem da sua saudade, que presume,
embora em sonho, ter-me dado um beijo!
SilĂȘncio, Nostalgia…
SilĂȘncio, nostalgia…
Hora morta, desfolhada,
sem dor, sem alegria,
pelo tempo abandonada.Luz de Outono, fria, fria…
Hora inĂștil e sombria
de abandono.
Não sei se é tédio, sono,
silĂȘncio ou nostalgia.InterminĂĄvel dia
de indizĂveis cansaços,
de funda melancolia.
Sem rumo para os meus passos,
para que servem meus braços,
nesta hora fria, fria?
Descansa do som no silĂȘncio, e do silĂȘncio digna-te tornar ao som. Sozinho, se souberes estar sĂł, deixa-te ir por vezes atĂ© Ă multidĂŁo.
As mais lindas palavras de amor sĂŁo ditas no silĂȘncio de um olhar.
Nihil Novum
Na penumbra do pĂłrtico encantado
De bruges, noutras eras, jĂĄ vivi;
Vi os templos do Egipto com Loti;
Lancei flores, na Ăndia, ao rio sagrado.No horizonte de bruma opalizado,
Frente ao BĂłsforo errei, pensando em ti!…
O silĂȘncio dos claustros conheci
Pelos poentes de nĂĄcar e brocado…Mordi as rosas brancas de IspaĂŁ
E o gosto a cinza em todas era igual!
Sempre a charneca bĂĄrbara e deserta,Triste, a florir, numa ansiedade vĂŁ!
Sempre da vida — o mesmo estranho mal,
E o coração — a mesma chaga aberta!