Nunca é tarde demais para ser aquilo que sempre se desejou ser.
Passagens sobre Tarde
624 resultadosIsto anda tudo ligado
Ainda não vi ainda não
a impressionante mariposa
a pretendente pesarosa
a tarde morna e vagarosa
as duas faces da provável solidão
Ainda não vi a bomba H
ainda não vi a de neutrões
ainda não vi os meus travões
a ver se paro antes de chegar lá
Ainda não vi ainda não
o riso que tudo desvenda
o reverendo e a reverenda
o leão ferido e a sua senda
a face clara da possível confusão
Ainda não vi a hora H
ainda não vi a mão em V
ainda não vi o dia D
em que a guerra final começaráQuando eu nascer para a semana ó mana
quando eu nascer para a semana
hei-de ouvir o teu parecer
hás-de me dizer
se é cada coisa para seu lado
ou se isto anda tudo ligado
Ainda não vi ainda não
as artimanhas da saudade
a caravana na cidade
a incorruptibilidade
as duas faces da provável solidão
Ainda não vi a bomba H
ainda não vi a de neutrões
ainda não vi os meus travões
a ver se paro antes de chegar lá
Ainda não vi ainda não
o abraço à porta da taberna
a ideológica lanterna
a mão que avança para a perna
a face clara da possível confusão
Ainda não vi a hora H
ainda não vi a mão em V
ainda não vi o dia D
em que a guerra final começaráQuando eu nascer para a semana ó mana
quando eu nascer para a semana
hei-de ouvir o teu parecer
hás-de me dizer
se é cada coisa para seu lado
ou se isto anda tudo ligado
Ainda não vi ainda não
a grossa lágrima ao espelho
o grande chefe e o seu grupelho
o azul-turquesa e o vermelho
as duas faces da provável solidão
Ainda não vi a bomba H
ainda não vi a de neutrões
ainda não vi os meus travões
a ver se paro antes de chegar lá
Como um Grande Borrão de Fogo Sujo
Como um grande borrão de fogo sujo
O sol posto demora-se nas nuvens que ficam.
Vem um silvo vago de longe na tarde muito calma.
Deve ser dum comboio longínquo.
Neste momento vem-me uma vaga saudade
E um vago desejo plácido
Que aparece e desaparece.
Também às vezes, à flor dos ribeiros,
Formam-se bolhas na água
Que nascem e se desmancham
E não têm sentido nenhum
Salvo serem bolhas de água
Que nascem e se desmancham.
Com Quantos Tenho que Casar?
Querida íbis:
Desculpa o papel impróprio em que te escrevo; é o único que encontrei na pasta, e aqui no Café Arcada não têm papel. Mas não te importas, não?
Acabo de receber a tua carta com o postal, que acho muito engraçado.Ontem foi — não é verdade? — uma coincidência engraçadíssima o facto de eu e minha irmã virmos para a Baixa exactamente ao mesmo tempo que tu. O que não teve graça foi tu desapareceres, apesar dos sinais que eu te fiz. Eu fui apenas deixar minha irmã ao Avda. Palace, para ela ir fazer umas compras e dar um passeio com a mãe e a irmã do rapaz belga que aí está. Eu saí quasi imediatamente, e esperava encontrar-te ali próximo para falarmos. Não quiseste. Tanta pressa tiveste de ir para casa de tua irmã!
E, ainda por cima, quando saí do hotel, vejo a janela de casa de tua irmã armada em camarote (com cadeiras suplementares) para o espectáculo de me ver passar! Claro está que, tendo visto isto, segui o meu caminho como se ali não estivesse ninguém. Quando eu pretendesse ser palhaço (para o que, aliás,
Ontem à Tarde um Homem das Cidades
Ontem à tarde um homem das cidades
Falava à porta da estalagem.
Falava comigo também.
Falava da justiça e da luta para haver justiça
E dos operários que sofrem,
E do trabalho constante, e dos que têm fome,
E dos ricos, que só têm costas para isso.
E, olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos
E sorriu com agrado, julgando que eu sentia
O ódio que ele sentia, e a compaixão
Que ele dizia que sentia.
(Mas eu mal o estava ouvindo.
Que me importam a mim os homens
E o que sofrem ou supõem que sofrem?
Sejam como eu — não sofrerão.
Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns com os
outros,
Quer para fazer bem, quer para fazer mal.
A nossa alma e o céu e a terra bastam-nos.
Querer mais é perder isto, e ser infeliz.)
Eu no que estava pensando
Quando o amigo de gente falava
(E isso me comoveu até às lágrimas),
Era em como o murmúrio longínquo dos chocalhos
A esse entardecer
Não parecia os sinos duma capela pequenina
A que fossem à missa as flores e os regatos
E as almas simples como a minha.
