Textos sobre Julgados

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Textos de julgados escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Homem Que Confessa os Seus Pecados Nunca é o Mesmo Que os Cometeu

Monstro, robot, escravo, ser maldito – pouco importa o termo utilizado para transmitir a imagem da nossa condição desumanizada. Nunca a condição da humanidade no seu conjunto foi tão ignóbil como hoje. Estamos todos ligados uns aos outros por uma igniminiosa relação de senhor e servo; todos presos no mesmo círculo vicioso entre julgar e ser julgado; todos empenhados em destruir-nos mutuamente quando não conseguimos impor a nossa vontade. Em vez de sentirmos respeito, tolerância, bondade e consideração, para já não falar em amor, uns pelos outros, olhamo-nos com medo, suspeita, ódio, inveja, rivalidade e malevolência. O nosso mundo assenta na falsidade. Seja qual for a direcção em que nos aventuremos, a esfera de actividade humana em que nos embrenhemos, não encontramos senão enganos, fraudes, dissimulação e hipocrisia.
Conhecer do facto de que, por muito alto que estejam colocados, os homens não conseguem, não ousam, pensar livremente, independentemente, quase desespero de me fazer ouvir. E se falo ainda, se me arrisco a exprimir os meus pontos de vista sobre certas questões fundamentais, é porque estou convencido de que, por muito negro que seja o panorama, uma mudança drástica é, não só possível, mas até inevitável. Sinto que é meu direito e meu dever de ser humano promover essa mudança.

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Evitar a Sabedoria de Umbigo

Se alguém se inebria com o seu saber ao olhar para baixo de si, que volte o olhar para cima, rumo aos séculos passados, e abaixará os cornos ao encontrar aí tantos milhares de espíritos que o calcam aos pés. Se ele forma alguma ligeira presunção do seu valor, que se recorde das vidas dos dois Cipiões e dos incontáveis exércitos e povos que o deixam muito para trás. Nenhuma particular qualidade dará motivo de orgulho aquele que, ao mesmo tempo, tiver em conta os muitos traços de imperfeição e debilidade que em si há e, enfim, a nulidade da condição humana.
Porque Sócrates foi o único a compreender acertadamente o preceito do seu Deus, o de conhecer-se a si mesmo, e através de tal estudo, ter chegado a desprezar-se, só ele foi julgado digno de sobrenome de «sábio». Quem assim se conhecer, que tenha a audácia de, pela sua própria boca, o dar a conhecer.

A Intimidade na Amizade

Ele encontrou alguém com quem pode falar, pensei. E eu também, pensei a seguir. No momento em que um homem começa a falar de sexo a outro, está a dizer alguma coisa acerca de ambos. Noventa por cento das vezes isso não acontece, e talvez seja melhor que não aconteça, mas se não conseguirmos alcançar um certo grau de franqueza no que respeita a sexo e optamos por proceder como se nem sequer pensássemos nisso, então a amizade masculina é incompleta. A maioria dos homens nunca encontra um amigo assim. Não é comum. Mas quando acontece, quando dois homens se descobrem de acordo sobre esta parte essencial de ser um homem, sem medo de serem julgados, aviltados, invejados ou dominados, seguros de que a sua confiança não será traída, a sua relação humana pode tornar-se muito forte e nascer uma intimidade inesperada.

Temos de Ser o que Nos Apetecer

Se não mudares, os outros fazem de ti o que querem.

A velha máxima «Se estás mal, muda-te» faz mesmo todo o sentido.

Se não nos sentimos bem com determinado relacionamento, se não estamos felizes no nosso trabalho, se não conseguimos encarar certa pessoa ou se, simplesmente, não nos sentimos bem naquele jantar, naquele ginásio ou naquela viagem, só nos resta uma alternativa: mudar.

