Preciso de Ti para Ser Eu
Ser quem sou passa por ser capaz de criar ligações ao outro, com o outro e para o outro. Só há pessoas porque há relações. A minha existência é constituída pelos caminhos que sonho, construo e percorro, ao lado de outras pessoas que, como eu, sonham, constroem e percorrem os seus caminhos. Vontades distintas, dinâmica comum. Seguimos, cada um pelos seus princípios, cada um para os seus fins.
O amor leva o ser do seu autor ao ser do que é amado. Amar é ser e ser é amar. Partilhar-se com o outro e com o mundo, num milagre de multiplicação em que quanto mais se dá, mais se tem para dar, mais se é.
Um pequeno erro na base leva a potenciais tragédias nas conclusões. Há quem parta do princípio que o amor é recíproco. Ora, essa ideia simples acaba por ser origem de enormes tragédias pessoais. O amor não é recíproco, é pessoal, nasce no mais íntimo da nossa identidade. Não é metade de nada, é um todo. Precisa do outro como fim, não como princípio.
O amor é bondade generosa. É dar o bem. Dar-se. Conseguir ser fonte de amor é o maior dos bens que se pode alcançar.
Textos sobre Coração
331 resultadosO Amor não se Promete
Há uma distância fundamental entre as palavras e os gestos de cada homem. As palavras prometem mundos, os gestos constroem-nos. As palavras esclarecem pouco, os gestos definem quase tudo.
O amor é um projeto, uma construção que necessita de ser realizada a cada dia. Sem grandes discursos. Qualquer hora é tempo de amar. Se o amor é verdadeiro, não há tempos de descanso, porque o silêncio no coração dos que buscam lutar contra as trevas dos egoísmos é a paz mais profunda e o maior descanso… ainda que se cravem espinhos na carne, ainda que não sarem as feridas antigas, ainda que a esperança tenha pouco mais onde se apoiar do que nela própria.
Cada um de nós é aquilo que for capaz de ir construindo de firme e duradouro a cada dia por entre todas as tempestades da vida.
Há muito quem sonhe e passe o tempo a desejar o que não é… esperam e desesperam por algo que lhes há de chegar de fora… rejeitando quase tudo quanto são, quando, na verdade, é com o que temos e somos que devemos ser felizes, por pouco e por pior que seja… somos nós. Mas nós não somos quem somos só para nós mesmos.
O Sentido Trágico do Amor
Todo o homem tende naturalmente para o amor. Acontece que o conceito comum de amor corresponde de forma quase universal a uma ideia genérica, ambivalente e, tantas vezes, errada, porque tão irreal.
Amar é dar-se. Entregar a própria essência a um outro, lutando em favor dele. De forma pura e gratuita, sem esperar outra recompensa senão a de saber que se conseguirá ser o que se é. Amar, ao contrário do que julgam muitos, não é uma fonte de satisfação… Amar é algo sério, arrebatador e tremendamente desagradável. Quem ama sabe que isso mais se parece com uma espécie de maldição do que com narrativas infantis de final invariavelmente feliz…
Cavaleiros valentes e princesas encantadas são, no entanto, excelentes metáforas que pretendem passar a ideia da coragem e da nobreza de carácter essenciais a quem ama. Ama-se quando se é capaz de se ser quem é, verdadeiramente.
Esta luta heróica pelo valor da essência do outro não está ao alcance de todos. A maior parte das pessoas são egocêntricas, alegram-se a entrançar os seus egoísmos em figuras improvisadas de resultado sempre disforme a que teimam chamar amor. Talvez porque assim consigam disfarçar o vazio que é a prova de quão frustrante,
Somos o Mistério
No fim desta época, como se toda a longa viagem tivesse sido inútil, volto a ficar sozinho nos territórios recém-descobertos. Como na crise do nascimento, como no começo alarmante e alarmado do terror metafísico donde brota o manancial dos meus primeiros versos, como num novo crepúsculo que a minha própria criação provocou, entro numa nova agonia e na segunda solidão. Para onde ir? Para onde regressar, conduzir, calar ou palpitar? Olho para todos os pontos da claridade e da obscuridade e não encontro senão o vazio que as minhas próprias mãos elaboraram com persistência fatal.
Mas o mais próximo, o mais fundamental, o mais extenso, o mais incalculável, não apareceria, afinal, senão neste momento no meu caminho. Tinha pensado em todos os mundos, mas não no homem. Tinha explorado com crueldade e agonia o coração do homem. Sem pensar nos homens, tinha visto cidades, mas cidades vazias. Tinha visto fábricas de trágico aspecto, mas não vira o sofrimento debaixo dos tectos, sobre as ruas, em todas as estações, nas cidades e no campo.
