Vinho
Do amor tu não dirás: provo, mas não me embriago,
que não basta provar para sentir o amor.
É preciso sorvê-lo até o último trago
se a embriaguez é que dá seu profundo sabor.Teu amor deve ter profundidade e cor
não deve ser um sonho doentio e vago,
se assim for, então sim, podes te dar por pago
que este é o preço da vida e todo o seu valor.Transborda a tua taça, ergue-a nas mãos, e brinda
o momento feliz que viveste e não finda,
que só o amor que embriaga e que nos leva a extremospode glorificar os sentidos e a vida,
e vencendo a razão que nos tolhe e intimida,
nos faz reaver, de pronto, as horas que perdemos!
Sonetos sobre Vida
545 resultadosFermosos Olhos Que Na Idade Nossa
Fermosos olhos que na idade nossa
mostrais do Céu certissimos sinais,
se quereis conhecer quanto possais,
olhai me a mim, que sou feitura vossa.Vereis que de viver me desapossa
aquele riso com que a vida dais;
vereis como de Amor não quero mais,
por mais que o tempo corra e o dano possa.E se dentro nest’alma ver quiserdes,
como num claro espelho, ali vereis
também a vossa, angélica e serena.Mas eu cuido que só por não me verdes,
ver vos em mim, Senhora, não quereis:
tanto gosto levais de minha pena!
Ilha
Eis-me completamente só em plena vida,
sem uma amor sequer à vista, sem ninguém:
– a que um dia julguei eterna, a mais querida,
traí-a, e me traiu… já não lhe quero bem…a outra, a que me chegou quase que despercebida
e acabou sendo tudo o que a paixão contém,
tal como me chegou partiu: sem despedida!
e eis-me só, na lembrança, a aguardá-la também.Completamente só, perdido em plena vida
como desabitada ilha, íngreme penha
fora de rota, a erguer-se entre vagas bravias.Uma ilha em pleno mar, esperando esquecida
que algum náufrago amor ( algum dia) ainda venha
por milagre encontrar suas praias vazias..
Ah! Os Relógios
Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios…Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida – a verdadeira –
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém – ao voltar a si da vida –
acaso lhes indaga que horas são…
Descida
O que tinha de ser já foi… E está perdida
aquela ânsia de espera, de desejo e fé,
e tudo o que virá será cópia esbatida
da Vida que foi Vida e hoje Vida não é…Muito pouco de tudo ainda resta de pé…
Agora, nunca mais estréias… Repetida
a alma se reverá um desespero, até
que a vida já não valha a pena ser vivida…Do que foi canto e flor restam só as raízes,
e ao tédio que envenena os dias mais risonhos
repito: nunca mais estréias… só reprises…E que importa o que vier? Sejam anos ou meses?
– Nunca mais a beleza dos primeiros sonhos!
– Nunca mais a surpresa das primeiras vezes!
Amor, Co A Esperança Já Perdida
Amor, co a esperança já perdida,
teu soberano templo visitei;
por sinal do naufrágio que passei,
em lugar dos vestidos, pus a vida.Que queres mais de mim, que destruída
me tens a glória toda que alcancei?
Não cuides de forçar me, que não sei
tornar a entrar onde não há saída.Vês aqui alma, vida e esperança,
despojos doces de meu bem passado,
enquanto quis aquela que eu adoro:nelas podes tomar de mim vingança;
e se inda não estás de mim vingado,
contenta te com as lágrimas que choro.
Sem Esperança
Ó cândidos fantasmas da Esperança,
Meigos espectros do meu vão Destino,
Volvei a mim nas leves ondas do Hino
Sacramental de Bem-aventurança.Nas veredas da vida a alma não cansa
De vos buscar pelo Vergel divino
Do céu sempre estrelado e diamantino
Onde toda a alma no Perdão descansa.Na volúpia da dor que me transporta,
Que este meu ser transfunde nos Espaços,
Sinto-te longe, ó Esperança morta.E em vão alongo os vacilantes passos
À procura febril da tua porta,
Da ventura celeste dos teus braços.
Absurdo
Ninguém te disse nada, ninguém soube
do anel que se perdia em tuas mãos
e crescia nas coisas reduzindo-as
à ausência mais completa do existir.Mesmo quando o limite era essa zona
fugidia de gestos e silêncios
e a noite desdobrava em tua pele
o mapa das cidades compassivas,ninguém pôde saber do imprevisível,
do lado mais secreto e numeroso
que havia em ti, na vida que buscavase que perdias sempre, por mais fundo,
por mais limpo que fosse o privilégio
da mágoa sempre nova de perdê-la.
Vejo que nem um Breve Engano Posso Ter
Quando de minhas mágoas a comprida
Maginação os olhos me adormece,
Em sonhos aquela alma me aparece,
Que para mi foi sonho nesta vida.Lá numa soidade, onde estendida
A vista por o campo desfalece,
Corro após ela; e ela então parece
Que mais de mi se alonga, compelida.Brado: − Não me fujais, sombra benina. −
Ela (os olhos em mi c’um brando pejo,
Como quem diz que já não pode ser)Torna a fugir-me; torno a bradar: − Dina…
E antes que diga mene, acordo, e vejo
Que nem um breve engano posso ter.
Ah! Fortuna Cruel! Ah! Duros Fados!
Ah! Fortuna cruel! Ah! duros Fados!
Quão asinha em meu dano vos mudastes!
Passou o tempo que me descansastes,
agora descansais com meus cuidados.Deixastes-me sentir os bens passados,
para mor dor da dor que me ordenastes;
então nü’hora juntos mos levastes,
deixando em seu lugar males dobrados.Ah! quanto milhor fora não vos ver,
gostos, que assi passais tão de corrida,
que fico duvidoso se vos vi:sem vós já me não fica que perder,
se não se for esta cansada vida,
que por mor perda minha não perdi.
