Textos sobre Língua

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Textos de língua escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Estranheza e Novidade

A novidade, em si mesma, nada significa, se não houver nela uma relação com o que a precedeu. Nem, propriamente, há novidade sem que haja essa relação. Saibamos distinguir o novo do estranho – o que, conhecendo o conhecido, o transforma e varia, e o que aparece de fora, sem conhecimento de coisa nenhuma. Entre os escritores que descendem com novidade da velha estirpe e os que aparecem por novos por pertencer a uma estirpe incógnita há a mesma diferença que há entre o homem que nos dá uma sensação de novidade por frases novas que diz e o que nos dá uma sensação de novidade, por, falando mal nossa língua, nos dizer estropiadamente qualquer frase dela.

Não amemos de palavras nem de língua, mas por acções e em verdade

Não amemos de palavras nem de língua, mas por acções e em verdade.

Aprende a Ser como os Outros

Não precisamos de ler, estudar ou conhecer ninguém, quando produzimos nós próprios. Pois não basta que produzamos nós próprios? E gostemos de nós próprios? Que nos pode dar o espírito alheio, quando sobre o próprio nosso desceu em línguas de fogo a sabedoria de tudo? Melhor: A verdade é que nem precisamos nós próprios de produzir (toda a produção é uma limitação), ou mal precisamos de produzir, para usufruirmos as vantagens do criador e produtor. (…) Aprende a contar uma anedota; duas anedotas; três anedotas; quatro anedotas… uma anedota diverte muita gente; quatro anedotas divertem muito mais… aprende a polvilhar de blague todas essas ideias sérias, pesadas, profundas, obscuras, – ao cabo simplesmente maçadoras – com que pretendes sufocar (…); aprende a cultivar aquele subtil espírito de futilidade que ligeiramente embriaga como um champanhe, e a toda a gente agrada, lisonjeia todos, por a todos nos dar a reconfortante impressão de pertencermos ao mesmo meio… estarmos ao mesmo nível; não queiras ser nem sobretudo sejas mais inteligente ou mais sensível, mais honesto ou mais sincero, mais trabalhador ou mais culto, mais profundo ou mais agudo… numa palavra: superior. Sim, homem! aprende a ser como os outros, dizendo bem ou mal de tudo e todos –

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Ser Turista é Fugir da Responsabilidade

Ser turista é fugir da responsabilidade. Os erros e os defeitos não se colam em nós como em casa. Somos capazes de vaguear por continentes e línguas, suspendendo a actividade do pensamento lógico. O turismo é a marcha da imbecilidade. Contam que sejamos imbecis. Todo o mecanismo do país hospedeiro está adaptado aos viajantes que se comportam de um modo imbecil. Andamos às voltas, aturdidos, olhando de esguelha para mapas desdobrados. Não sabemos falar com as pessoas, ir a lado nenhum, quanto vale o dinheiro, que horas são, o que comer ou como o comer. Ser-se imbecil é o padrão, o nível e a norma. Podemos continuar a viver nestas condições durante semanas e meses, sem censuras nem consequências terríveis. Tal como a outros milhares, são-nos concedidas imunidades e amplas liberdades. Somos um exército de loucos, usando roupas de poliester de cores vivas, montando camelos, tirando fotografias uns aos outros, fatigados, desintéricos, sedentos. Não temos mais nada em que pensar senão no próximo acontecimento informe.

As línguas dos bajuladores são mais macias do que seda na nossa presença, mas são como punhais na nossa ausência.

Há dois géneros de inimigos: os que perseguem e os que adulam

Há dois géneros de inimigos: os que perseguem e os que adulam. Mas é mais para temer a língua do lisonjeiro do que as mãos do perseguidor.