Acontece que, e apesar de parecer simples, essa decisão é extremamente delicada. E porquê? Porque uma vez mais colocamos o mundo inteiro à nossa frente. Em vez de nos respeitarmos e levarmos a cabo o nosso desejo de liberdade, saindo de onde estamos para onde queremos estar, não, deixamo-nos ficar mesmo que o amor já não exista, mesmo que o patrão ou os colegas nos tratem mal, mesmo que continuemos a ser julgados ou cobrados pela mãe, pelo pai, pelo tio ou pelo cão e por aí adiante. Não mudamos e o caldo entorna-se. Ou seja, é o pior dos dois mundos.
Não comemos a sopa, não nos nutrimos, e ainda nos queimamos por andarmos constantemente nas mãos de uns e outros.

As pessoas relacionam-se mais por medo de se perderem umas às outras ou por necessidade de dominarem alguém do que por se amarem genuinamente,

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O Acaso Introduz e Acaba as Nossas Acções

É de um sadismo soberbo pensar que deveríamos ser julgados pelas nossas boas e más acções, uma vez que só de um pequeníssimo número das nossas acções podemos decidir. O acaso cego, que se distingue da justiça cega pelo simples facto de ainda não usar venda, introduz e acaba as nossas acções; o que podemos fazer e, bem entendido, o que devemos fazer, em virtude da existência tantas vezes negada da nossa consciência, é deixarmo-nos arrastar numa certa direcção e mantermo-nos depois nessa direcção enquanto conservamos os olhos abertos e estamos conscientes de que o fim em geral é uma ilusão, pelo que o fundamental é a direcção que mantivermos, pois só ela se encontra sob o nosso controlo, sob o controlo do nosso miserável eu. E a lucidez, sim, a lucidez, os olhos abertos fitando sem medo a nossa terrível situação devem ser a estrela do eu, a nossa única bússola, uma bússola que cria a direcção, porque sem bússola não há direcção. Mas se me disponho agora a acreditar na direcção, passo a duvidar dos testemunhos relativos à maldade humana, uma vez que no interior de uma mesma direcção – em si mesma excelente – podem existir correntes boas e más.

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Política e Moral

Não sabemos se haverá ingenuidade em desejar moral na política e se não terá havido em qualquer nação governantes em que o carácter e a dignidade pessoal tenham julgado de um dever entrar também na vida pública, regrando processos de administração. Não sabemos.
O que sabemos é que a desordem e imoralidade políticas têm um efeito corrosivo na alma das nações. E o abastardamento do carácter nacional não pode deixar de influir no desenvolvimento e progresso de um povo, sob qualquer aspecto que o queiramos considerar.

Um Grande Carácter não é Comparável

Quando vemos um grande homem, imaginamos uma semelhança com alguma personalidade histórica e profetizamos a sequência do seu carácter e do seu destino, dedução que necessariamente falhará. Ninguém jamais resolverá o problema do seu carácter, de acordo com os nossos prognósticos, mas de acordo com a própria orientação, personalíssima e sem precedente.
O carácter aspira à largueza; não se deve misturar com as pessoas, nem ser julgado por episódios colhidos na velocidade da vida quotidiana ou em poucas ocasiões. Como um grande edifício, necessita de perspectiva. Não pode formar, e provavelmente não forma, relações rapidamente; e não devemos desejar explicações precipitadas, seja na ética popular ou na nossa própria, da sua acção.

Nunca nos Assemelhamos a nós Próprios

O homem não é conhecível a si próprio, porque a sua vida consiste em esforços alternados para ser o que não é, e essa transposição e substituição contínuas de almas irreais e estranhas fazem com que aquilo que na verdade e, ao contrário de Deus, pareça o que nunca é. Mesmo no mais pobre de nós existem pelo menos sete homens.
Há aquele que parece aos outros e o julgado, justamente, sabe quase sempre que não é.
Há aquele que diz ser e ele próprio sabe não ser, porque a vaidade ou medo tornam sempre mentiroso.
Há aquele que julga ser e é o mais distante da verdade, que cada um se inclina para se julgar aquilo que não é, por uma retorsão do orgulho que afasta tudo o pior, que é a maioria.
Há aquele que quereria ser, o mito pessoal de todo o homem, o sonho reservado ao futuro, aquele que depois deforma todas as autobiografias.
Aquele que finge ser para comodidade e necessidade da vida comum, onde o insensível deve mostrar-se caloroso, o avarento liberal e o vil corajoso.
Há aquele que se poderia chamar o nosso duplo desconhecido: a personalidade subconsciente,