Às primeiras balas que trespassaram as violas de Espanha, quando, em vez de sons, saíram delas borbotões de sangue, a minha poesia deteve-se como um fantasma no meio das ruas da angústia humana e começou a subir por ela uma torrente de raízes e de sangue.
Cada qual mente ao seu próximo, falando com lábios fluentes e duplo coração
Cada qual mente ao seu próximo, falando com lábios fluentes e duplo coração.
Ser Português é Difícil
Os Portugueses têm algum medo de ser portugueses. Olhamos em nosso redor, para o nosso país e para os outros e, como aquilo que vemos pode doer, temos medo, ou vergonha, ou «culpa de sermos portugueses». Não queremos ser primos desta pobreza, madrinhas desta miséria, filhos desta fome, amigos desta amargura. Os Portugueses têm o defeito de querer pertencer ao maior e ao melhor país do mundo. Se lhes perguntarmos “Qual é actualmente o melhor e o maior país do mundo?”, não arranjam resposta. Nem dizem que é a União Soviética nem os Estados Unidos nem o Japão nem a França nem o Reino Unido nem a Alemanha. Dizem só, pesarosos como os kilogramas nos tempos em que tinham kapa: «Podia ter sido Portugal…» E isto que vai salvando os Portugueses: têm vergonha, culpa, nojo, medo de serem portugueses mas «também não vão ao ponto de quererem ser outra coisa».
Revela-se aqui o que nós temos de mais insuportável e de comovente: só nos custa sermos portugueses por não sermos os melhores do mundo. E, se formos pensar, verificamos que o verdadeiro patriotismo não é aquele de quem diz “Portugal é o melhor país do mundo” (esse é simplesmente parvo ou parvamente simples),
Os Sentimentos não Evoluem
Sei que tenho conhecimentos que os antigos não possuíam. Somos melhores filósofos sob muitos aspectos; mas no que diz respeito aos sentimentos, confesso que não conheço nenhum povo antigo que nos seja inferior. É desse lado, creio, que se pode mesmo dizer que é difícil para os homens elevarem-se acima do instinto da natureza. Ela fez as nossas almas tão grandes quanto elas se podem tornar, e a elevação que elas encontram na reflexão é em geral tanto mais falsa quanto mais guindada. Tudo aquilo que só depende da alma não recebe nenhum acréscimo pelas luzes do espírito e, porque o gosto se prende a ela, vejo que em vão se aperfeiçoam os nossos conhecimentos: instrui-se o nosso juízo, não se eleva o nosso gosto.
Represente-se Pourceaugnac no Teatro da Comédia, ou outra farsa com alguma comicidade, ela não atrairá público menor do que Andrómaca: as gargalhadas da platéia encantada serão ouvidas até na rua. Apresentem-se pantominas suportáveis na Feira, elas deixarão deserto o Teatro de Comédia; vi os nossos almofadinhas e os nossos filósofos subirem nos bancos para verem espancar dois garotos. Não se perde um gesto de Arlequim, e Pierrot faz rir este século sábio que se pavaneia de tanta polidez.
Cada Homem Só se Pode Salvar ou Perder Sozinho
Também eu acredito que a existência precede a essência. Que tudo começa quando o coração pulsa pela primeira vez, e tudo acaba quando ele desiste de lutar. Que todas as paisagens são cenários do nosso drama pessoal, comentários decorativos da nossa aventura íntima e profunda. E que, por isso, cada homem só se pode salvar ou perder sozinho, e que só ele é o responsável pelos seus passos, que só as suas próprias raízes são raízes, e que está nas suas mãos a grandeza ou a pequenez do seu destino. Companheiro doutros homens, será belo tudo quanto de acordo com o semelhante fizer, todas as suas fraternidades necessárias e louváveis. Mas que será do tamanho e da qualidade da sua realização singular, da força da sua unidade, da posição que escolheu e da obra que realizou, que a consciência lhe perguntará dia a dia, minuto a minuto.
