Sonetos sobre Sempre

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Sonetos de sempre escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Soneto III

A D. FernĂŁo Martins Mascarenhas quando o fizeram Bispo.

Espanta crecer tanto o Crocodilo
SĂł por seu acanhado nascimento,
Que se maior nascera, mais isento
Estivera d’espanto o pátrio Nilo.

Em vão levantará meu baixo estilo
Vosso Pontifical novo ornamento,
Pois no ventre o imortal merecimento
Vo-lo talhou, para despois visti-lo.

Tardou, mas veio, que a quem mais merece
Muito mais tarde vir o prémio é certo,
E sempre tarda, inda que venha cedo.

Os CĂ©us, que do primeiro estĂŁo mais perto,
Mais devagar se movem; quem soubesse
Trás d’aquele segredo, este segredo?

Vozinha

Velha, velhinha, da doçura boa
De uma pomba nevada, etérea, mansa.
Alma que se ilumina e se balança
Dentre as redes da FĂ© que nos perdoa.

Cabeça branca de serena leoa,
Carinho, amor, meiguice que nĂŁo cansa,
Coração nobre sempre como a lança
Que nĂŁo vergue, nĂŁo fira e que nĂŁo doa.

Olhos e voz de castidades vivas,
Pão ázimo das Páscoas afetivas,
Simples, tranqĂĽila, dadivosa, franca.

Morreu tal qual vivera, mansamente,
Na alvura doce de uma luz algente,
Como que morta de uma morte branca.

Prece A Anchieta

Santo: erguesses a cruz na selva escura;
HerĂłi: plantasses nossa velha aldeia;
Mestre: ensinasses a doutrina pura;
Poeta: escrevesses versos sobre a areia!

Golpeia a cruz a foice inculta e dura;
Invade a vila multidĂŁo alheia;
Morre a voz santa entre a distância e a altura;
Apaga o poema a onda espumejante e cheia…

Santo, herói, mestre e poeta: — Pela glória
que destes a esta Terra e a sua HistĂłria,
Pela dor que sofremos sempre nĂłs.

Pelo bem que quisesses a este povo,
O novo Cristo deste Mundo Novo,
Padre José de Anchieta, orai por nós!

A uma Mulher

Pra vĂłs sĂŁo estes versos, pla consoladora
Graça dos olhos onde chora e ri um sonho
Doce, pla vossa alma pura e sempre boa,
Versos do fundo desta aflição opressora.

Porque, ai! o pesadelo hediondo que me assombra
Não dá tréguas e, louco, furioso, ciumento,
Multiplica-se como um cortejo de lobos
E enforca-se com o meu destino que ensanguenta!

Ah! sofro horrivelmente, ao ponto de o gemido
Desse primeiro homem expulso do ParaĂ­so
NĂŁo passar de uma Ă©cloga Ă  vista do meu!

E os cuidados que vĂłs podeis ter sĂŁo apenas
Andorinhas voando à tarde pelo céu
— Querida — num belo dia de um Setembro ameno.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Da Vossa Vista a Minha Vida Pende

Da vossa vista a minha vida pende,
Maior bem para mim nĂŁo pode ser
Que ver-vos, mas nĂŁo ouso de vos ver;
Que vosso alto respeito mo defende.

O meu amor, que o vosso sĂł pretende,
Receio que se venha a conhecer,
Nos olhos, que mal podem esconder
O desejo, dum peito que se rende.

Por vós a tal estremo d’Amor venho,
Que com força resisto a meu desejo,
Porque nada de mim vos descontente.

Mas neste mal, senhora, este bem tenho,
Que sempre tal, qual sois, n’alma vos pinto
Sem dar que ver, nem que falar Ă  gente.

Quando em Meu Desvelado Pensamento

Quando em meu desvelado pensamento
O teu formoso gesto se afigura,
NĂŁo sei que afecto sinto, ou que ternura,
Que a toda esta alma dá contentamento.

Ali fico num largo esquecimento,
Contemplando na minha conjectura
De teu sereno rosto a graça pura,
De teus olhos o doce movimento.

Porém logo a inconstante fantasia
Me acorda o entendimento arrebatado,
E desfaz todo o bem que me fingia,

Sendo tal este gosto imaginado,
Que de Amor outra glĂłria eu nĂŁo queria
Mais que trazer-te sempre em meu cuidado.

