LXIII
Já me enfado de ouvir este alarido,
Com que se engana o mundo em seu cuidado;
Quero ver entre as peles, e o cajado,
Se melhora a fortuna de partido.Canse embora a lisonja ao que ferido
Da enganosa esperança anda magoado;
Que eu tenho de acolher-me sempre ao lado
Do velho desengano apercebido.Aquele adore as roupas de alto preço,
Um siga a ostentação, outro a vaidade;
Todos se enganam com igual excesso.Eu não chamo a isto já felicidade:
Ao campo me recolho, e reconheço,
Que não há maior bem, que a soledade.
Sonetos sobre Mundo
384 resultadosSoneto Da Desesperança
De não poder viver sua esperança
Transformou-a em estátua e deu-lhe um nicho
Secreto, onde ao sabor do seu capricho
Fugisse a vê-la como uma criança.Tão cauteloso fez-se em seus cuidados
De não mostrá-la ao mundo, que a queria
Que por zelo demais, ficaram um dia
Irremediavelmente separados.Mas eram tais os seus ciúmes dela
Tão grande a dor de não poder vivê-la,
Que em desespero, resolveu-se: – Mato-a!E foi assim que triste como um bicho
Uma noite subiu até o nicho
E abriu o coração diante da estátua.
Baby!
Baby! Sossega a tua voz. Não digas mais
Essas canções do Mundo. Deixa que eu esqueço
Que fui menino ao colo de seus pais.
Deixa! Que o coração em si mesmo o adormeço…Com olhos de criança olho os desiguais
Dias e nuvens, sós, passando, e empalideço…
Canto de Prometeu todo desfeito em ais!
E a vida, a vida até, brinquedo que aborreço…Mundo dos meus enganos como a desventura!
Experiência, – pobre fumo! Anela o meu cabelo
E põe-me o bibe azul e antigo da Ternura…Que a vida, essa Babel desfeita que se embala,
ainda é para mim – criança de Deus, pesadelo
Da infância das fanfarras, fogo de Bengala!
No Mundo Poucos Anos, E Cansados
No mundo poucos anos, e cansados,
vivi, cheios de vil miséria dura;
foi-me tão cedo a luz do dia escura,
que não vi cinco lustros acabados.Corri terras e mares apartados
buscando à vida algum remédio ou cura;
mas aquilo que, enfim, não quer ventura,
não o alcançam trabalhos arriscados.Criou-me Portugal na verde e cara
pátria minha Alenquer; mas ar corruto
que neste meu terreno vaso tinha,me fez manjar de peixes em ti, bruto
mar, que bates na Abássia fera e avara,
tão longe da ditosa pátria minha!
Noturno Do Morro Do Encanto
Este fundo de hotel é um fim de mundo!
Aqui é o silêncio que te voz. O encanto
Que deu nome a este morro, põe no fundo
De cada coisa o seu cativo canto.Ouço o tempo, segundo por segundo.
Urdir a lenta eternidade. Enquanto
Fátima ao pó de estrelas sitibundo
Lança a misericórdia do seu manto.Teu nome é uma lembrança tão antiga,
Que não tem so nem cor, e eu, miserando,
Não sei mais como ouvir, nem como o diga.Falta a morte chegar… Ela me espia
Neste instante talvez, mal suspeitando
Que já morri quando o que eu fui morria.
Stella
A Sebastião Alves
“Eu sou fraca e pequena…”
Tu me disseste um dia,
E em teu lábio sorria
Uma dor tão serena,Que a tua doce pena
Em mim se refletia
– Profundamente fria,
– Amargamente amena!.Mas essa mágoa, Stella,
De golpe tão profundo,
Faz tu por esquece-la –Das vastidões no fundo
– É bem pequena a estrela –
– No entanto – a estrela é um mundo!…
Mãezinha
Andam em mim fantasmas, sombras, ais…
Coisas que eu sinto em mim, que eu sinto agora;
Névoas de dantes, dum longínquo outrora;
Castelos d’oiro em mundos irreais…Gotas d’água tombando… Roseirais
A desfolhar-se em mim como quem chora…
— E um ano vale um dia ou uma hora,
Se tu me vais fugindo mais e mais!…Ó meu Amor, meu seio é como um berço
Ondula brandamente… Brandamente…
Num ritmo escultural d’onda ou de verso!No mundo quem te vê?! Ele é enorme!…
Amor, sou tua mãe! Vá… docemente
Poisa a cabeça… fecha os olhos… dorme…
Deixa, Moreira, o Mundo
(Ao seu Amigo)
Deixa, Moreira, o mundo; é tempo agora
De ver da praia firme o golfo insano,
As velas colhe, e o tarde desengano
Com levantadas mãos devoto adora.Repousa pois: o mundo hoje devora
Com enganos cruéis o peito humano;
E rindo-te de ver o antigo engano,
As antigas paixões sábio melhora.Deixa Amor, deixa as Musas, e somente
Do Ilustre Baco o copo à boca arrima;
Pois alegra a quem vive descontente:Louva o homem discreto, o Sábio estima;
Ama a virtude; mostra-te prudente;
Toma tabaco, fala à tua Prima.
