Textos sobre Declaração

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Textos de declaração escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Má Consciência como Inibição dos Instintos

A má consciência é para mim o estado mórbido em que devia ter caído o homem quando sofreu a transformação mais radical que alguma vez houve, a que nele se produziu quando se viu acorrentado à argola da sociedade e da paz. À maneira dos peixes obrigados a adaptarem-se a viver em terra, estes semianimais, acostumados à vida selvagem, à guerra, às correrias e aventuras, viram-se obrigados de repente a renunciar a todos os seus nobres instintos. Forçavam-nos a irem pelo seu pé, a «levarem-se a si mesmos», quando até então os havia levado a água: esmagava-os um peso enorme. Sentiam-se inaptos para as funções mais simples; neste mundo novo e desconhecido não tinham os seus antigos guias estes instintos reguladores, inconscientemente falíveis; viam-se reduzidos a pensar, a deduzir, a calcular, a combinar causas e efeitos. Infelizes! Viam-se reduzidos à sua «consciência», ao seu órgão mais fraco e mais coxo! Creio que nunca houve na terra desgraça tão grande, mal-estar tão horrível!
Acrescente-se a isto que os antigos instintos não haviam renunciado de vez às suas exigências. Mas era difícil e amiúde impossível satisfazê-las; era preciso procurar satisfações novas e subterrâneas. Os instintos sob a enorme força repressiva, volvem para dentro,

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Uma Declaração de Amor

Uma declaração de amor não é acontecimento do domínio público, uma baleia que vara na praia sob o sol dos desastres e convoca multidões, desalinhando hábitos quotidianos; uma declaração de amor é um acto de grande intimidade que ergue um véu transparente de onde brotam mel e pássaros azuis. As palavras directas ou indirectas, ditas ou escritas, suscitam a carícia única, irrepetível, a leve percussão que desenha no silêncio a imagem do que se ama. E assim terá de se guardar. Num lugar seguro onde os sismos não possam encontrar o mapa do tesouro.

Amo-te, Portugal

Portugal,

Estou há que séculos para te escrever. A primeira vez que dei por ti foi quando dei pela tua falta. Tinha 19 anos e estava na Inglaterra. De repente, deixei de me sentir um homem do mundo e percebi, com tristeza, que era apenas mais um dos teus desesperados pretendentes.

Apaixonaste-me sem que eu desse por isso. Deve ter sido durante os meus primeiros 18 anos de vida, quando estava em Portugal e só queria sair de ti. Insinuaste-te. Não fui eu que te escolhi. Quando descobri que te amava, já era tarde de mais.

Eu não queria ficar preso a ti; queria correr mundo. Passei a querer correr para ti – e foi para ti que corri, mal pude.

Teria preferido chegar à conclusão que te amava por uma lenta acumulação de razões, emoções e vantagens. Mas foi ao contrário. Apaixonei-me de um dia para o outro, sem qualquer espécie de aviso, e desde esse dia, que remédio, lá fui acumulando, lentamente, as razões por que te amo, retirando-as uma a uma dentre todas as outras razões, para não te amar, ou não querer saber de ti.

Custou-me justificar o meu amor por ti.

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Artista, Homem e Revolucionário

Creio que não é preciso. Em todo o caso, fica aqui a declaração. O que eu fui sempre, o que eu sou, e o que serei, é um artista, um homem e um revolucionário. Na medida em que sou artista, quero um mundo onde a beleza seja o vértice da pirâmide. Na medida em que sou homem, quero que nesse mundo os indivíduos sejam livres e conscientes. E na medida em que sou revolucionário, quero que a revolução traga à tona as grandes massas, e que nunca acabe de percorrer o seu caminho perpétuo, sem estratificações e sem dogmas.

Valem Mais as Vidas do que os Livros

Defende Cleantes a opinião de que em nada nos interessam as ideias dos homens e que acima de tudo devemos pôr o seu carácter, a honestidade e a firmeza, a independência e a lisura do seu procedimento. Se de política tratamos, Cleantes, que, por definição, é honesto, sentir-se-á muito bem representado ou muito bem governado não por aquele que, incluindo nos seus programas de eleição ou nas suas declarações ideias que perfeitamente se harmonizam com as dele, depois aparece apenas como um membro de toda a raça infinita dos que sobem por fora, mas por aquele que, tendo-o porventua irritado com a sua maneira de pensar, em seguida vem habitar a ilha minúscula dos que sobem por dentro. Se de dois candidatos que se apresentam, um está no partido contrário ao nosso mas é um honesto, seguro cidadão, e o outro se proclama correligionário, mas nos deixa dúvidas sobre a integridade moral, diz Cleantes que ninguém deve hesitar: o nosso voto deve ir para o que dá garantias de uma fiscalização séria dos negócios e não deixará que se maltrate a Justiça. Sobretudo se formos moralistas, isto é, se acreditarmos que o mundo se salvará pela moral; e, como cumpre a moralistas,

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O Homem é o Animal Menos Preparado