A Carolina
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.Trago-te flores, – restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
Outono
Com a carga de frutos maus maduros,
Nessa estação viril entrei do Outono.
Bradou-me o Desengano, de seu trono:
«Larga os pomos que trazes, tão impuros!«Não soubeste colher outros mais puros,
«Desgraçado mortal, frouxo colono?
«Isso é que hás-de oferecer da vida ao Dono?
«Um mau agricultor tem maus futuros.«Pois que inda tens vigor, tem mais juizo!»
O Desengano amigo me dizia.
Mas eu, surdo me fiz ao sábio aviso,As rédeas não colhi da fantasia,
Deixei corrê-la à solta, sem mais siso,
Pois isso frutos podres só colhia.
Despondency
Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade…
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram…Deixá-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul levantaram…Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa…Deixá-la ir, a nota desprendida
D’um canto extremo… e a última esperança…
E a vida… e o amor… Deixá-la ir, a vida!
Tudo quanto Sonhei se Foi Perdido
O que sonhei e antes de vivido
Era perfeito e lúcido e divino,
Tudo quanto sonhei se foi perdido
Nas ondas caprichosas do destino.Que os fados em mim mesmo depuseram
Razões de ser e de não ser, contrárias,
Nas emoções que, dentro em mim, cresceram
Tumultuosas, carinhosas, várias.Naqueles seres que fui dentro de um ser,
Que viveram de mais para eu viver
A minha vida luminosa e calma,Se desdobraram gestos de menino
E rudes arremedos de assassino.
Foram almas de mais numa só alma.
Soneto De Quarta-Feira De Cinzas
Por seres quem me foste, grave e pura
Em tão doce surpresa conquistada
Por seres uma branca criatura
De uma brancura de manhã raiada.Por seres de uma rara formosura
Malgrado a vida dura e atormentada
Por seres mais que a simples aventura
E menos que a constante namoradaPorque te vi nascer de mim sozinha
Como a noturna flor desabrochada
A uma fala de amor, talvez perjura.Por não te possuir, tendo-te minha
Por só quereres tudo e eu dar-te nada
Hei de lembrar-te sempre com ternura.
Flor De Caverna
Fica às vezes em nós um verso a que a ventura
Não é dada jamais de ver a luz do dia;
Fragmento de expressão de idéia fugidia,
Do pélago interior bóia na vaga escura.Sós o ouvimos conosco; à meia voz murmura,
Vindo-nos da consciência a flux, lá da sombria
Profundeza da mente, onde erra e se enfastia,
Cantando, a distrair os ócios da clausura.Da alma, qual por janela aberta par e par,
Outros livre se vão, voejando cento e cento
Ao sol, à vida, à glória e aplausos. Este não.Este aí jaz entaipado, este aí jaz a esperar
Morra, volvendo ao nada, – embrião de pensamento
Abafado em si mesmo e em sua escuridão.
Anda-Me A Alma
Anda-me a alma inteira de tal sorte,
Meus gozos, meu pesar, nos dela unidos
Que os dela são também os meus sentidos,
Que o meu é também dela o mesmo norte.Unidos corpo a corpo — um elo forte
Nos prende eternamente — e nos ouvidos
Sentimos sons iguais. Vemos floridos
Os sons do porvir, em azul coorte…O mesmo diapasão musicaliza
Os seres de nos dois — um sol irisa
Os nossos corações — dá luz, constela…Anda esta vida, espiritualizada
Por este amor — anda-me assim — ligada
A minha sombra com a sombra dela.
Fatalismo
Se eu for contar, hão de sorrir talvez…
– é o fim de um grande amor sereno e nobre
que um fatalismo estranho já desfez
com razões torpes que este mundo encobre…Morreu… e que se apague de uma vez,
– que dele nada subsista ou sobre…
– onde a pureza e o amor?… se a vida fez
um nascer rico e o outro nascer pobre.Que guardem esse amor. Eu o desconheço!
Não tenho em moedas o seu alto preço
e sou feliz por ser tão desgraçado!Que o guardem!.. . Para os ricos! Para os reis!
– o amor que eu quero não tem preço ao lado,
não tem correntes, nem conhece leis!
Par Constante
Dia dois… uma festa… Era o mês de janeiro…
Festa da minha vida… A noite azul, brilhante…
Chegaste… E eu fui teu par… fui o teu par primeiro…
Dançamos… (como é bom lembrar aquele instante!)Tu, tão linda, nem sei… Eu, feliz, petulante,
um pouco petulante, sim… mas cavalheiro…
Dançamos toda a noite… E fui teu par constante…
Nem só teu par constante… Eu fui teu par primeiro…Quantas cousas te disse… E assim juntos, os dois,
com os meus olhos nos teus – afinal, quem diria
o mundo que ainda havia de surgir depois?Quem diria ao nos ver, talvez, aquele instante,
que o nosso par feliz, constante aquele dia,
seria a vida inteira e sempre um par constante!
Para não Deixar de Amar-te Nunca
Saberás que não te amo e que te amo
pois que de dois modos é a vida,
a palavra é uma asa do silêncio,
o fogo tem a sua metade de frio.Amo-te para começar a amar-te,
para recomeçar o infinito
e para não deixar de amar-te nunca:
por isso não te amo ainda.Amo-te e não te amo como se tivesse
nas minhas mãos a chave da felicidade
e um incerto destino infeliz.O meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando não te amo
e por isso te amo quando te amo.