Ela Ia, Tranquila Pastorinha

Ela ia, tranquila pastorinha,
Pela estrada da minha imperfeição.
Segui-a, como um gesto de perdĂŁo,
O seu rebanho, a saudade minha…

“Em longes terras hás de ser rainha”
Um dia lhe disseram, mas em vĂŁo…
Seu vulto perde-se na escuridĂŁo…
SĂł sua sombra ante meus pĂ©s caminha…

Deus te dĂŞ lĂ­rios em vez desta hora,
E em terras longe do que eu hoje sinto
Serás, rainha não, mas só pastora

SĂł sempre a mesma pastorinha a ir,
E eu serei teu regresso, esse indistinto
Abismo entre o meu sonho e o meu porvir…

Falando Ao CĂ©u

Falas ao CĂ©u, Amor! Em vĂŁo tu falas!
Mas o céu, esse é velho, esse é velhinho,
Todo ele Ă© branco, faz lembrar o linho
Dos leitos alvos onde tu te embalas.

A alma do céu é como velhas salas
Sem ar, sem luz, como lares sem vinho
Sem água e pão, sem fogo e sem carinho,
Sem as mais toscas, as mais simples galas.

Sempre surdo, hoje o cĂ©u Ă© mudo, Ă© cego…
Jamais o coração ao céu entrego,
Eu que tĂŁo cego vou por entre abrolhos.

Mas se queres tornar jovem e louro
Dá-lhe o bordão do teu amor um pouco
Fala e vista, com a vida dos teus olhos…

Ao Mundo Esconde O Sol Seus Resplendores

Ao mundo esconde o Sol seus resplendores,
e a mĂŁo da Noite embrulha os horizontes;
nĂŁo cantam aves, nĂŁo murmuram fontes,
nĂŁo fala PĂŁ na boca dos pastores.

Atam as Ninfas, em lugar de flores,
mortais ciprestes sobre as tristes frontes;
erram chorando nos desertos montes,
sem arcos, sem aljavas, os Amores.

VĂŞnus, Palas e as filhas da MemĂłria,
deixando os grandes templos esquecidos,
nĂŁo se lembram de altares nem de glĂłria.

Andam os elementos confundidos:
ah, JĂ´nia, JĂ´nia, dia de vitĂłria
sempre o mais triste foi para os vencidos!

Soneto XXII

Ao mesmo

Rico Almazém, que Deus estima e preza,
Mais forte que o poder do inferno forte,
Bem te armas de ua morte e de outra morte,
Para qualquer encontro e brava empresa.

Arma-se o fraco cá de fortaleza
Para que assi resista ao duro corte;
Mas Deus sempre peleja d’outra sorte,
Cobrindo o forte de mortal fraqueza.

Usou c’o inferno deste prĂłprio modo,
Iscando o anzol da natureza sua
Co’ a nossa; e foi-se o pece trás o engano.

E co’ as armas da carne rota e nua
Dos Mártires venceu o mundo todo,
Hoje em ti as põem para socorro humano.

Presença

SĂł saberei de ti pelos teus olhos,
que falam mais que a tua fala pouca.
Doce memĂłria (irei buscar-te sempre)
encilhada a essa Ă©gua dos minutos,

onde os ponteiros trotam meus desejos,
avivando a paisagem na lembrança
vinda de ti, e em mim reconstruĂ­da.
Essa presença, em passos e pegadas,

passeia no meu corpo, agora estrada,
caminho teu; submisso, eis meu segredo.
Que abrigar teus pés, possa, novamente,

o meu sereno peito fatigado.
Este que anseia teu corpo presente
olho no olho na véspera do gozo.

A umas Lágrimas de uma Despedida

Quando de ambos os céus caindo estava
O rico orvalho, em pérolas formado,
E sobre as frescas rosas derramado,
Igual beleza recebia e dava.

Amor que sempre ali presente estava,
Como competidor de meu cuidado,
Num vaso de cristal de ouro lavrado
As gotas uma a uma entesourava.

Eu, c’os olhos na luz, que aquele dia,
Entre as nuvens do novo sentimento,
Escassamente os raios descobria,

Se me matar (dizia) apartamento,
Ao menos não fará que esta alegria
NĂŁo seja paga igual de meu tormento.

Soneto XXXIIII

Buscando ando ventura e nĂŁo dou nela,
A tudo sĂł por ela me aventuro,
Mas por mais que acho tudo, em vĂŁo procuro
Que sĂł de tudo, em tudo me falta ela.

Se para vê-la velo, também vela
E vai de mim fugindo pelo escuro,
Eu pelo escuro a sigo assaz seguro
Como quem a nĂŁo tem para perdĂŞ-la.

Mas ai, que digo, como não conheço
A ventura que sem ventura alcanço,
Que mor ventura que nĂŁo ter ventura.

Fora ventura então de pouco preço
E tempo, mas faltando a meu descanso,
Achei ventura em vĂłs, que sempre dura.