A capacidade do homem para o pensamento abstracto, que parece faltar à maioria dos outros mamíferos, conferiu-lhe sem dúvida o seu actual domínio sobre a superfície da Terra – um domínio disputado apenas por centenas de milhares de tipos de insectos e organismos microscópicos. Este pensamento abstracto é o responsável pela sua sensação de superioridade e pelo que, sob esta sensação, corresponde a uma certa medida de realidade, pelo menos dentro de estreitos limites. Mas o que é frequentemente subestimado é o facto de que a capacidade de desempenhar um acto não é, de forma alguma, sinónima de seu exercício salubre. É fácil observar que a maior parte do pensamento do homem é estúpida, sem sentido e injuriosa para ele. Na realidade, de todos os animais, ele parece o menos preparado para tirar conclusões apropriadas nas questões que afectam mais desesperadamente o seu bem-estar.
Tente imaginar um rato, no universo das ideias dos ratos, chegando a noções tão ocas de plausibilidade como, por exemplo, o Swedenborgianismo, a homeopatia ou a telepatia mental. O instinto natural do homem, de facto, nunca se dirige para o que é sólido e verdadeiro; prefere tudo que é especioso e falso. Se uma grande nação moderna se confrontar com dois problemas antagónicos – um deles baseado em argumentos prováveis e racionais,

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Fazer Cumprir quem não Cumpre

Sistemáticamente usados, o adiamento, a prorrogação, a isenção, a dispensa dos preceitos legais têm a tal ponto deseducado o espírito público que a maior parte da gente não acredita que a lei venha a ser cumprida ao menos «tão inteiramente como nela se contém». Do uso e abuso de tais processos resulta que no nosso País quem se apressa a cumprir a lei, a cumpri-la rigorosamente, lisamente, a fazer uma declaração exacta e em devido tempo, fica sempre em condições inferiores a todos os outros que não fizeram o mesmo. Pois é absolutamente preciso, «por uma questão de educação e de ordem», que comecemos de vez a praticar o sistema inverso e a fazer com que quem não cumpre — por mais razoável que seja o motivo da falta —- fique em situação pior que os que cumprem.

No Amor Começa-se Sempre a Zero

Fazer um registo de propriedade é chato e difícil mas fazer uma declaração de amor ainda é pior. Ninguém sabe como. Não há minuta. Não há sequer um despachante ao qual o premente assunto se possa entregar. As declarações de amor têm de ser feitas pelo próprio. A experiência não serve de nada — por muitas declarações que já se tenham feito, cada uma é completamente diferente das anteriores. No amor, aliás, a experiência só demonstra uma coisa: que não tem nada que estar a demonstrar coisíssima nenhuma. É verdade — começa-se sempre do zero. Cada vez que uma pessoa se apaixona, regressa à suprema inocência, inépcia e barbárie da puberdade. Sobem-nos as bainhas das calças nas pernas e quando damos por nós estamos de calções. A experiência não serve de nada na luta contra o fogo do amor. Imaginem-se duas pessoas apanhadas no meio de um incêndio, sem poderem fugir, e veja-se o sentido que faria uma delas virar-se para a outra e dizer: «Ouve lá, tu que tens experiência de queimaduras do primeiro grau…»

Pode ter-se sessenta anos. Mas no dia em que o peito sacode com as aurículas a brincar aos carrinhos-de-choque com os ventrículos,

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Como se Faz uma Declaração de Amor?

Mas então como se faz uma declaração de amor? Em papel selado, na presença de um advogado. Por que não? As piores declarações são as pífias e clandestinas, do género «Acho-te uma pessoa muito interessante». As melhores são aquelas que comprometem quem as faz, que se baseiam em provas capazes de serem apresentadas em tribunal, que fazem corar as testemunhas. As declarações do tipo «Experimentar-a-ver-se-dá» nunca dão. É melhor mandar imprimir 2000 folhetos e distribuí-los por avioneta à população, devidamente identificados, do que um bilhetinho anónimo de «um admirador». As declarações de amor têm de cortar a respiração de quem as recebe, têm de rebentar na cara de quem as lê. O amor e o terrorismo são questões de objectivo, e não de grau.

Como estamos todos a zero, ninguém pode dar conselhos a ninguém. Há séculos que as maiores cabeças do mundo procuram a frase perfeita de apresentação. Há as deixas rascas, do género «Deixe-me adivinhar o seu signo» ou «Não costuma cá estar às terças-feiras, pois não?». Há as deixas pirosas, do género «Importa-se que eu lhe diga que você é muito bonita?» ou «Posso só dizer-lhe uma coisa? O seu namorado tem muita sorte!». Depois,

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Os que Morrem por Amor

Os que morrem por amor continuam a pertencer à lenda. Os seus funerais arrastam uma multidão piedosa, tal como decerto aconteceu na cidade de Verona, há seiscentos anos. Ainda que nesse tempo os costumes fossem bastante fáceis, a prática erótica da juventude era muito mais modesta. Reflectindo melhor, é de crer que a própria licença produzisse um tipo de pessoas orgulhosas da sua intimidade afectiva; o que, se não é virtude, algo se parece. Este orgulho da própria intimidade conduz a uma atitude hostil em relação a tudo o que pode burocratizar os sentimentos. Há um sociólogo inclinado a crer que existe muito de romantismo burocrático no amor moderno. É possível. E quando aparecem os contestatários dessa espécie de burocracia, como são os Romeus e Julietas do Candal, a cidade fica-lhes agradecida. No campo dos afectos trata-se da luta obstinada que resulta do choque entre a vida privada e o regime governativo; entre um corpo animado de impulsos e uma autoridade explicada por leis. Através de inquéritos feitos nos meios juvenis para inquirir das transformações que se efectuam no âmbito das relações afectivas, deparam-se declarações bastante confusas. Elas pairam entre uma sinceridade elementar que descura a experiência e teorias perfeitamente viciadas nos lugares-comuns do século.

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