Regina Martyrum
Lírio do Céu, sagrada criatura,
Mãe das crianças e dos pecadores,
Alma divina como a luz e as flores
Das virgens castas a mais casta e pura;Do Azul imenso, d’essa imensa altura
Para onde voam nossas grandes dores,
Desce os teus olhos cheios de fulgores
Sobre os meus olhos cheios de amargura!Na dor sem termo pela negra estrada
Vou caminhando a sós, desatinada,
– Ai! pobre cega sem amparo ou guia! –Sê tu a mão que me conduza ao porto…
Ó doce mãe da luz e do conforto,
Ilumina o terror d’esta agonia!
Sonetos sobre Mães
82 resultadosBendita
Bendita sejas, minha mãe, bendito
Seja o teu seio, imaculado e santo,
Onde derrama as gotas de seu pranto
Meu dolorido coração aflito.Ó minha mãe, ó anjo sacrossanto,
Bendito seja o teu amor, bendito!
Ouve do Céu o amargurado grito
Cheio da dor de quem soluça tanto.E deixa que repouse em teus joelhos
A minha fronte, ouvindo os teus conselhos
Longe do mundo, ó sempiterna dita!Envia lá do céu no teu sorriso
A morte que levou-te ao Paraíso…
Bendita sejas, minha mãe, bendita!
Minha Terra
A. J. Emídio Amaro
Ó minha terra na planície rasa,
Branca de sol e cal e de luar,
Minha terra que nunca viu o mar
Onde tenho o meu pão e a minha casa…Minha terra de tardes sem uma asa,
Sem um bater de folha… a dormitar…
Meu anel de rubis a flamejar,
Minha terra mourisca a arder em brasa!Minha terra onde meu irmão nasceu…
Aonde a mãe que eu tive e que morreu,
Foi moça e loira, amou e foi amada…Truz… truz… truz… Eu não tenho onde me acoite,
Sou um pobre de longe, é quase noite…
Terra, quero dormir… dá-me pousada!
À Virgem Santíssima
Cheia de Graça, Mãe de Misericórdia
N’um sonho todo feito de incerteza,
De nocturna e indizível ansiedade,
É que eu vi teu olhar de piedade
E (mais que piedade) de tristeza…Não era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade…
Era outra luz, era outra suavidade,
Que até nem sei se as há na natureza…Um místico sofrer… uma ventura
Feita só do perdão, só da ternura
E da paz da nossa hora derradeira…Ó visão, visão triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa…
E deixa-me sonhar a vida inteira!
Pobre Flor!
Deu-m’a um dia antiga companheira
De tempinho feliz de adolescente;
E os meus lábios roçaram docemente
Pelas folhas da nívea feiticeira.Como se apaga uma ilusão primeira,
Um sonho estremecido e resplendente,
Eu beijei-lhe a corola, rescendente
Inda mais que a da flor da laranjeira.E como amava o seu formoso brilho!
Tinha-lhe quase essa afeição sagrada
Da jovem mãe ao seu primeiro filho.Dei-lhe no seio uma pousada franca…
Mas, ai! depressa ela murchou, coitada!
Doce e mísera flor, cheirosa e branca!
Mater Originalis
Forma vermicular desconhecida
Que estacionaste, mísera e mofina,
Como quase impalpável gelatina,
Nos estados prodrômicos da vida;O hierofante que leu a minha sina
Ignorante é de que és, talvez, nascida
Dessa homogeneidade indefinida
Que o insigne Herbert Spencer nos ensina.Nenhuma ignota união ou nenhum nexo
A contingência orgânica do sexo
A tua estacionária alma prendeu…Ah! de ti foi que, autônoma e sem normas,
Oh! Mãe original das outras formas,
A minha forma lúgubre nasceu!
Liberdade, Onde estás? Quem Te Demora?
Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não caia?
Porque (triste de mim!) porque não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo, que desmaia.
Oh!, venha . . . Oh!, venha, e trêmulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!Eia! Acode ao mortal que, frio e mudo,
Oculta o pátrio amor, torce a vontade
E em fingir, por temor, empenha estudo.Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso númen tu és, e glória, e tudo,
Mãe do gênio e prazer, ó Liberdade!