Versos de Orgulho
O mundo quer-me mal porque ninguém
Tem asas como eu tenho! Porque Deus
Me fez nascer Princesa entre plebeus
Numa torre de orgulho e de desdém!Porque o meu Reino fica para Além!
Porque trago no olhar os vastos céus,
E os oiros e os clarões são todos meus!
Porque Eu sou Eu e porque Eu sou Alguém!O mundo! O que é o mundo, ó meu amor?!
O jardim dos meus versos todo em flor,
A seara dos teus beijos, pão bendito,Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços…
São os teus braços dentro dos meus braços:
Via Láctea fechando o Infinito!…
Amor um Mal que Falta quando Cresce
Aquela fera humana que enriquece
A sua presunçosa tirania
Destas minhas entranhas, onde cria
Amor um mal que falta quando cresce;Se nela o Céu mostrou (como parece)
Quanto mostrar ao mundo pretendia,
Porque de minha vida se injuria?
Porque de minha morte se enobrece?Ora, enfim, sublimai vossa vitória,
Senhora, com vencer-me e cativar-me;
Fazei dela no mundo larga história.Pois, por mais que vos veja atormentar-me,
Já me fico logrando desta glória
De ver que tendes tanta de matar-me.
Soneto XXI
As Relíquias de S. Cruz de Coimbra
Aquela Águia gentil de vista estranha
A Cristo viu, co’ a mão de estrelas chea,
Solícito, qual anda o que semea
C’os olhos longos no que ao longe apanha.Lavrador foi no mundo, e com tamanha
Sede que inda de lá fruito granjea.
Mas ai Senhor, em terra e triste area,
Mal estrelas se dão, pouco se ganha.Bem sabe Cristo o que semea, e onde:
As vivas mortes são de mortas vidas
(Que hoje neste sagrado templo esconde)Estrelas, que de carne estão vistidas.
A quem semea seu valor responde,
E bem, donde as semea merecidas.
Exortação
Corpo crivado de sangrentas chagas,
Que atravessas o mundo soluçando,
Que as carnes vais ferindo e vais rasgando
Do fundo d’Ilusões velhas e vagas.Grande isolado das terrestres plagas,
Que vives as Esferas contemplando,
Braços erguidos, olhos no ar, olhando
A etérea chama das Conquistas magas.Se é de silêncio e sombra passageira,
De cinza, desengano e de poeira
Este mundo feroz que te condena,Embora ansiosamente, amargamente
Revela tudo o que tu’alma sente
Para ela então poder ficar serena!
Tanto Mais Vives Quanto Mais te Estreitas
A UM AMIGO QUE RETIRADO DA CORTE PASSOU A SUA VIDA
Ditoso tu, porque em tua cabana,
moço e velho espiraste a brisa pura,
servindo-te de berço e sepultura
de palha o tecto, o solho de espadana.Na solidão em que, livre, se ufana
silente sol com chama mais segura,
cada um dos dias mais espaço dura,
e a hora, sem ter voz, te desengana.Tu não contas por cônsules os anos;
teu calendário fazem-no as colheitas;
pisas todo o teu mundo sem enganos.De tudo quanto ignoras te aproveitas;
prémios não buscas nem padeces danos,
tanto mais vives quanto mais te estreitas.Tradução de José Bento
LIV
Ninfas gentis, eu sou, o que abrasado
Nos incêndios de Amor, pude alguma hora,
Ao som da minha cítara sonora,
Deixar o vosso império acreditado.Se vós, glórias de amor, de amor cuidado,
Ninfas gentis, a quem o mundo adora,
Não ouvis os suspiros, de quem chora,
Ficai-vos; eu me vou; sigo o meu fado.Ficai-vos; e sabei, que o pensamento
Vai tão livre de vós, que da saudade
Não receia abrasar-se no tormento.Sim; que solta dos laços a vontade,
Pelo rio hei de ter do esquecimento
Este, aonde jamais achei piedade.
