Fervet Amor
Dá para a cerca a estreita e humilde cela
Dessa que os seus abandonou, trocando
O calor da família ameno e brando
Pelo claustro que o sangue esfria e gela.Nos florões manuelinos da janela
Papeiam aves o seu ninho armando,
Vêem-se ao longe os trigos ondulando ..
Maio sorri na Pradaria bela.Zumbe o inseto na flor do rosmaninho:
Nas giestas pousa a abelha ébria de gozo:
Zunem besouros e palpita o ninho.E a freira cisma e cora, ao ver, ansioso,
Do seu catre virgíneo sobre o linho
Um par de borboletas amoroso.
Sonetos sobre Calor
19 resultadosRegenerada
De mãos postas, à luz de frouxos círios
Rezas para as Estrelas do Infinito,
Para os Azuis dos siderais Empíreos
Das Orações o doloroso rito.Todos os mais recônditos martírios,
As angústias mortais, teu lábio aflito
Soluça, em preces de luar e lírios,
Num trêmulo de frases inaudito.Olhos, braços e lábios, mãos e seios,
Presos, d’estranhos, místicos enleios,
Já nas Mágoas estão divinizados.Mas no teu vulto ideal e penitente
Parece haver todo o calor veemente
Da febre antiga de gentis Pecados.
XII
Fatigado da calma se acolhia
Junto o rebanho à sombra dos salgueiros;
E o sol, queimando os ásperos oiteiros,
Com violência maior no campo ardia.Sufocava se o vento, que gemia
Entre o verde matiz dos sovereiros;
E tanto ao gado, como aos pegureiros
Desmaiava o calor do intenso dia.Nesta ardente estação, de fino amante
Dando mostras Daliso, atravessava
O campo todo em busca de Violante.Seu descuido em seu fogo desculpava;
Que mal feria o sol tão penetrante,
Onde maior incêndio a alma abrasava.
Soneto De Agosto
Tu me levaste eu fui… Na treva, ousados
Amamos, vagamente surpreendidos
Pelo ardor com que estávamos unidos
Nós que andávamos sempre separados.Espantei-me, confesso-te, dos brados
Com que enchi teus patéticos ouvidos
E achei rude o calor dos teus gemidos
Eu que sempre os julgara desolados.Só assim arrancara a linha inútil
Da tua eterna túnica inconsútil…
E para a glória do teu ser mais francoQuisera que te vissem como eu via
Depois, à luz da lâmpada macia
O púbis negro sobre o corpo branco.
Tonta
Dizes que ficas tonta… quando em tua boca
ergo a taça da minha a transbordar de beijos,
e te dou a beber dessa champanha louca
que espuma nos meus lábios para os teus desejos.Dizes… E em teu olhar incendiado talvez,
como que tonto mesmo e ardendo de calor,
vejo se refletir minha própria embriaguez
e o mundo de loucura que há no nosso amor…E receio por ti e por mim, e receio
que um dia ao te sentir tão junto, eu enlouqueça
e aperte no meu peito a maciez do teu seio…Dizes que ficas tonta… Hás de então ficar louca!
E eu tomando entre as mãos tua loura cabeça
hei de fazer sangrar de beijos tua boca! …
A Idade
Ao princípio, era a doença de ser, pura e simples
exaltação das trevas de que a casa era a luz do mundo.
Ao princípio, estava o amor oculto no secreto fio
da memória do mundo. Ao princípio, era o insondáveldesconhecido, aberto nas mãos maternais, sortilégio
do mundo. Ao princípio, vinha o silêncio como ponto
de encontro do nada do mundo. Ao princípio, chegava
a dor da pedra opressa nos corações, sublime prodígiodo mundo. Ao princípio, revelava-se o inominável,
o imóvel, o informe, a intimidade temida do mundo.
Ao princípio, clamava-se a concórdia e a piedade,afirmação absoluta da constância do mundo.
Ao princípio, era o calor e a paz. Depois, a casa
abriu-se à terra fértil, a madre terra, a medonha terra.
As Mãos
Brandamente escrevem dos espasmos do sol.
Envelhecem do pulso ao cérebro, ao calor baço
de um revérbero no eixo dos ventos, usura
das máscaras que, sucessivamente, as transformamde consciência em cal ou metal obscuro.
E já não é por si que a presença existe ou
subsiste o que separa. Destroem as sementes,
apodrecem como um sopro e não são remansona areia ou domadoras de chamas. Igualam-se
à água, para serem raiz do que se cala
e insinuam-se, para sempre, no pó da noite.Um castelo de pele tomba. Deixam de ser
nomeadas ou nome. Escrevem, brandamente,
do termo da música o luto do silêncio.
Minha Vida!
Tu estás doente meu amor, porquê?
Falta-te o sol, a luz, o meu sabor?
Ou queres tu, que ainda eu te dê,
nos meus braços, mais ânsia, mais calor?Se és tu o sol, a graça, essa mercê
divina que Deus trouxe à minha dor,
exige tudo, a minha vida e crê
que ta darei com alegria, amor!Se perdes a alegria, minha vida,
perco-me eu a procurar a causa:
minha alegria é também perdida!Beijemo-nos, meu bem, ardentemente…
que venha a morte numa doce pausa
e que nos leve se não és contente!
Vanda
Vanda! Vanda do amor, formosa Vanda,
Makuâma gentil, de aspecto triste,
Deixe que o coração que tu poluíste
Um dia, se abra e revivesça e expanda.Nesse teu lábio sem calor onde anda
A sombra vã de amores que sentiste
Outrora, acende risos que não viste
Nunca e as tristezas para longe manda.Esquece a dor, a lúbrica serpente
Que, embora esmaguem-lhe a cabeça ardente,
Agita sempre a cauda venenosa.Deixa pousar na seara dos teus dias
A caravana irial das alegrias
Como as abelhas pousam numa rosa.