Para fugir ou para buscar. Os fugitivos cedo ou tarde descobrem que seus problemas são de natureza geográfica.
Autobiografia de um Só Dia
A Maria Dulce e Luiz Tavares
No Engenho Poço não nasci:
minha mãe, na véspera de mim,veio de lá para a Jaqueira,
que era onde, queiram ou não queiram,os netos tinham de nascer,
no quarto-avós, frente à maré.Ou porque chegássemos tarde
(não porque quisesse apressar-me,e se soubesse o que teria
de tédio à frente, abortaria)ou porque o doutor deu-me quandos,
minha mãe no quarto-dos-santos,misto de santuário e capela,
lá dormiria, até que para ela,fizessem cedo no outro dia
o quarto onde os netos nasciam.Porém em pleno Céu de gesso,
naquela madrugada mesmo,nascemos eu e minha morte,
contra o ritual daquela Corteque nada de um homem sabia:
que ao nascer esperneia, grita.Parido no quarto-dos-santos,
sem querer, nasci blasfemando,pois são blasfêmias sangue e grito
em meio à freirice de lírios,mesmo se explodem (gritos, sangue),
de chácara entre marés, mangues.
Chuva
Chuva, caindo tão mansa,
Na paisagem do momento,
Trazes mais esta lembrança
De profundo isolamento.Chuva, caindo em silêncio
Na tarde, sem claridade…
A meu sonhar d’hoje, vence-o
Uma infinita saudade.Chuva, caindo tão mansa,
Em branda serenidade.
Hoje minh’alma descansa.
— Que perfeita intimidade!…
A Ti
Como o sol nasce do monte
E todo o vale alumia,
Assim no meu horizonte
Nasceu teu olhar, um dia.Nessa manhã cor-de-rosa,
Que dos teus olhos saía,
Tua voz melodiosa
Foi a voz da cotovia.E logo na minha mágoa,
Neste canteiro sem flor,
Brotou, qual nascente de água,
O teu amor, meu Amor!Então fez sol deslumbrante
Nos dias da minha vida:
Já não era a luz distante,
Já não a fonte escondida.Nuvens, tormentas e dores,
Que enchiam meu coração,
Tudo se cobriu de flores,
A esse divino clarão!E à luz que os teus olhos deram,
Como faróis redentores,
Mundos no mundo nasceram,
Do amor brotaram amores.Três aves no nosso ninho
O enchem de um fulgor sagrado:
Já não és o sol sozinho,
Fizeste o céu estrelado!Deus te proteja e te guarde,
Minha Mulher, minha Irmã,
Ó minha Estrela da Tarde,
Minha Estrela da Manhã!
Para As Raparigas de Coimbra
1
Ó choupo magro e velhinho,
Corcundinha, todo aos nós:
És tal qual meu avôzinho,
Falta-te apenas a voz.2
Minha capa vos acoite
Que é p’ra vos agazalhar:
Se por fóra é cor da noite,
Por dentro é cor do luar…3
Ó sinos de Santa Clara,
Por quem dobraes, quem morreu?
Ah, foi-se a mais linda cara
Que houve debaixo do céu!4
A sereia é muito arisca,
Pescador, que estás ao sol:
Não cae, tolinho, a essa isca…
Só pondo uma flor no anzol!5
A lua é a hostia branquinha,
Onde está Nosso Senhor:
É d’uma certa farinha
Que não apanha bolor!6
Vou a encher a bilha e trago-a
Vazia como a levei!
Mondego, qu’é da tua agoa?
Qu’é dos prantos que eu chorei?7
A cabra da velha Torre,
Meu amor, chama por mim:
Quando um estudante morre,
Os sinos chamam, assim.8
–
O Último Número
Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado,
A idéia estertorava-se… No fundo
Do meu entendimento moribundo
jazia o último número cansado.Era de vê-lo, imóvel, resignado,
Tragicamente de si mesmo oriundo,
Fora da sucessão, estranho ao mundo,
Com o reflexo fúnebre do Increado:Bradei: – Que fazes ainda no meu crânio?
E o último número, atro e subterrâneo,
Parecia dizer-me: “É tarde, amigo!Pois que a minha ontogênica Grandeza
Nunca vibrou em tua língua presa,
Não te abandono mais! Morro contigo!”
No coração envelhecido de uma mãe, os filhos regressam sempre tarde.
A vida não dá coisa alguma sem retribuição e sobre cada coisa concedida pelo destino, há secretamente um preço, que cedo ou tarde deverá ser pago.
Afinal de contas, pensava ele, aquele coração, tão volúvel e estouvado, não devia ser meu; a traição mais tarde seria mais funesta.
Se de manhã pudermos aprender o que é correcto, devemos sentir-nos contentes se morrermos à tarde.