É Virtude Dissimular a Virtude
– Vede, caro Roberto, o senhor de Salazar não diz que o sensato deve simular. Sugere-vos, se bem entendi, que deve aprender a dissimular. Simula-se o que não se é, dissimula-se o que se é. Se vos gabardes do que não fizestes, sois um simulador. Mas se evitardes, sem fazê-lo notar, mostrar em pleno o que fizestes, então dissimulais. É virtude acima de todas as virtudes dissimular a virtude. O senhor de Salazar está a ensinar-vos um modo prudente de ser virtuoso, ou de ser virtuoso de acordo com a prudência. Desde que o primeiro homem abriu os olhos e soube que estava nu, procurou cobrir-se até à vista do seu Fazedor: assim a diligência no esconder quase nasceu com o próprio mundo. Dissimular é estender um véu composto de trevas honestas, do qual não se forma o falso mas sim dá algum repouso ao verdadeiro.
A rosa parece bela porque à primeira vista dissimula ser coisa tão caduca, e embora da beleza mortal costume dizer-se que não parece coisa terrena, ela não é mais do que um cadáver dissimulado pelo favor da idade. Nesta vida nem sempre se deve ser de coração aberto, e as verdades que mais nos importam dizem-se sempre até meio.
A Amizade é Indispensável ao Nosso Ser
A amizade é a unica coisa cuja utilidade é unanimemente reconhecida. A própria virtude tem muitos detratores, que a acusam de ostentação e charlatanismo. Muitos desprezam as riquezas e, contentes de pouco, agradam-se da mediocridade. As honras, à procura da qual se matam tanto as pessoas, quantos outros as desdenham até olhá-las como o que há de mais fútil e de mais frívolo? E, assim, quanto ao mais! O que a uns parece admirável, ao juízo doutros nada é. Mas quanto à amizade, toda a gente está de acordo: os que se ocupam dos negócios públicos, os que se apaixonaram pelo estudo e pelas indagações sapientes, e os que, longe do bulício, limitam os seus cuidados aos seus interesses privados: todos enfim, aqueles mesmos que se entregaram todos inteiros aos prazeres, declaram que a vida nada é sem a amizade, por pouco que queiram reservar a sua para algum sentimento honorável.
Ela se insinua, com efeito, não sei como, no coração de todos os homens e não se admite que, sem ela, possa passar nenhuma condição da vida. Bem mais, se é um homem de natureza selvagem, muito feroz para odiar seus semelhantes e fugir do seu contacto, como fazia,
A Plenitude de Realização Humana está Fora da Sabedoria
O homem mais perfeitamente educado por um mestre foi Stuart Mill. Aos vinte anos de idade ele tinha aprendido com James Mill, seu pai, tudo quanto a ciência pode ensinar a um sábio e a um filósofo. E todavia Stuart Mill conta-nos na sua autobiografia que, ao perguntar um dia a si mesmo se seria feliz, uma vez realizadas nas instituições e nas ideias todas as reformas que ele projectava criar, a sua consciência lhe respondera: não. «Senti-me então desfalecer, – diz ele; todas as fundações sobre que se tinha arquitectado a minha vida se desmoronaram de repente.» Mais tarde ele sentiu a dor, sentiu depois o amor, o amor apaixonado, absorvente, enorme, dominando todo o seu ser, submetendo a força dissolvente da análise; e foi só então que ele se sentiu homem, revivendo para a natureza, forte da grande força que a natureza lhe comunicava, equilibrado para sempre no seu destino, cingido ao coração palpitante de uma mulher que ele amou – ele o sábio, o filósofo, o reformador frio e implacável – com o amor illimitado, entusiástico, cavalheiresco, que as velhas lendas líricas atribuem aos grandes amantes célebres.
A Luta pela Recordação
Os meus pensamentos foram-se afastando de mim, mas, chegado a um caminho acolhedor, repilo os tumultuosos pesares e detenho-me, de olhos fechados, enervado num aroma de afastamento que eu próprio fui conservando, na minha pequena luta contra a vida. Só vivi ontem. Ele tem agora essa nudez à espera do que deseja, selo provisório que nos vai envelhecendo sem amor.
Ontem é uma árvore de longas ramagens, e estou estendido à sua sombra, recordando.