Essa Que Eu Hei De Amar…
Essa que eu hei de amar perdidamente um dia
será tão loura, e clara, e vagarosa, e bela,
que eu pensarei que é o sol que vem, pela janela,
trazer luz e calor a essa alma escura e fria.E quando ela passar, tudo o que eu não sentia
da vida há de acordar no coração, que vela…
E ela irá como o sol, e eu irei atrás dela
como sombra feliz… — Tudo isso eu me dizia,quando alguém me chamou. Olhei: um vulto louro,
e claro, e vagaroso, e belo, na luz de ouro
do poente, me dizia adeus, como um sol triste…E falou-me de longe: “Eu passei a teu lado,
mas ias tão perdido em teu sonho dourado,
meu pobre sonhador, que nem sequer me viste!”
Floripes
Fazes lembrar as mouras dos castelos,
As errantes visões abandonadas
Que pelo alto das torres encantadas
Suspiravam de trêmulos anelos.Traços ligeiros, tímidos, singelos
Acordam-te nas formas delicadas
Saudades mortas de regiões sagradas,
Carinhos, beijos, lágrimas, desvelos.Um requinte de graça e fantasia
Dá-te segredos de melancolia,
Da Lua todo o lânguido abandono…Desejos vagos, olvidadas queixas
Vão morrer no calor dessas madeixas,
Nas virgens florescências do teu sono.
Fumo
Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas…
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!Os dias são Outonos: choram… choram…
Há crisântemos roxos que descoram…
Há murmúrios dolentes de segredos…Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!…
XXXII
Como quisesse livre ser, deixando
As paragens natais, espaço em fora,
A ave, ao bafejo tépido da aurora,
Abriu as asas e partiu cantando.Estranhos climas, longes céus, cortando
Nuvens e nuvens, percorreu: e, agora
Que morre o sol, suspende o vôo, e chora,
E chora, a vida antiga recordando …E logo, o olhar volvendo compungido
Atrás, volta saudosa do carinho,
Do calor da primeira habitação…Assim por largo tempo andei perdido:
– Ali! que alegria ver de novo o ninho,
Ver-te, e beijar-te a pequenina mão!
Tempestade Amazônica
O calor asfixia e o ar escurece. O rio,
Quieto, não tem uma onda. Os insetos na mata
Zumbem tontos de medo. E o pássaro, o sombrio
Da floresta procura, onde a chuva não bata.Súbito, o raio estala. O vento zune. Um frio
De terror tudo invade… E o temporal desata
As peias pelo espaço e, bufando, bravio,
O arvoredo retorce e as folhas arrebata.O anoso buriti curva a copa, e farfalha.
Aves rodam no céu, num estéril esforço,
Entre nuvens de folha e fragmentos de palha.No alto o trovão repousa e em baixo a mata brama.
Ruge em meio a amplidão. Das nuvens pelo dorso
Correm serpes de fogo. E a chuva se derrama…
Vaso Chinês
Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.Mas, talvez por contraste à desventura,
Quem o sabe?… de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura.Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.
A Cigarra Que Ficou
Depois de ouvir por tanto tempo, a fio,
As cigarras, bem perto ou nas distâncias,
Só me ficou no coração vazio
A saudade de antigas ressonâncias…Todas se foram… bando fugidio
Em busca do calor de outras estâncias,
Carregando nas asas como um rio
Leva nas águas – seus desejos e ânsias…E ainda cantaram na hora da partida:
Era um clamor dentro da madrugada…
Essa, entretanto, desgarrou daquelas,E entrou, tonta de luz, na minha vida,
Porque sabia que era a mais amada,
E cantava melhor que todas elas…
No Seu Tumulo
Sobre o seu frio berço sepulcral,
Meu espirito resa ajoelhado;
E sente-se perfeito e virginal
Na sua dôr divina concentrado.Caí, gotas de orvalho matinal!
Astros, caí do céu todo estrelado!
Sêcas flôres do zéfiro outomnal,
Vinde enfeitar-lhe o tumulo sagrado!Ó luar da meia noite, encantamento
De sombra, vem cobri-lo! Ó doido Vento,
Dorme com ele, em paz religiosa…Sobre ele, ó terra, sê brandura apenas;
Faze-te luz, toma o calor das pennas;
Sê Mãe perfeita, bôa e carinhosa.
Visões Da Noite
Passai tristes fantasmas! O que é feito
Das mulheres que amei, gentis e puras?
Umas devoram negras amarguras,
Repousam outras em marmóreo leito!Outras no encalço de fatal proveito
Buscam à noite as saturnais escuras,
Onde empenhando as murchas formosuras
Ao demônio do ouro rendem preito!Todas sem mais amor! sem mais paixões!
Mais uma fibra trêmula e sentida!
Mais um leve calor nos corações!Pálidas sombras de ilusão perdida,
Minh’alma está deserta de emoçoes,
Passai, passai, não me poupeis a vida!
Noite
Há na expressão do céu um mágico esplendor
e em êxtase sensual, a terra está vencida…
– deixa enlaçar-te toda… A sombra nos convida,
e uma noite como esta é feita para o amor…Assim… – Fica em meus braços, trêmula e esquecida,
e dá-me do teu corpo esse estranho calor,
– ao pólen que dá vida, em fruto faz-se a flor,
e o teu corpo é uma flor que não conhece a vida…Há sussurros pelo ar… Há sombras nos caminhos…
E à indiscrição da Lua, em seu alto mirante,
encolhem-se aos casais, os pássaros nos ninhos…Astros fogem no céu… ninguém mais pode vê-los…
procuram, para amar, a noite mais distante,
e eu, para amar, procuro a noite em teus cabelos!…