Se Quisermos Viver a Vida de Forma Criativa
É raro ver-se um artista na casa dos 30 ou dos 40 anos contribuir com alguma coisa realmente extraordinária. É claro que existem algumas pessoas com uma curiosidade inata, que são eternas crianças na maneira como se maravilham com a vida, mas são raras.
Os nossos pensamentos constroem padrões semelhantes a dobras na nossa mente. Nós estamos efectivamente a esboçar padrões químicos. Na maioria dos casos, as pessoas ficam presas nesses padrões, como nos sulcos de um disco, e nunca saem deles.
Se quisermos viver a vida de forma criativa, como um artista, não podemos olhar muito para trás. Temos de estar dispostos a agarrar naquilo que fizemos, na pessoa que fomos, e deitá-lo fora.
Quanto mais o mundo exterior tenta impor-nos uma imagem nossa, mais difícil é continuarmos a ser um artista, e é por isso que muitas vezes os artistas têm de dizer: «Adeus. Tenho de ir. Estou a ficar maluco e vou sair daqui.» E depois ir hibernar para qualquer lado. Talvez mais tarde, voltemos a emergir de uma maneira um pouco diferente.
Mysticismo Humano
A alma é como a noute escura, immensa e azul,
Tem o vago, o sinistro, e os canticos do sul,
Como os cantos d’amor serenos das ceifeiras
Que cantam ao luar, á noute pelas eiras…
Ás vezes vem a nevoa á alma satisfeita,
E cae sombria, vaga, e meuda e desfeita…
E como a folha morta em lagos somnolentos
As nossas illusões vão-se nos desalentos!Tem um poder immenso as Cousas na tristeza!
Homem! conheces tu o que é a natureza?…
– É tudo o que nos cerca – é o azul, o escuro,
É o cypreste esguio, a planta, o cedro duro,
A folha, o tronco a flor, os ramos friorentos,
É a floresta espessa esguedelhada aos ventos;
Não entra o vicio aqui com beijos dissolutos,
Nem as lendas do mal, nem os choros dos lutos!…– E os que viram passar serenos os seus dias…
E curvados se vão, ás longas ventanias,
Cheio o peito de sol, atravez das florestas,
Á calma do meio dia… e dormiam as sestas,
Tranquillos sobre a eira, entre as hervas nas leivas…
Muito cuidado com os elogios rápidos. Aqueles que, na primeira tarde, são capazes de ver qualidades que não tens, também rapidamente descobrem defeitos que nunca possuístes.
Poemas da Infância
Segundo
Quando foi que demorei os olhos
sobre os seios nascendo debaixo das blusas,
das raparigas que vinham, à tarde, brincar comigo?…
… Como nasci poeta
devia ter sido muito antes que as mães se apercebessem disso
e fizessem mais largas as blusas para as suas meninas.
Quando, não sei ao certo.Mas a história dos peitos, debaixo das blusas,
foi um grande mistério.
Tão grande
que eu corria até ao cansaço.
E jogava pedradas a coisas impossíveis de tocar,
como sejam os pássaros quando passam voando.E desafiava,
sem razão aparente,
rapazes muito mais velhos e fortes!
E uma vez,
de cima de um telhado,
joguei uma pedrada tão certeira
que levou o chapéu do Senhor Administrador!Em toda a vila
se falou logo num caso de política;
o Senhor Administrador
mandou vir da cidade uma pistola,
que mostrava, nos cafés, a quem a queria ver;
e os do partido contrário
deixaram crescer o musgo nos telhados
com medo daquela raiva de tiros para o céu…Tal era o mistério dos seios nascendo debaixo das blusas!
Usura do Amor
Por cada hora em que agora me poupares
Eu dar-te-ei,
Usurário deus do Amor, vinte para ti
Quando meus cabelos castanhos os grisalhos igualarem.
Até então, Amor, deixa meu corpo reinar e permite
Que viaje, me hospede, arrebate, intrigue, possua, esqueça,
Retome a conquista do ano passado, e pense que até agora
Nunca nos tínhamos encontrado.Deixa-me tomar por minha qualquer carta de um rival,
E nove horas mais tarde,
Cumprir a promessa da meia-noite; pelo caminho, enganar
A criada, e contar à senhora da demora.
Deixa que não ame nenhuma — não —, só o jogo do amor.
Junto da erva do campo, dos doces da corte
Ou «coizinhas» da cidade, torna públicas
As disposições da minha mente.Fazes um bom negócio. Se já velho vier a ser
Inflamado por ti
E se, a tua própria honra, minha vergonha ou dor
Cobiças, muito mais ganharás nessa idade.
Faz então a tua vontade, porque sujeito e mandatário
E fruto do amor, Amor, a ti me submeto.
Poupa-me até então, e suportá-lo-ei, mesmo que ela seja
Uma que me ame.