A Moda

As variações da sensibilidade sob a influência das modificações do meio, das necessidades, das preocupações, etc., criam um espírito público que varia de uma geração para outra e mesmo muitas vezes no espaço de uma geração. Esse espírito publico, rapidamente dilatado por contacto mental, determina o que se chama a moda. Ela é um possante factor de propagação da maior parte dos elementos da vida social, das nossas opiniões e das nossas crenças.
Não é só o vestuário que se submete às suas vontades. O teatro, a literatura, a política, a arte, as próprias idéias científicas lhe obedecem, e é por isso que certas obras apresentam um fundo de semelhança que permite falar do estilo de uma época.
Em virtude da sua acção inconsciente, submetemo-nos à moda sem que o percebamos. Os espíritos mais independentes a ela não se podem subtrair. São muito raros os artistas, os escritores que ousam produzir uma obra muito diferente das ideias do dia.
A influência da moda é tão pujante que ela obriga-nos, por vezes, a admirar coisas sem interesse e que parecerão mesmo de uma fealdade extrema, alguns anos mais tarde. O que nos impressiona numa obra de arte é muito raramente a obra em si mesma,

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É natural que no exercício do magistério a língua se confunda quando ensina uma coisa que

É natural que no exercício do magistério a língua se confunda quando ensina uma coisa que não aprendeu.

O Outro como Motivo da nossa Infelicidade

Pergunta-se por que todos os homens juntos não compõem uma única nação e não quiseram falar uma única língua, viver sob as mesmas leis, combinar entre eles os mesmos costumes e um mesmo culto; e eu, pensando na contrariedade dos espíritos, dos gostos e dos sentimentos, surpreendo-me ao ver até sete ou oito pessoas reunirem-se sob um mesmo tecto, num mesmo recinto e compor uma única família.
(…) Buscamos a nossa felicidade fora de nós mesmos e na opinião de homens que sabemos aduladores, pouco sinceros, sem equidade, cheios de inveja, de caprichos e preconceitos.

Da Duração das Obras

Algumas obras morrem porque nada valem; estas, por morrerem logo, são natimortas. Outras têm o dia breve que lhes confere a sua expressão de um estado de espírito passageiro ou de uma moda da sociedade; morrem na infância. Outras, de maior escopo, coexistem com uma época inteira do país, em cuja língua foram escritas, e, passada essa época, elas também passam; morrem na puberdade da fama e não alcançam mais do que a adolescência na vida perene da glória. Outras ainda, como exprimem coisas fundamentais da mentalidade do seu país, ou da civilização, a que ele pertence, duram tanto quanto dura aquela civilização; essas alcançam a idade adulta da glória universal. Mas outras duram além da civilização, cujos sentimentos expressam. Essas atingem aquela maturidade de vida que é tão mortal como os Deuses, que começam mas não acabam, como acontece com o Tempo; e estão sujeitas apenas ao mistério final que o Destino encobre para todo o sempre (…)

Suporte Real para a Emoção

Um fidalgo dos nossos, extremamente sujeito à gota, sendo pressionado pelos médicos a abandonar totalmente o uso das carnes salgadas, acostumara-se a responder muito espirituosamente que desejava ter o que culpar pelos ataques e tormentos do mal e que vituperando e maldizendo ora o salsichão, ora a língua de boi e o presunto, sentia-se proporcionalmente aliviado. Mas, seriamente, assim como o braço que é erguido para bater nos dói se o golpe falhar e ele for ao vento; e assim como para tornar agradável uma vista é preciso que ela não esteja perdida e isolada no vazio do ar, mas tenha uma proeminência para apoiá-la a razoável distância,

Assim como o vento, se espessas florestas não lhe opõem resistência, perde as forças e se dissipa no espaço vazio… (Lucano)

Da mesma forma parece que a alma estimulada e posta em movimento se perde em si mesma se não lhe dermos uma presa: é preciso sempre fornecer-lhe um objecto sobre o qual ela se lance e actue.
Diz Plutarco, a propósito dos que se afeiçoam a macacos e cachorrinhos, que a parte amorosa que existe em nós, na falta de um alvo legítimo, em vez de ficar inútil forja assim para si um alvo falso e fútil.

