Ruínas
I
E é triste ver assim ir desfolhando,
Vê-las levadas na amplidão do ar,
As ilusões que andámos levantando
Sobre o peito das mães, o eterno altar.Nem sabe a gente já como, nem quando,
Há-de a nossa alma um dia descansar!
Que as almas vão perdidas, vão boiando
Nesta corrente eléctrica do mar!…Ó ciência, minha amante, ó sonho belo!
És fria como a folha dum cutelo…
Nunca o teu lábio conheceu piedade!Mas caia embora o velho paraíso,
Caia a fé, caia Deus! sendo preciso,
Em nome do Direito e da Verdade.II
Morreu-me a luz da crença — alva cecém,
Pálida virgem de luzentas tranças
Dorme agora na campa das crianças,
Onde eu quisera repousar também.A graça, as ilusões, o amor, a unção,
Doiradas catedrais do meu passado,
Tudo caiu desfeito, escalavrado
Nos tremendos combates da razão.Perdida a fé, esse imortal abrigo,
Fiquei sozinho como herói antigo
Batalhando sem elmo e sem escudo.A implacável, a rígida ciência
Deixou-me unicamente a Providência,
Sonetos sobre Luz
465 resultadosJá lá Vão Sete Lustros
Já lá vão sete lustros, que este monte
Berço me foi: Já da vital jornada
Mais de meia carreira está passada;
E cedo iremos ver outro horizonte:A mão já treme, já se enruga a fronte,
Já branqueja a cabeça, e com a pesada
Consideração da vida mal gastada,
Vai-se apagando a luz, secando a fonte.Pouco nos resta, que passar já agora;
E para as derradeiras agonias
De tantos anos, aproveite hum’hora.Esperanças, temores, vãs porfias,
Paixões, desejos, ide-vos embora;
Favor, que me fareis por poucos dias.
Luar
Ao longo das louríssimas searas
Caiu a noite taciturna e fria…
Cessou no espaço a límpida harmonia
Das infinitas perspectivas claras.As estrelas no céu, puras e raras,
Como um cristal que nítido radia,
Abrem da noite na mudez sombria
O cofre ideal de pedrarias caras.Mas uma luz aos poucos vai subindo
Como do largo mar ao firmamento — abrindo
Largo clarão em flocos d’escomilha.Vai subindo, subindo o firmamento!
E branca e doce e nívea, lento e lento,
A lua cheia pelos campos brilha…
Celeste
Vi-te crescer! tu eras a criança
Mais linda, mais gentil, mais delicada:
Tinhas no rosto as cores da alvorada
E o sol disperso pela loira trança.Asas tinhas também, as da esperança…
E de tal sorte eras sutil e alada
Que parecias ave arrebatada
Na luz do Espaço onde a razão descansa!Depois, então, fizeste-te menina,
Visão de amor, puríssima, divina,
Perante a qual ainda hoje me ajoelho.Cresceste mais! És bela e moça agora…
Mas eu, que acompanhei toda essa aurora,
Sinto bem quanto estou ficando velho.
Lisboa
Ó Cidade da Luz! Perpétua fonte
De tão nítida e virgem claridade,
Que parece ilusão, sendo verdade,
Que o sol aqui feneça e não desponte…Embandeira-se em chamas o horizonte:
Um fulgor áureo e róseo tudo invade:
São mil os panoramas da Cidade,
Surge um novo mirante em cada monte.Ó Luz ocidental, mais que a do Oriente
Leve, esmaltada, pura e transparente,
Claro azulejo, madrugada infinda!E és, ao sol que te exalta e te coroa,
— Loira, morena, multicor Lisboa! —
Tão pagã, tão cristã, tão moira ainda…
Dos Ilustres Antigos Que Deixaram
Dos ilustres antigos que deixaram
tal nome, que igualou fama à memória,
ficou por luz do tempo a larga história
dos feitos em que mais se assinalaram.Se se com cousas destes cotejaram
mil vossas, cada üa tão notória,
vencera a menor delas a mor glória
que eles em tantos anos alcançaram.A glória sua foi; ninguém lha tome.
Seguindo cada um vários caminhos,
estátuas levantando no seu Templo.Vós, honra portuguesa e dos Coutinhos,
ilustre Dom João, com melhor nome
a vós encheis de glória e a nós de exemplo.