De súbito, contemplo, surpreendido, longas caravanas de caminhantes que, chegados como eu a este caminho, com os olhos adormecidos na recordação, entoam canções e recordam. E algo me diz que mudaram para se deter, que falaram para se calar, que abriram os olhos atónitos ante a festa das estrelas para os fechar e recordar…
Estendido neste novo caminho, com os olhos ávidos florescidos de afastamento, procuro em vão interceptar o rio do tempo que tremula sobre as minhas atitudes. Mas a água que consigo recolher fica aprisionada nos tanques ocultos do meu coração em que amanhã terão de se submergir as minhas velhas mãos solitárias…
Viver sem Sofrimento
Os prazeres ardentes são momentâneos, e custam graves inconvenientes. O que devemos cobiçar é viver sem sofrer muito. Aquele que sofre foge-Ihe uma parte da existência. O mal é nocivo à plenitude da vida por que é sempre causa do aniquilamento. Quando o sofrimento nos ameaça, e receamos que as forças defensivas nos faleçam, suspendem-se os outros movimentos do nosso coração, e então pouco há que esperar de nós, por que se torna incerto o nosso destino. O bem-estar de grande numero de individuos, que vivem retirados das agitações, depende mais da sua disposição habitual de pensamento que da influência de causas exteriores. A crise moral pode surpreendê-los e magoá-los momentaneamente; mas a força dos acontecimentos é meramente relativa. Os sofrimentos são mais ou menos intensos, conforme a época em que nos oprimem. O que ontem poderia aniquilar-me, levemente me incomoda hoje. Cinco minutos de reflexão me bastam. A maior parte dos objectos encerram e presentam, indirectamente pelo menos, as propriedades oportunas. Pô-las em acção é no que assenta a industria da felicidade. Ha aí que farte instrumentos fecundos de prazeres úteis; ponto é saber meneá-los. Quem não sabe trabalhar com eles, fere-se. Discernir, isto é, reflectir é o que mais importa…
A Glória em Função dos Feitos e das Obras
Enquanto a nossa honra vai até onde somos pessoalmente conhecidos, a glória, pelo contrário, precede o nosso conhecimento e leva-o até onde ela mesmo consegue ir. Todo o indivíduo tem direito à honra; à glória, apenas as excepções, pois apenas mediante realizações excepcionais é possível atingi-la. Tais realizações, por sua vez, são feitos ou obras. A partir deles, abrem-se dois caminhos para a glória. Antes de mais nada, é o grande coração que capacita para os feitos; para as obras, a grande cabeça. Ambas possuem as suas próprias vantagens e desvantagens. A diferença principal é que os feitos passam, e as obras permanecem.
Dos feitos, permanece apenas a lembrança, que se torna cada vez mais fraca, desfigurada e indiferente, e que está até mesmo fadada a extinguir-se gradualmente, caso a história não a recolha e a transmita para a posteridade em estado petrificado. As obras, pelo contrário, são imortais e podem, pelo menos as escritas, sobreviver em todos os tempos. O mais nobre dos feitos tem apenas uma influência temporária; a obra genial, pelo contrário, vive e faz efeito, de modo benéfico e sublime, por todos os tempos. De Alexandre, o Grande, vivem nome e memória, mas Platão e Aristóteles,
O Temor Combate-se com a Esperança
Não haverá razão para viver, nem termo para as nossas misérias, se fôr mister temer tudo quanto seja temível. Neste ponto, põe em acção a tua prudência; mercê da animosidade de espírito, repele inclusive o temor que te acomete de cara descoberta. Pelo menos, combate uma fraqueza com outra: tempera o receio com a esperança. Por certo que possa ser qualquer um dos riscos que tememos, é ainda mais certo que os nossos temores se apaziguam, quando as nossas esperanças nos enganam.
Estabelece equilíbrio, pois, entre a esperança e o temor; sempre que houver completa incerteza, inclina a balança em teu favor: crê no que te agrada. Mesmo que o temor reuna maior número de sufrágios, inclina-a sempre para o lado da esperança; deixa de afligir o coração, e figura-te, sem cessar, que a maior parte dos mortais, sem ser afectada, sem se ver seriamente ameaçada por mal algum, vive em permanente e confusa agitação. É que nenhum conserva o governo de si mesmo: deixa-se levar pelos impulsos, e não mantém o seu temor dentro de limites razoáveis. Nenhum diz:
– Autoridade vã, espírito vão: ou inventou, ou lho contaram.
Flutuamos ao mínimo sopro. De circunstâncias duvidosas,
São as Nossas Paixões que nos Irritam Contra as dos Outros
São as nossas paixões que nos irritam contra as dos outros; é o nosso próprio interesse que nos leva a odiar os maus; se estes não nos fizessem nenhum mal, sentiríamos por eles mais piedade que ódio. O mal que os maus nos fazem leva-nos a esquecer o mal que se fazem a si mesmos. Perdoar-Ihes-íamos com mais facilidade os seus vícios se pudéssemos saber quanto os seus próprios corações os castigam. Sentimos a ofensa e não vemos o castigo; as vantagens são aparentes, o sofrimento é interior. Aquele que crê gozar do fruto dos seus vícios não se sente menos atormentado do que se o não tivesse conseguido; o objecto muda mas a inquietação é a mesma; por mais que evidenciem a sua fortuna e escondam o seu coração, o seu comportamento demostra-o, mesmo sem que o queiram: mas, para nos apercebermos disso, é preciso que não tenhamos um coração semelhante.