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Depravação e Génio

Uma vez que a maior parte das pessoas encara a santidade como qualquer coisa insulsa e conforme a uma pureza legal, é provável que a depravação represente uma maneira do génio dos sentidos, quer dizer, de desvio até ao extremo de uma vertente descida em liberdade e exterior às regras. Disto resulta que o génio, tal como é aceite, ou antes, tal como é tolerado, constitua uma depravação espiritual análoga a uma depravação dos sentidos. Muitas vezes uma arrasta a outra, e é raro um génio das letras, da escultura ou da pintura não se denunciar e, mesmo que lá não meta a sua carne, fazer prova de uma liberdade de ver, sentir e admirar que ultrapassa os limites consentidos.
(…) Acontece que nos interrogamos com estupefacção sobre as inúmeras depravações de bairro limítrofe que a polícia e os hospitais testemunham. Só poderemos ver nelas o meandro onde os medíocres se perdem quando decidem deixar-se arrastar e sair das regras que lhes foram destinadas.
Traduzam-se estas depravações noutra língua, dê-se-lhes elevação, transcendência, sejam elas revestidas de inteligência, e obter-se-à uma imagem em ponto pequeno das altas depravações que as obras-primas da arte nos valem.
Tal como Picasso apanha o que encontra no lixo e o eleva à dignidade de servir,

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A Alma e o Génio

O que faz de um homem um homem de génio – ou melhor o que eles fazem – não são as ideias novas mas essa ideia, que nunca os larga, que o que já foi dito não o foi nunca suficientemente.
(…) O que tortura a minha alma é a sua solidão. Quanto mais ela se dispersa pelos amigos e os prazeres comezinhos, mais esta me foge e se esconde na sua fortaleza. A novidade encontra-se no espírito que cria e não na nautreza reproduzida.

Tu que sabes que o novo existe sempre, mostra-o aos outros – no que eles nunca souberam ver. Faz-lhes compreender que nunca tinham ouvido falar do rouxinol, do espectáculo do mar imenso ou de tudo aquilo que os seus grosseiros órgãos só se encontram em condições de desfrutar depois de se ter tido o trabalho de sentir por eles.
E não faças da língua um empecilho, porque se cuidares da tua alma ela arranjará forma de se dar a entender. Criará uma nova linguagem que valerá os hemistíquios deste ou a prosa daquele. O quê?, diz-me que se considera uma pessoa original e fica insensível à leitura de Byron ou de Dante?

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O Paradoxo da Liberdade

É porque eu sou a minha voz, é porque ela existe minha no instante em que a estou erguendo, que me escapa a sua intelecção. E todo o equívoco do problema da liberdade está aí. Porque a liberdade experimenta-se e nada a pode demonstrar. Demonstrá-la exigiria que estivéssemos fora de nós, porque na própria demonstração estamos sendo o homem livre cuja liberdade desejávamos provar. Assim essa tentativa, como disse, é tão absurda como pretender a intelecção de uma língua fora de uma qualquer língua. Porque enquanto entendo uma língua, estou sendo aquela língua dentro da qual estou entendendo a outra. Quanto estou tentando entender a minha liberdade estou sendo quem sou na intelecção disso que sou. Eis-nos pois remetidos para o limiar de nós próprios, para o absoluto da escolha antes da escolha, para a identidade incompreensível entre o ser que é o nosso e a escolha desse ser.
Que tem que fazer aqui a razão? Somos livres, como sabemos na consciente vivência do acto de ser consciente. Somos livres, como o sabemos da possibilidade de se ser e de se saber que se é, da infinita e infinitesimal diferença entre mim e mim, entre ser-se o que se é e o saber-se que se é esse ser,

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O Coração Oco do Homem

Sobrecarregam-se os homens desde a infância com o cuidado da sua honra, do seu bem, dos seus amigos, e ainda com o bem e a honra dos seus amigos. Fatigam-se de afazeres, de aprendizagem de línguas e exercícios, e faz-se-lhes sentir que não poderão ser felizes sem que a sua saúde, a sua honra, a sua fortuna e a dos seus amigos estejam em bom estado e que uma só coisa que faltasse os tornaria desgraçados. Assim dão-se-lhes cargos e negócios que os fazem afadigar-se desde o amanhecer. – Aí está, direis, uma estranha maneira de os tornar felizes!
Que poderia fazer-se de melhor para os tornar desgraçados? – Como! O que se poderia fazer? Bastava apenas tirar-lhes todos estes cuidados; pois então ver-se-iam a si mesmos, pensariam no que são, donde vêm e para onde vão; e assim não os podem ocupar demais nem desviá-los. E é por isso que, depois de lhes terem preparado tantos afazeres, se têm algum tempo de descanso, os aconselham a empregá-lo a divertir-se, a jogar e a ocupar-se sempre inteiramente.

