Sonetos sobre Calor

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Sonetos de calor escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Tonta

Dizes que ficas tonta… quando em tua boca
ergo a taça da minha a transbordar de beijos,
e te dou a beber dessa champanha louca
que espuma nos meus lábios para os teus desejos.

Dizes… E em teu olhar incendiado talvez,
como que tonto mesmo e ardendo de calor,
vejo se refletir minha prĂłpria embriaguez
e o mundo de loucura que há no nosso amor…

E receio por ti e por mim, e receio
que um dia ao te sentir tão junto, eu enlouqueça
e aperte no meu peito a maciez do teu seio…

Dizes que ficas tonta… Hás de entĂŁo ficar louca!
E eu tomando entre as mãos tua loura cabeça
hei de fazer sangrar de beijos tua boca! …

A Idade

Ao princípio, era a doença de ser, pura e simples
exaltação das trevas de que a casa era a luz do mundo.
Ao princĂ­pio, estava o amor oculto no secreto fio
da memória do mundo. Ao princípio, era o insondável

desconhecido, aberto nas mãos maternais, sortilégio
do mundo. Ao princĂ­pio, vinha o silĂŞncio como ponto
de encontro do nada do mundo. Ao princĂ­pio, chegava
a dor da pedra opressa nos corações, sublime prodígio

do mundo. Ao princípio, revelava-se o inominável,
o imĂłvel, o informe, a intimidade temida do mundo.
Ao princĂ­pio, clamava-se a concĂłrdia e a piedade,

afirmação absoluta da constância do mundo.
Ao princĂ­pio, era o calor e a paz. Depois, a casa
abriu-se à terra fértil, a madre terra, a medonha terra.

As MĂŁos

Brandamente escrevem dos espasmos do sol.
Envelhecem do pulso ao cérebro, ao calor baço
de um revérbero no eixo dos ventos, usura
das máscaras que, sucessivamente, as transformam

de consciĂŞncia em cal ou metal obscuro.
E já não é por si que a presença existe ou
subsiste o que separa. Destroem as sementes,
apodrecem como um sopro e nĂŁo sĂŁo remanso

na areia ou domadoras de chamas. Igualam-se
à água, para serem raiz do que se cala
e insinuam-se, para sempre, no pĂł da noite.

Um castelo de pele tomba. Deixam de ser
nomeadas ou nome. Escrevem, brandamente,
do termo da mĂşsica o luto do silĂŞncio.

Minha Vida!

Tu estás doente meu amor, porquê?
Falta-te o sol, a luz, o meu sabor?
Ou queres tu, que ainda eu te dĂŞ,
nos meus braços, mais ânsia, mais calor?

Se és tu o sol, a graça, essa mercê
divina que Deus trouxe Ă  minha dor,
exige tudo, a minha vida e crĂŞ
que ta darei com alegria, amor!

Se perdes a alegria, minha vida,
perco-me eu a procurar a causa:
minha alegria é também perdida!

Beijemo-nos, meu bem, ardentemente…
que venha a morte numa doce pausa
e que nos leve se nĂŁo Ă©s contente!

Vanda

Vanda! Vanda do amor, formosa Vanda,
Makuâma gentil, de aspecto triste,
Deixe que o coração que tu poluíste
Um dia, se abra e revivesça e expanda.

Nesse teu lábio sem calor onde anda
A sombra vĂŁ de amores que sentiste
Outrora, acende risos que nĂŁo viste
Nunca e as tristezas para longe manda.

Esquece a dor, a lĂşbrica serpente
Que, embora esmaguem-lhe a cabeça ardente,
Agita sempre a cauda venenosa.

Deixa pousar na seara dos teus dias
A caravana irial das alegrias
Como as abelhas pousam numa rosa.

Essa Que Eu Hei De Amar…

Essa que eu hei de amar perdidamente um dia
será tão loura, e clara, e vagarosa, e bela,
que eu pensarei que Ă© o sol que vem, pela janela,
trazer luz e calor a essa alma escura e fria.