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O Juízo Final

Chegou o miserável milionário no céu e, impacientemente, esperou a sua vez de ser julgado. Introduziram-no numa sala, noutra sala, noutra sala, até que se viu frente a uma luz ofuscante, na qual pouco a pouco foi dintinguindo a figura santa do pai dos Homens. Em voz tonitroante este, tendo à direita, Pedro, e, à esquerda, uma figura que ele não conhecia, julgou sumariamente dois outros pecadores que estavam à sua frente. E, afinal, dirigiu-se a ele:
– Que fez você de bom na sua vida ?
– Bem, eu nasci, cresci, amei, casei, tive filhos, vivi.
– Ora – disse o Senhor – isso são actos sociais e biológicos a que você estava destinado. Quero saber que bondade específica e determinada você teve para com o seu semelhante.
– Bem – disse o milionário – eu criei indústrias, comprei fazendas, dei emprego a muita gente, melhorei as condições sociais de muita gente.
– Não, isso não serve – disse o Todo-Poderoso – essas acções estavam implícitas ao acto de você enriquecer. Você as praticou porque precisava viver melhor. Não foram intrinsecamente boas acções, desprendidas, não servem.
O milionário escarafunchou o cérebro e não encontrou nada.

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A excelência de uma mentalidade é julgada pela sua sabedoria

A excelência de uma mentalidade é julgada pela sua sabedoria.

É mister o máximo cuidado no emprego das palavras. Por causa de uma palavra, poderia um homem ser julgado sábio, e por causa de uma palavra, poderia ser ele julgado um néscio.

A Falsa Emancipação da Mulher

Actualmente, tem-se a pretensão de que a mulher é respeitada. Uns cedem-lhe o lugar, apanham-lhe o lenço: outros reconhecem-lhe o direito de exercer todas as funções, de tomar parte na administração, etc.; mas a opinião que têm dela é sempre a mesma – um instrumento de prazer. E ela sabe-o. Isso em nada difere da escravatura. A escravatura mais não é do que a exploração por uns do trabalho forçado da maioria. Assim, para que deixe de haver escravatura é necessário que os homens cessem de desejar usufruir o trabalho forçado de outrem e considerem semelhante coisa como um pecado ou vergonha. Entretanto, eles suprimem a forma exterior da escravatura, depois imaginam, persuadem-se de que a escravatura está abolida mas não vêem, não querem ver que ela continua a existir porque as pessoas procedem sempre de maneira idêntica e consideram bom e equitativo aproveitar o trabalho alheio. E desde que isso é julgado bom, torna-se inveitável que apareçam homens mais fortes ou mais astutos dispostos a passar à acção. A escravatura da mulher reside unicamente no facto de os homens desejarem e julgarem bom utilizá-la como instrumento de prazer. Hoje em dia, emancipam-na ou concedem-lhe todos os direitos iguais aos do homem,

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As acções devem ser julgadas de acordo com as intenções

As acções devem ser julgadas de acordo com as intenções.

É Possível Estarmos Todos Errados?

É possível (…) que não se tenha visto, conhecido e dito nada de real e importante? É possível que se tenha tido milénios para olhar, reflectir e anotar e que se tenha deixado passar os milénios como uma pausa escolar, durante a qual se come fatias de pão com manteiga e uma maçã?
Sim, é possível.
É possível que, apesar das investigações e dos progressos, apesar da cultura, da religião e da filosofia, se tenha ficado na superfície da vida? É possível que até se tenha coberto essa superfície – que, apesar de tudo, seria qualquer coisa – com um pano incrivelmente aborrecido, de tal modo que se assemelhe aos móveis da sala durante as férias de Verão?
Sim, é possível.
É possível que toda a História Universal tenha sido mal-entendida? É possível que o passado seja falso, precisamente porque sempre se falou das suas multidões, como se dissertasse sobre uma aglomeração de pessoas, em vez de falar de uma única, em torno da qual elas estavam, porque se tratava de um desconhecido que morreu?
Sim, é possível.
É possível que se tenha julgado ser preciso recuperar o que aconteceu antes de se ter nascido?