Não Existe um Verdadeiro Sistema de Pensamentos

Enfaticamente, não pode existir um verdadeiro sistema de pensamentos, pois nenhum sinal pode substituir a realidade. Pensadores profundos e honestos chegam sempre à conclusão de que toda a cognição é condicionada a priori pela sua própria forma e nunca pode alcançar aquela que as palavras significam… E este ignorabimus também está em conformidade com a intuição de todo o verdadeiro sábio: que os princípios abstractos da vida são aceitáveis somente como formas de expressão, máximas banais de uso quotidiano sob as quais a vida corre, como sempre correu, para a frente. Em última análise, a raça é mais forte do que as línguas, e é assim que, debaixo de todos os grandes nomes, houve pensadores, que são personalidades, e não sistemas, que são mutáveis, que produziram efeito sobre a vida.

Não Sei Dizer quem Sou

É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo. Ou pelo menos o que me faz agir não é o que eu sinto mas o que eu digo. Sinto quem sou e a impressão está alojada na parte alta do cérebro, nos lábios — na língua principalmente —, na superfície dos braços e também correndo dentro, bem dentro do meu corpo, mas onde, onde mesmo, eu não sei dizer. O gosto é cinzento, um pouco avermelhado, nos pedaços velhos um pouco azulado, e move–se como gelatina, vagarosamente. As vezes torna-se agudo e me fere, chocando-se comigo. Muito bem, agora pensar em céu azul, por exemplo. Mas sobretudo donde vem essa certeza de estar vivendo? Não, não passo bem. Pois ninguém se faz essas perguntas e eu… Mas é que basta silenciar para só enxergar, abaixo de todas as realidades, a única irredutível, a da existência. E abaixo de todas as dúvidas — o estudo cromático — sei que tudo é perfeito, porque seguiu de escala a escala o caminho fatal em relação a si mesmo.

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O Adoçamento da Pílula Vocabular

É curioso verificar através da língua — espelho fiel de cada sociedade e de cada época — como em certos aspectos essenciais da vida não houve práticamente progresso nenhum, consistindo tudo quanto se fez num puro e vazio eufemismo de designação. Escravo, servo, criado, empregado, assalariado … ; demoníaco, possesso, maluco, doido, doente, nevrosado…

Vantagens e Desvantagens dos Hábitos

Os pensamentos dos homens são muito concordantes com as suas inclinações; as suas palavras e os seus discursos concordam com as suas opiniões infusas ou apreendidas; mas as suas acções resultam daquilo a que estão acostumados. Eis porque, como Maquiavel muito bem notou (ainda que num exemplo mal inspirado), ninguém deve confiar na força da natureza, nem na jactância das palavras, se não estiverem corroboradas pelo hábito. O exemplo que ele apresenta é que, na execução de uma conspiração ousada, ninguém se deve fiar na ferocidade aparente ou nas promessas resolutas de qualquer pessoa, e que o empreendimento deve ser confiado a quem tiver já alguma vez manchado as suas mãos com sangue.
(…) A predominância do costume é por toda a parte visível; de tal maneira que ficaríamos admirados de ouvir os homens declarar, protestar, prometer, fazer solenes juramentos, e depois vê-los proceder como tinham feito antes: como se fossem imagens mortas ou engenhos movidos apenas pelas rodas do costume. Vemos também o que é o reino ou a tirania do costume.
(…) Já que o costume é o principal magistrado da vida humana, deve o homem por todos os meios prover à obtenção de bons costumes.

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