E quando ela passar, tudo o que eu nĂŁo sentia
da vida há de acordar no coração, que vela…
E ela irá como o sol, e eu irei atrás dela
como sombra feliz… — Tudo isso eu me dizia,

quando alguém me chamou. Olhei: um vulto louro,
e claro, e vagaroso, e belo, na luz de ouro
do poente, me dizia adeus, como um sol triste…

E falou-me de longe: “Eu passei a teu lado,
mas ias tĂŁo perdido em teu sonho dourado,
meu pobre sonhador, que nem sequer me viste!”

Floripes

Fazes lembrar as mouras dos castelos,
As errantes visões abandonadas
Que pelo alto das torres encantadas
Suspiravam de trĂŞmulos anelos.

Traços ligeiros, tímidos, singelos
Acordam-te nas formas delicadas
Saudades mortas de regiões sagradas,
Carinhos, beijos, lágrimas, desvelos.

Um requinte de graça e fantasia
Dá-te segredos de melancolia,
Da Lua todo o lânguido abandono…

Desejos vagos, olvidadas queixas
VĂŁo morrer no calor dessas madeixas,
Nas virgens florescĂŞncias do teu sono.

Fumo

Longe de ti sĂŁo ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!

Meus olhos sĂŁo dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas…
Abertos, sonham mĂŁos cariciosas,
Tuas mĂŁos doces, plenas de carinhos!

Os dias sĂŁo Outonos: choram… choram…
Há crisântemos roxos que descoram…
Há murmĂşrios dolentes de segredos…

Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!…

XXXII

Como quisesse livre ser, deixando
As paragens natais, espaço em fora,
A ave, ao bafejo tépido da aurora,
Abriu as asas e partiu cantando.

Estranhos climas, longes céus, cortando
Nuvens e nuvens, percorreu: e, agora
Que morre o sol, suspende o vĂ´o, e chora,
E chora, a vida antiga recordando …

E logo, o olhar volvendo compungido
Atrás, volta saudosa do carinho,
Do calor da primeira habitação…

Assim por largo tempo andei perdido:
– Ali! que alegria ver de novo o ninho,
Ver-te, e beijar-te a pequenina mĂŁo!

Tempestade AmazĂ´nica

O calor asfixia e o ar escurece. O rio,
Quieto, nĂŁo tem uma onda. Os insetos na mata
Zumbem tontos de medo. E o pássaro, o sombrio
Da floresta procura, onde a chuva nĂŁo bata.

SĂşbito, o raio estala. O vento zune. Um frio
De terror tudo invade… E o temporal desata
As peias pelo espaço e, bufando, bravio,
O arvoredo retorce e as folhas arrebata.

O anoso buriti curva a copa, e farfalha.
Aves rodam no céu, num estéril esforço,
Entre nuvens de folha e fragmentos de palha.

No alto o trovĂŁo repousa e em baixo a mata brama.
Ruge em meio a amplidĂŁo. Das nuvens pelo dorso
Correm serpes de fogo. E a chuva se derrama…

Vaso ChinĂŞs

Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinĂŞs, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.

Mas, talvez por contraste Ă  desventura,
Quem o sabe?… de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura.

Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia um nĂŁo sei quĂŞ com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.

A Cigarra Que Ficou

Depois de ouvir por tanto tempo, a fio,
As cigarras, bem perto ou nas distâncias,
Só me ficou no coração vazio
A saudade de antigas ressonâncias…

Todas se foram… bando fugidio
Em busca do calor de outras estâncias,
Carregando nas asas como um rio
Leva nas águas – seus desejos e ânsias…

E ainda cantaram na hora da partida:
Era um clamor dentro da madrugada…
Essa, entretanto, desgarrou daquelas,

E entrou, tonta de luz, na minha vida,
Porque sabia que era a mais amada,
E cantava melhor que todas elas…

No Seu Tumulo

Sobre o seu frio berço sepulcral,
Meu espirito resa ajoelhado;
E sente-se perfeito e virginal
Na sua dĂ´r divina concentrado.

CaĂ­, gotas de orvalho matinal!
Astros, caí do céu todo estrelado!
Sêcas flôres do zéfiro outomnal,
Vinde enfeitar-lhe o tumulo sagrado!

Ă“ luar da meia noite, encantamento
De sombra, vem cobri-lo! Ă“ doido Vento,
Dorme com ele, em paz religiosa…

Sobre ele, Ăł terra, sĂŞ brandura apenas;
Faze-te luz, toma o calor das pennas;
SĂŞ MĂŁe perfeita, bĂ´a e carinhosa.