As paixões que nos dividem seduzem-nos; as que chocam os nossos interesses revoltam-nos, e, por uma inconsequência que nos vem delas, criticamos nos outros o que desejaríamos imitar. A aversão e a ilusão são inevitáveis, quando somos obrigados a suportar, por parte de outrém, o mal que faríamos se estivéssemos no lugar dessa pessoa.
A Vida é Triste
A vida é triste por uma só razão. Não é a primeira (o ser curta). É comprida. Só parece curta a quem não sofre; a quem não quer que acabe.
A vida é triste por ser muito mais fácil iludirmo-nos do que somos capazes de nos desiludir. A ilusão, sem qualquer esforço da nossa parte, põe-nos nos píncaros. Estamos programados para isso. Não nos custa. Sabe-nos bem. Gostamos de ser enganados, desde que nos sintamos mais bem por causa disso.
Já a desilusão não só é difícil como custa muito mais. Nunca é bem-vinda. É uma força destruidora, a realidade. A morte, sendo inesperada — seja a morte intelectual, emotiva, sensível, amorosa ou física —, é sempre mais violenta do que a esperada, que raramente se adianta.
Cada vez que acordamos e lamentamos ter acordado; cada vez que adormecemos e agradecemos ter adormecido; estamos a rejeitar alegremente a vida. Não há outra maneira de a rejeitar. Viver, apesar de tudo, ainda é uma espécie de glória, sendo a glória o oposto do prazer.
Esperar muito — tanto no sentido louco da esperança como no sentido (cuja raiz latina vem de sofrer) masoquista de paciência – é pormo-nos a jeito para o sofrimento.
O Medo do Fim
Alguns pensam que a felicidade é a ausência de sofrimento… mas, na verdade, está errada essa ideia. A felicidade e o sofrimento são ambos pilares fundamentais da existência. Sem sofrimento a nossa humanidade não seria provada e os nossos dias não teriam valor. Assim também a felicidade, sendo a alegria mais profunda, é o que dá sentido a todas as noites… não são realidades que se possam medir, mas não deixam de ser algo tão concreto como as nossas duas mãos, que sempre trabalham em conjunto, sabendo cada uma o seu papel e o seu valor.
Evitar a dor não nos torna mais fortes.
Tememos as perdas. Tememos a morte. Talvez porque o nada é um abismo que assusta todos quantos têm uma vida com valor. Porque somos impelidos a defender o significado do que erguemos aqui. Não se quer aceitar que tudo quanto se construiu, durante uma vida, seja suprimido sem deixar rasto. Quantas vezes não é o momento do fim que se teme, mas antes o que se pode fazer até lá?
Caminhar rumo ao desconhecido é uma prova de coragem e de fé diante das evidências deste mundo. Os olhos não querem ver nem as pernas caminhar,
A Maldade Espiritualiza-se
O julgamento e a condenação morais são a vingança predilecta dos espíritos tacanhos para com os que são menos, além de uma espécie de indemnização por terem sido mal dotados pela natureza, e finalmente uma oportunidade de eles próprios obterem espírito e tornarem-se finos: – a maldade espiritualiza-se. Bem no fundo do coração agrada-lhes que exista um padrão que ponha ao seu nível os abundantemente dotados de bens e privilégios de espírito: – lutam pela «igualdade de todos perante Deus» e para isso é que quase precisam da fé em Deus.
A Falsa Sabedoria Política
É reduzido o número daqueles que vêem com os seus próprios olhos e sentem com o próprio coração. Mas da sua força dependerá que os homens tendam ou não a cair no estado amorfo para onde parece caminhar hoje uma multidão cega.
Quem dera que os povos vissem a tempo, quanto terão de sacrificar da sua liberdade para escapar à luta de todos contra todos! A força da consciência e do espírito internacional demonstrou ser demasiado fraca. Apresenta-se agora superficialmente enfraquecida para consentir a formação de pactos com os mais perigosos inimigos da civilização. Existe, assim, uma espécie de compromisso, criminoso para a Humanidade, embora o considerem como sabedoria política.
Não podemos desesperar dos homens, pois nós próprios somos homens.