Ilustre O Dino Ramo Dos Meneses
Ilustre o dino ramo dos Meneses,
aos quais o prudente e largo Céu
(que errar não sabe), em dote concedeu
rompesse os maométicos arneses;desprezando a Fortuna e seus reveses,
ide para onde o Fado vos moveu;
erguei flamas no Mar alto Eritreu,
e sereis nova luz aos Portugueses.Oprimi com tão firme e forte peito
o Pirata insolente, que se espante
e trema Taprobana e Gedrosia.Dai nova causa à cor do Arabo estreito:
assi que o roxo mar, daqui em diante,
o seja só co sangue de Turquia!
Voz Interior
(A João de Deus)
Embebido n’um sonho doloroso,
Que atravessam fantásticos clarões,
Tropeçando n’um povo de visões,
Se agita meu pensar tumultuoso…Com um bramir de mar tempestuoso
Que até aos céus arroja os seus cachões,
Através d’uma luz de exalações,
Rodeia-me o Universo monstruoso…Um ai sem termo, um trágico gemido
Ecoa sem cessar ao meu ouvido,
Com horrível, monótono vaivém…Só no meu coração, que sondo e meço,
Não sei que voz, que eu mesmo desconheço,
Em segredo protesta e afirma o Bem!
Soneto De Roma
Felizes os que chegam de mãos dadas
como se fosse o instante da partida
e entre as fontes que jorram a água clássica
dão em silêncio adeus à claridade.No dourado crepúsculo da tarde
o que nos dividiu agora é soma
e a vida que te dei e que me deste
voa entre os pombos no fulgor de Roma.Todo fim é começo. A água da vida
eterna e musical sustenta o instante
que triunfa da morte nas ruínas.Como o verão sucede à neve fria
um sol final aquece o nosso amor,
devolução da aurora e luz do dia.
O Doente Romântico
Eu sei que morrerei, discreta amante,
Antes do inverno vir; mas, lentamente,
Quero morrer á tua luz radiante,
Como os tísicos á luz do sol poente!Sou romântico assim! O tempo ardente
Das chimeras vai longe! Vão, constante,
Morrerei crendo em ti… e o azul distante
Olhando como um sábio ou um doente!…– Mas, eu não preso a tarde ensanguentada…
Nem o rumor do Sol! – quero a calada
Noute brumosa junto do Oceano…E assim, sem ai nem dor, entre a neblina,
Morrer-me, como morre a balsamina,
– E ouvindo, em sonho, os ais do teu piano.
E Havia A Via Estreita
(Para Alexei Bueno)
Aquém de mim há quem procure sombras
como quem cata a vida em folhas mortas.
Se não as acha, sobra-lhe do encontro
a coisa ida via estreita porta.Saber do pó que lambe esses escombros
a pouca luz que espouca e me transporta
é ser e ter em mim o Outro que escondo
que vive a deslizar por ruas tortas.Comigo sou, estou e ficarei
tecendo a tessitura que me esplende
na luz esparramada dessa grei.Se aquém de mim, alguém, que me vende
os olhos, saiba: a via já passei.
E o verso vem comigo e não se rende.
A Vida Anterior
Longos anos vivi sob um pórtico alto
De gigantes pilares, nobres, dominadores,
Que a luz, vinda do mar, esmaltava de cores,
Tornando-o semelhante às grutas de basalto.Chegavam até mim os ecos da harmonia
Do orfeão colossal das ondas chamejantes,
Ligando a sua voz às tintas deslumbrantes
Da luz crepuscular que em meus olhos fugia.Em meio do esplendor do céu, do mar, dos lumes,
Foi-me dado gozar, voluptuosas calmas!