A Dança Da Psiquê
A dança dos encéfalos acesos
Começa. A carne é fogo. A alma arde. A espaços
As cabeças, as mãos, os pés e os braços
Tombara, cedendo à ação de ignotos pesos!É então que a vaga dos instintos presos
– Mãe de esterilidades e cansaços –
Atira os pensamentos mais devassos
Contra os ossos cranianos indefesos.Subitamente a cerebral coréa
Pára. O cosmos sintético da Idéa
Surge. Emoções extraordinárias sinto…Arranco do meu crânio as nebulosas.
E acho um feixe de forças prodigiosas
Sustentando dois monstros: a alma e o instinto!
Soneto 272 A Fernanda Montenegro
Millôr falava dela com respeito.
Passei a respeitá-la de antemão.
Millôr falou, é lei, preste atenção.
Fernanda se supera no perfeito.Foi, desde “A falecida”, em meu conceito
subindo, polimórfica ascensão.
Até na maquinal televisão
solene e natural, seu próprio jeito.Fui vê-la no teatro. É verdadeira.
Inspira carinhosa intimidade.
Parece a mãe, a tia, uma enfermeira,aquela professora… Que saudade!
A grande dama é nossa, brasileira.
Que bom! Que “Bravo!” seu Brasil lhe brade!
Mães de Portugal
Ó Mães de Portugal comovedoras,
Com Meninos Jesus de encontro ao peito,
Iguais na devoção e amor perfeito
Aos painéis onde estão Nossas Senhoras!Ó Virgem Mãe, qual se tu própria foras,
Surgem de cada lado, quase a eito,
As Mães e os Filhos em abraço estreito,
Dolorosas, felizes, povoadoras…São presépios as casas onde moram:
E o riso casto, as lágrimas que choram,
O anseio que lhes enche o coração,Gesto, candura, olhar — tudo é divino,
Tudo ensinado pelo Deus Menino,
Tudo é da Mãe Celeste inspiração!
A Morte, esse Lugar-Comum
É trivial a morte e há muito se sabe
fazer – e muito a tempo! – o trivial.
Se não fui eu quem veio no jornal,
foi uma tosse a menos na cidade…A caminho do verme, uma beldade
— não dirias assim, Gomes Leal? —
vai ser coberta pela mesma cal
que tapa a mais intensa fealdade.Um crocitar de corvo fica bem
neste anúncio de morte para alguém
que não vê n’alheia sorte a própria sorte…Mas por que não dizer, com maior nojo,
que um menino saiu do imenso bojo
de sua mãe, para esperar a morte?…
Remorsos
Onde comtigo, um dia, me zanguei,
É hoje um sitio escuro que aborreço;
E sempre que ali passo, eu anoiteço!…
Ah, foi um crime, sim, que pratiquei!Quantas negras torturas eu padeço
Pelo pequeno mal que te causei!
Se, ao menos, presentisse o que hoje sei?
Mas não; fui mau; fui bruto; reconheço!E sôffro mais, por isso, a tua morte,
E dou mais chôro amargo ao vento norte,
Mais trevas se acumulam no meu rôsto…Ó vós que n’este mundo amaes alguem,
Seja linda creança ou pae ou mãe,
Não lhe causeis nem sombra de desgôsto!
Soneto XXXXVII
Como depois de tanta idade de ano
Agora o Céu vos dá, Jacinto, à terra?
Esta tardança algua culpa encerra
Ou mistério, que passa o ser humano.Foi descuido do Céu, ou foi engano
Da terra, que sem Céu mil vezes erra?
Ou pouco merecer, que este desterra
De tanta glória o prémio soberano?Nem foi erro da terra, nem foi vosso,
Nem do Céu foi, mas foi mistério seu
Que à Católica Igreja se aparelha.Filhos na mocidade o Céu lhe deu:
Guardou-vos, por vos dar filho mais moço
Para consolação desta Mãe velha.
Errante
Meu coração da cor dos rubros vinhos
Rasga a mortalha do meu peito brando
E vai fugindo, e tonto vai andando
A perder-se nas brumas dos caminhos.Meu coração o místico profeta,
O paladino audaz da desventura,
Que sonha ser um santo e um poeta,
Vai procurar o Paço da Ventura…Meu coração não chega lá decerto…
Não conhece o caminho nem o trilho,
Nem há memória desse sítio incerto…Eu tecerei uns sonhos irreais…
Como essa mãe que viu partir o filho,
Como esse filho que não voltou mais!