Lápide
(com tema de Virgílio, o Latino,
e de Lino Pedra-Azul, o Sertanejo)Quando eu morrer, não soltem meu Cavalo
nas pedras do meu Pasto incendiado:
fustiguem-lhe seu Dorso alardeado,
com a Espora de ouro, até matá-lo.Um dos meus filhos deve cavalgá-lo
numa Sela de couro esverdeado,
que arraste pelo Chão pedroso e pardo
chapas de Cobre, sinos e badalos.Assim, com o Raio e o cobre percutido,
tropel de cascos, sangue do Castanho,
talvez se finja o som de Ouro fundidoque, em vão – Sangue insensato e vagabundo —
tentei forjar, no meu Cantar estranho,
à tez da minha Fera e ao Sol do Mundo!
Infeliz
Alma viúva das paixões da vida,
Tu que, na estrada da existência em fora,
Cantaste e riste, e na existência agora
Triste soluças a ilusão peerdida;Oh! Tu, que na grinalda emurchecida
De teu passado de felicidade
Foste juntar os goivos da Saudade
Às flores da Esperança enlanguescida;Se nada te aniquila o desalento
Que te invade, e o pesar negro e profundo,
Esconde à Natureza o sofrimento,E fica no teu ermo entristecida,
Alma arrancada do prazer do mundo,
Alma viúva das paixões da vida.
Divino Instante
Ser uma pobre morta inerte e fria,
Hierática, deitada sob a terra,
Sem saber se no mundo há paz ou guerra,
Sem ver nascer, sem ver morrer o dia;Luz apagada ao alto e que alumia,
Boca fechada à fala que não erra,
Urna de bronze que a Verdade encerra,
Ah! ser Eu essa morta inerte e fria!Ah! fixar o efémero! Esse instante
Em que o teu beijo sôfrego de amante
Queima o meu corpo frágil de âmbar loiro;Ah! fixar o momento em que, dolente,
Tuas pálpebras descem, lentamente,
Sobre a vertigem dos teus olhos de oiro!
Anima Mea
Estava a Morte ali, em pé, diante,
Sim, diante de mim, como serpente
Que dormisse na estrada e de repente
Se erguesse sob os pés do caminhante.Era de ver a fúnebre bachante!
Que torvo olhar! que gesto de demente!
E eu disse-lhe: «Que buscas, impudente,
Loba faminta, pelo mundo errante?»— Não temas, respondeu (e uma ironia
Sinistramente estranha, atroz e calma,
Lhe torceu cruelmente a boca fria).Eu não busco o teu corpo… Era um troféu
Glorioso de mais… Busco a tua alma —
Respondi-lhe: «A minha alma já morreu!»
Trabalho E Luz I
Luz e trabalho, eis a divisa imensa
Da nova legião de um mundo novo.
Das águias do porvir fecunde-se o ovo
No vigor do trabalho unido à crença.D’árvore humanidade à luz intensa
Do livre ensino brota o são renovo
Rico de luz se nobilita o povo
Do trabalho na santa recompensa.Trabalham para a luz almas, que alentam
O brilho do trabalho. Os benefícios
Da luz da educação a Deus contentam.Trabalho e luz contra o furor dos vícios,
No trabalho e na luz que a paz sustentam,
Glória ao Liceu de Artes e de Ofícios.
Uma Amiga
Aqueles que eu amei, não sei que vento
Os dispersou no mundo, que os não vejo…
Estendo os bracos e nas trevas beijo
Visões que a noite evoca o sentimento…Outros me causam mais cruel tormento
Que a saudade dos mortos… que eu invejo…
Passam por mim… mas como que tem pejo
Da minha soledade e abatimento!Daquela primavera venturosa
Não resta uma flor so, uma so rosa…
Tudo o vento varreu, queimou o gelo!Tu so foste fiel – tu, como dantes,
Inda volves teus olhos radiantes…
Para ver o meu mal… e escarnece-lo!