Cara Minha Inimiga

Cara minha inimiga, em cuja mĂŁo
PĂ´s meus contentamentos a ventura,
Faltou-te a ti na terra sepultura,
Por que me falte a mim consolação.

Eternamente as águas lograrão
A tua peregrina formosura:
Mas enquanto me a mim a vida dura,
Sempre viva em minha alma te acharĂŁo.

E, se meus rudos versos podem tanto,
Que possam prometer-te longa histĂłria
Daquele amor tĂŁo puro e verdadeiro,

Celebrada serás sempre em meu canto:
Porque, enquanto no mundo houver memĂłria,
Será a minha escritura o teu letreiro.

Às Cambalhotas Sempre Anda a Través

Às cambalhotas sempre anda a través
O Mundo, sem poder-se endireitar.
Velho, bĂŞbado e tonto, a cambalear,
Já não pode suster-se sobre os pés.

Tudo nele se vê hoje de invés
Pois seu eixo quebrou, anda a rolar
Não há homem que o possa consertar:
SĂł se for, do Arquitecto a mĂŁo que o fez.

Tornou-se num piĂŁo: qualquer rapaz
O faz dar quatro voltas c’um cordel
E na palma da mão dançar o faz.

O que hoje fez de grande o seu papel,
Amanhã representa de Gil Blás
Neste imenso teatro de Babel.

IV – Sempre O Brasil

Nunca noite dormi tĂŁo sossegado,
Quem nem mesmo sonhei com o meu Brasil,
PorĂ©m, vendo infinito mar d’anil,
Lembra-me a aurora dele nacarada.

Cada dia que passa nĂŁo Ă© nada,
E os que faltam parecem mais de mil.
Se o tempo que lá vivo é um ceitil,
Aqui Ă© para mim grande massada.

E a doença porém me consentir,
Sempre pensando nele, cuidarei
De tornar-me mais digno de o servir,

E, quando possa, logo voltarei;
Pois na terra sĂł quero eu existir
Quando Ă© para bem dele que eu o sei.

Carta

Aqui, tudo Ă© bonito e quieto, a gente
vai vivendo uma vida sempre igual…
– Há um dia que o regato de cristal
de águas turvas ficou devido Ă  enchente…

Os dias tĂŞm passado, lentamente,
e um tédio sinto em mim, de um modo tal,
que às vezes, fico até sentimental,
lembrando-me de ti, saudosamente…

Quando estavas aqui, – tudo era lindo…
Como um doce casal de beija-flores,
vivĂ­amos os dois sempre sorrindo…

Por que nĂŁo voltas?… Vem!… – Se tu voltares
o cĂ©u há de cobrir-se de outras cores…
– as flores voltarĂŁo pelos pomares!..

Senhora minha, se de pura inveja

Senhora minha, se de pura inveja
Amor me tolhe a vista delicada,
A cor, de rosa e neve semeada,
E dos olhos a luz que o Sol deseja,

NĂŁo me pode tolher que vos nĂŁo veja
Nesta alma, que ele mesmo vos tem dada,
Onde vos terei sempre debuxada,
Por mais cruel inimigo que me seja.

Nela vos vejo, e vejo que nĂŁo nasce
Em belo e fresco prado deleitoso
Senão flor que dá cheiro a toda a serra.

Os lĂ­rios tendes nu~a e noutra face.
Ditoso quem vos vir, mas mais ditoso
Quem os tiver, se há tanto bem na terra!

Aquela FĂ© TĂŁo Clara E Verdadeira

Aquela fé tão clara e verdadeira,
A vontade tão limpa e tão sem mágoa,
Tantas vezes provada em viva frágua
De fogo, i apurada, e sempre inteira;

Aquela confiança, de maneira
Que encheu de fogo o peito, os olhos de água,
Por que eu ledo passei por tanta mágoa,
Culpa primeira minha e derradeira,

De que me aproveitou? NĂŁo de al por certo
Que dum sĂł nome tĂŁo leve e tĂŁo vĂŁo,
Custoso ao rosto, tĂŁo custoso Ă  vida.

Dei de mim que falar ao longe e ao perto;
E já assi se consola a alma perdida,
Se nĂŁo achar piedade, ache perdĂŁo.

Uma Palavra

Meu canto busca sempre uma palavra
que seja companheira na canção
da minha voz que canta e se declara:
viver a vida inteira de emoção.

Uma palavra sĂł nĂŁo se prepara
puxando outra palavra sem razĂŁo
na vida que se encanta e se dispara
no claro tiro cego de paixĂŁo.

Viver a arte que procura ver
os lábios desbotados da linguagem
deixando a claridade me envolver

no sopro que me leva na paisagem
amaciando a pena ao escrever
teu nome, meu amor, minha viagem