Visões Da Noite

Passai tristes fantasmas! O que Ă© feito
Das mulheres que amei, gentis e puras?
Umas devoram negras amarguras,
Repousam outras em marmĂłreo leito!

Outras no encalço de fatal proveito
Buscam Ă  noite as saturnais escuras,
Onde empenhando as murchas formosuras
Ao demĂ´nio do ouro rendem preito!

Todas sem mais amor! sem mais paixões!
Mais uma fibra trĂŞmula e sentida!
Mais um leve calor nos corações!

Pálidas sombras de ilusão perdida,
Minh’alma está deserta de emoçoes,
Passai, passai, nĂŁo me poupeis a vida!

Noite

Há na expressão do céu um mágico esplendor
e em ĂŞxtase sensual, a terra está vencida…
– deixa enlaçar-te toda… A sombra nos convida,
e uma noite como esta Ă© feita para o amor…

Assim… – Fica em meus braços, trĂŞmula e esquecida,
e dá-me do teu corpo esse estranho calor,
– ao pĂłlen que dá vida, em fruto faz-se a flor,
e o teu corpo Ă© uma flor que nĂŁo conhece a vida…

Há sussurros pelo ar… Há sombras nos caminhos…
E à indiscrição da Lua, em seu alto mirante,
encolhem-se aos casais, os pássaros nos ninhos…

Astros fogem no cĂ©u… ninguĂ©m mais pode vĂŞ-los…
procuram, para amar, a noite mais distante,
e eu, para amar, procuro a noite em teus cabelos!…

Fervet Amor

Dá para a cerca a estreita e humilde cela
Dessa que os seus abandonou, trocando
O calor da famĂ­lia ameno e brando
Pelo claustro que o sangue esfria e gela.

Nos florões manuelinos da janela
Papeiam aves o seu ninho armando,
VĂŞem-se ao longe os trigos ondulando ..
Maio sorri na Pradaria bela.

Zumbe o inseto na flor do rosmaninho:
Nas giestas pousa a abelha Ă©bria de gozo:
Zunem besouros e palpita o ninho.

E a freira cisma e cora, ao ver, ansioso,
Do seu catre virgĂ­neo sobre o linho
Um par de borboletas amoroso.

Regenerada

De mĂŁos postas, Ă  luz de frouxos cĂ­rios
Rezas para as Estrelas do Infinito,
Para os Azuis dos siderais EmpĂ­reos
Das Orações o doloroso rito.

Todos os mais recĂ´nditos martĂ­rios,
As angústias mortais, teu lábio aflito
Soluça, em preces de luar e lírios,
Num trĂŞmulo de frases inaudito.

Olhos, braços e lábios, mãos e seios,
Presos, d’estranhos, mĂ­sticos enleios,
Já nas Mágoas estão divinizados.

Mas no teu vulto ideal e penitente
Parece haver todo o calor veemente
Da febre antiga de gentis Pecados.

XII

Fatigado da calma se acolhia
Junto o rebanho Ă  sombra dos salgueiros;
E o sol, queimando os ásperos oiteiros,
Com violĂŞncia maior no campo ardia.

Sufocava se o vento, que gemia
Entre o verde matiz dos sovereiros;
E tanto ao gado, como aos pegureiros
Desmaiava o calor do intenso dia.

Nesta ardente estação, de fino amante
Dando mostras Daliso, atravessava
O campo todo em busca de Violante.

Seu descuido em seu fogo desculpava;
Que mal feria o sol tĂŁo penetrante,
Onde maior incĂŞndio a alma abrasava.

Soneto De Agosto

Tu me levaste eu fui… Na treva, ousados
Amamos, vagamente surpreendidos
Pelo ardor com que estávamos unidos
Nós que andávamos sempre separados.

Espantei-me, confesso-te, dos brados
Com que enchi teus patéticos ouvidos
E achei rude o calor dos teus gemidos
Eu que sempre os julgara desolados.

SĂł assim arrancara a linha inĂştil
Da tua eterna tĂşnica inconsĂştil…
E para a glĂłria do teu ser mais franco

Quisera que te vissem como eu via
Depois, à luz da lâmpada macia
O pĂşbis negro sobre o corpo branco.