Mãe E Filho
Às mães desamparadas
Jesus, meu filho, o encanto das crianças,
Quando na cruz, de angustia espedaçado,
Em sangue casto e límpido banhado,
Manso, tão manso como as pombas mansas;Embora as duras e afiadas lanças
Com que os judeus, tinham, de lado a lado,
Seu coração puríssimo varado,
Inda no olhar raiavam-lhe esperanças.Por isso, ó filho, ó meu amor — se a esmola
De algum conforto essencial não rola
Por nós — é forca conduzir a cruz!…Mas, volta ó filho, pesaroso e triste.
Se a nossa vida só na dor consiste,
Ah! minha mãe, por que morreu Jesus?…
Mãe Dolorosa
Vi-o doente, ouvi os seus gemidos;
Sinto a memoria negra, ao recordá-lo!
A Mãe baixava os olhos doloridos
Sobre o Filho. E era a Dôr a contemplá-lo!Depois, nesses instantes esquecidos,
Ou lhe falava ou punha-se a beijá-lo…
Mas, retomando, subito, os sentidos,
Estremecia toda em grande abalo!Fugia de ao pé dele suffocada,
A sua escura trança desgrenhada,
Os seus olhos abertos de terror!E então, num desespêro, a Mãe chorava,
E, por entre gemidos, só gritava:
Amôr! amôr! amôr! amôr! amôr!
Mater Dolorosa
Quando se fez ao largo a nave escura,
na praia essa mulher ficou chorando,
no doloroso aspecto figurando
a lacrimosa estátua da amargura.Dos céus a curva era tranquila e pura;
Das gementes alcíones o bando
Via-se ao longe, em círculos, voando
Dos mares sobre a cérula planura.Nas ondas se atufara o Sol radioso,
E Lua sucedera, astro mavioso,
De alvor banhando os alcantis das fragas…E aquela pobre mãe, não dando conta
Que o sol morrera, e que o luar desponta,
A vista embebe na amplidão das vagas…
Terra
Ó Terra, amável mãe da Natureza!
Fecunda em produções de imensos entes,
Criadora das próvidas sementes
Que abastam toda a tua redondeza!Teu amor sem igual, sem par fineza,
Teus maternais efeitos providentes
Dão vida aos seres todos existentes,
Dão brio, dão vigor, dão fortaleza.Tu rasgas do teu corpo as grossas veias
E as cristalinas fontes de água pura
Tens, para a nossa sede, sempre cheias.Tu, na vida e na morte, com ternura
Amas os filhos teus, tu te recreias
Em lhes dar, no teu seio, a sepultura.
A Fúria Mais Fatal e Mais Medonha
Das Fúrias infernais foi sempre a Inveja
No mundo a mais fatal e a mais medonha,
Pois faz dos bens dos outros a peçonha
Com que a si mesma se envenena e peja.Com ira e com furor, raivosa, arqueja,
Com vinganças, traições, com ódios sonha.
Onde quer que se encoste e os olhos ponha,
Tragar as ditas dos mortais deseja.Mãe dos males fatais à Sociedade,
Vidas, honras destrói, cismas fomenta,
Nutrindo n’alma as serpes da Maldade.O próprio coração que come a alenta,
Vive afogada em ondas de ansiedade,
Da frenética raiva se alimenta.
A Meu Pai Morto
Madrugada de Treze de janeiro.
Rezo, sonhando, o ofício da agonia.
Meu Pai nessa hora junto a mim morria
Sem um gemido, assim como um cordeiro!E eu nem lhe ouvi o alento derradeiro!
Quando acordei, cuidei que ele dormia,
E disse à minha Mãe que me dizia:
“Acorda-o”! deixa-o, Mãe, dormir primeiro!E saí para ver a Natureza!
Em tudo o mesmo abismo de beleza,
Nem uma névoa no estrelado véu…Mas pareceu-me, entre as estrelas flóreas,
Como Elias, num carro azul de glórias,
Ver a alma de meu Pai subindo ao Céu!