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A Ideia de Moral Universal

Muito antes de o homem estar maduro para ser confrontado com uma atitude moral universal, o medo dos perigos da vida levaram-no a atribuir a vários seres imaginários, não palpáveis fisicamente, o poder de libertar as forças naturais que temia ou talvez desejasse. E ele acreditava que esses seres, que dominavam toda a sua imaginação, eram feitos fisicamente à sua imagem, mas eram dotados de poderes sobre-humanos. Estes foram os precursores primitivos da ideia de Deus. Nascidos inicialmente dos medos que enchiam a vida diária dos homens, a crença na existência de tais seres, e nos seus poderes extraordinários, teve uma influência tão forte nos homens e na sua conduta que é difícil de imaginar por nós. Por isso, não surpreende que aqueles que se empenharam em estabelecer a ideia de moral, abarcando igualmente todos os homens, o tenham feito associando-a intimamente à religião. E o facto de estas pretensões morais serem as mesmas para todos os homens pode ter tido muito a ver com o desenvolvimento da cultura religiosa da espécie humana desde o politeísmo até ao monoteísmo.
A ideia de moral universal deve, assim, a sua potência psicológica original àquela ligação com a religião. No entanto, noutro sentido,

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A Importância de Dostoievski na Literatura

Os dois grandes monumentos do romance que o século passado (XIX) nos legou, ou seja aqueles em que poderemos reconhecer-nos, foram os erguidos por Tolstoi e por Dostoievski. Mas se a lição do primeiro foi facilmente assimilada, a do segundo levou tempo – e tanto, que só hoje acabámos de entendê-la bem. Significa isto que Tolstoi, com incidências menores de moralização, continua um Balzac, é bem do século XIX. E foi por se pretender à força ligar a esse século também um Dostoievski que ele só tarde se nos revelou, para dominar ainda hoje, diga-se o que se disser, todo o romance europeu. Para usar uma expressão que já usei, não com inteira originalidade, e a que a crítica me ligou, direi que Tolstoi continua o romance-espectáculo e que Dostoievski inaugura o romance-problema.

Dir-se-ia, e com razão, que todo o romance é problema e espectáculo, já que o espectáculo resiste num romance de Kafka ou Dostoievski, e o problema implicita-se numa qualquer narrativa, nem que seja o Amadis de Gaula. Mas é tão visível a deslocação do acento na obra de Dostoievski, que ela foi defendida, para existir, pelo que lhe é inessencial (como por um Brunetière e recentemente um Ernst Fischer,

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A Arte da Retórica Floresce nas Sociedades Decadentes

Um retórico do passado dizia que o seu ofício era fazer que as coisas pequenas parecessem grandes e como tais fossem julgadas. Dir-se-ia um sapateiro que, para calçar pés pequenos, sabe fazer sapatos grandes. Em Esparta ter-lhe-iam dado a experimentar o azorrague por professar uma arte trapaceira e mentirosa. E creio que Arquidamo, que foi seu rei, não terá ouvido sem espanto a resposta de Tucídides, ao qual perguntara quem era mais forte na luta, se Péricles, se ele: «Isso será difícil de verificar, pois quando o deito por terra, ele convence os espectadores que não caiu, e ganha». Os que, com cosméticos, caracterizam e pintam as mulheres fazem menos mal, pois é coisa de pouca perda não as ver ao natural, ao passo que estoutros fazem tenção de enganar, não já os olhos, mas o nosso juízo, e de abastardar e corromper a essência das coisas. Os Estados que longamente se mantiveram em boa ordem e bem governados, como o cretense e o lacedemónio, não tinham em grande conta os oradores.
Aríston definiu sabiamente a retórica como a ciência de persuadir o povo; Sócrates e Platão, como a arte de enganar e lisonjear; e aqueles que isto negam na sua definição genérica,

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