Escravos seminus, rescendendo perfumes,Minha fronte febril refrescavam com palmas,
E tinham por missão apenas descobrir
A misteriosa dor que eu andava a carpirTradução de Delfim Guimarães
Salomé
Insónia rôxa. A luz a virgular-se em mêdo,
Luz morta de luar, mais Alma do que a lua…
Ela dança, ela range. A carne, alcool de nua,
Alastra-se pra mim num espasmo de segrêdo…Tudo é capricho ao seu redór, em sombras fátuas…
O arôma endoideceu, upou-se em côr, quebrou…
Tenho frio… Alabastro!… A minh’Alma parou…
E o seu corpo resvala a projectar estátuas…Ela chama-me em Iris. Nimba-se a perder-me,
Golfa-me os seios nus, ecôa-me em quebranto…
Timbres, elmos, punhais… A doida quer morrer-me:Mordoura-se a chorar–ha sexos no seu pranto…
Ergo-me em som, oscilo, e parto, e vou arder-me
Na bôca imperial que humanisou um Santo…
Luz Dolorosa
Fulgem da Luz os Viáticos serenos,
Brancas Extrema-Unções dos hostiários:
As Estrelas dos límpidos Sacrários
A nívea Lua sobre a paz dos fenos.Há prelúdios e cânticos e trenos
Tristes, nos ares ermos, solitários…
E nos brilhos da Luz, vagos e vários,
Há dor, há luto, há convulsões, venenos…Estranhas sensações maravilhosas
Percorrem pelos cálices das rosas,
Sensações sepulcrais de larvas frias…Como que ocultas áspides flexíveis
Mordem da Luz os germens invisíveis
Com o tóxico das cóleras sombrias…
Fetichismo
Homem, da vida as sombras inclementes
Interrogas em vão: – Que céus habita
Deus? Onde essa região de luz bendita,
Paraíso dos justos e dos crentes?…Em vão tateiam tuas mãos trementes
As entranhas da noite erma, infinita,
Onde a dúvida atroz blasfema e grita,
E onde há só queixas e ranger de dentes…A essa abóbada escura, em vão elevas
Os braços para o Deus sonhado, e lutas
Por abarcá-lo; é tudo em torno trevas…Somente o vácuo estreitas em teus braços;
E apenas, pávido, um ruído escutas,
Que é o ruído dos teus próprios passos!…
De Quantas Graças Tinha, A Natureza
De quantas graças tinha, a Natureza
fez um belo e riquíssimo tesouro;
e com rubis e rosas, neve e ouro,
Formou sublime e angélica beleza.Pôs na boca os rubis, e na pureza
do belo rostro as rosas, por quem mouro;
no cabelo o valor do metal louro;
no peito a neve em que a alma tenho acesa.Mas nos olhos mostrou quanto podia,
e fez deles um sol, onde se apura
a luz mais clara que a do claro dia.Enfim, Senhora, em vossa compostura
ela a apurar chegou quanto sabia
de ouro, rosas, rubis, neve e luz pura.
Robespierre
Alma inquebrável – bravo sonhador
De um fim brilhante, de um poder ingente,
De seu cérebro audaz, a luz ardente
É que gerava a treva do Terror!Embuçado num lívido fulgor
Su’alma colossal, cruel, potente,
Rompe as idades, lúgubre, tremente,
Cheia de glórias, maldições e dor!Há muito que, soberba, ess’alma ardida
Afogou-se cruenta e destemida
– Num dilúvio de luz: Noventa e três…Há muito já que emudeceu na história
Mas ainda hoje a sua atroz memória
É o pesadelo mais cruel dos reis!…
A Cor da Tua Alma
Enquanto eu te beijo, o seu rumor
nos dá a árvore, que se agita ao sol de ouro
que o sol lhe dá ao fugir, fugaz tesouro
da árvore que é a árvore de meu amor.Não é fulgor, não é ardor, não é primor
o que me dá de ti o que te adoro,
com a luz que se afasta; é o ouro, o ouro,
é o ouro feito sombra: a tua cor.A cor de tua alma; pois teus olhos
vão-se tornando nela, e à medida
que o sol troca por seus rubros seus ouros,e tu te fazes pálida e fundida,
sai o ouro feito tu de teus dois olhos
que me são paz, fé, sol: a minha vida!Tradução de José Bento
Dupla Via-Láctea
Sonhei! Sempre sonhar! No ar ondulavam
Os vultos vagos, vaporosos, lentos,
As formas alvas, os perfis nevoentos
Dos Anjos que no Espaço desfilavam.E alas voavam de Anjos brancos, voavam
Por entre hosanas e chamejamentos…
Claros sussurros de celestes ventos
Dos Anjos longas vestes agitavam.E tu, já livre dos terrestres lodos,
Vestida do esplendor dos astros todos,
Nas auréolas dos céus engrinaldadaDentre as zonas de luz flamo-radiante,
Na cruz da Via-Láctea palpitante
Apareceste então crucificada!
O Sonho Do Astrólogo
As fulgurosas, rútilas estrelas
Como mundos de mundos seculares,
Formando uns arquipélagos, uns mares
De luz — como eu deslumbro o olhar ao vê-las.Ah! se como eu sei compreendê-las,
Sentir-lhes os seus filtros salutares,
Pudesse, da amplidão fria dos ares
Arrancá-las, na mão sempre trazê-las;Que vagalhões de assombros palpitantes
Não me viriam perpassar, faiscantes,
Dentro do ser, nuns doutros murúrios.Eu saberia muito mais a causa
Da evolução que nunca teve pausa,
Que é uma audácia transbordando em rios.