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Os Méritos Invisíveis

Há certos méritos em nós que nunca, como resultado de uma obra produzida, a nós próprios saltam à vista, nem mesmo na reacção do mundo se tornam perceptíveis; e, no entanto, são esses os mais valiosos e o tomar consciências deles levaria o nosso sangue a correr mais leve: captar e devolver essas radiações constitui a mais delicada tarefa da amizade.

Nada é Impossível nas Relações Humanas

Observando o decorrer do tempo, nada, afinal, se considera impossível no que concerne às relações humanas: nenhuma transformação, nenhum retrocesso, nenhuma contradição em si mesma. O que mantém tudo junto, o estado humano normal, que em tudo se pode encontrar, é de longe aquilo que é mais forte.

Os Homens não Sabem o que é o Amor

De forma geral, os homens não sabem o que é amor, é um sentimento que lhes é totalmente estranho. Conhecem o desejo, o desejo sexual em estado bruto e a competição entre machos; e depois, muito mais tarde, já casados, chegam, chegavam antigamente, a sentir um certo reconhecimento pela companheira quando ela lhes tinha dado filhos, tinha mantido bem a casa e era boa cozinheira e boa amante – então chegavam a ter prazer por dormirem na mesma cama. Não era talvez o que as mulheres desejavam, talvez houvesse aí um mal-entendido, mas era um sentimento que podia ser muito forte – e mesmo quando eles sentiam uma excitação, aliás cada vez mais fraca, por esta ou aquela mulher, já não conseguiam literalmente viver sem a mulher e, se acontecia ela morrer, eles desatavam a beber e acabavam rapidamente, em geral uns meses bastavam. Os filhos, esses, representavam a transmissão de uma condição, de regras e de um património. Era evidentemente o que acontecia nas classes feudais, mas igualmente com os comerciantes, camponeses, artesãos, de forma geral com todos os grupos da sociedade. Hoje, nada disso existe.
As pessoas são assalariadas, locatárias, não têm nada para deixar aos filhos.

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O Inventário da Nossa Civilização

Fazer o inventário ou uma análise da nossa civilização, quer dizer o quê? Procurar esclarecer, de uma maneira rigorosa, a armadilha que fez do homem escravo das suas próprias criações. Por onde se infiltrou a inconsciência entre a acção e o pensamento metódicos? Na vida selvagem, a evasão constitui uma solução preguiçosa. É preciso reencontrar, na própria civilização em que vivemos, o pacto original entre o espírito e o mundo. De resto, trata-se de uma tarefa impossível de concretizar, por causa da brevidade da vida e da impossibilidade da colaboração e da sucessão. O que não é razão para não a empreender. Estamos todos em situação análoga à de Sócrates, o qual, enquanto esperava a morte na prisão, aprendeu a tocar lira… pelo menos, teremos vivido…

O Livre Arbítrio

Um homem é dotado de livre arbítrio e de três maneiras: em primeiro lugar, era livre quando quis esta vida; agora não pode evidentemente rescindi-la, pois ele não é o que a queria outrora, excepto na medida em que completa a sua vontade de outrora, vivendo.
Em segundo lugar, é livre pelo facto de poder escolher o caminho desta vida e a maneira de o percorrer.
Em terceiro lugar, é livre pelo facto de na qualidade daquele que vier a ser de novo um dia, ter a vontade de se deixar ir custe o que custar através da vida e de chegar assim a ele próprio e isso por um caminho que pode sem dúvida escolher, mas que, em todo o caso, forma um labirinto tão complicado que toca nos menores recantos desta vida.
São esses os tês aspectos do livre arbítrio que, por se oferecerem todos ao mesmo tempo formam apenas um e de tal modo que não há lugar para um arbítrio, quer seja livre ou servo.

Da Liberdade

A: Eis uma bateria de canhões que atira junto aos nossos ouvidos; tendes a liberdade de ouvi-la e de a não ouvir?
B: É claro que não posso evitar ouvi-la.
A: Desejaríeis que esse canhão decepasse a vossa cabeça e as da vossa mulher e da vossa filha que estivessem convosco?
B: Que espécie de proposição me fazeis? Eu jamais poderia, no meu são juízo, desejar semelhante coisa. Isso é-me impossível.
A: Muito bem; ouvis necessariamente esse canhão e, também necessariamente, não quereis morrer, vós e a vossa família, de um tiro de canhão; não tendes nem o poder de não o ouvir nem o poder de querer permanecer aqui.
B: Isso é evidente.
A: Em consequência, destes uma trintena de passos a fim de vos colocardes ao abrigo do canhão: tivestes o poder de caminhar comigo estes poucos passos?
B: Nada mais verdadeiro.
A: E se fôsseis paralítico? Não teríeis podido evitar ficar exposto a essa bateria; não teríeis o poder de estar onde agora estais: teríeis então necessariamente ouvido e recebido um tiro de canhão e necessariamente estaríeis morto?
B: Nada mais claro.
A: Em que consiste, pois,

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O Começo de Todas as Histórias

O começo de todas as histórias é, no princípio, ridículo. Parece não haver esperança de que esta coisa acabada de nascer, ainda incompleta e tenra em todas as suas articulações, seja capaz de se manter viva na organização completa do mundo, que, como todas as organizações completas, luta por se fechar. Contudo, não podemos esquecer que a história, se tiver uma justificação para existir, tem dentro de si a sua própria organização completa até antes de estar completamente formada; por esta razão não há motivo para desesperar com o princípio de uma história; num caso semelhante, os pais teriam de desesperar com o bebé porque não tinham nenhuma intenção de trazer para o mundo este ser ridículo e patético.
É claro que nunca sabemos se há razão ou não para o desespero que sentimos. Mas reflectindo sobre isso podemos obter um certo apoio; sofri anteriormente da falta deste conhecimento.

O Paradoxo do Entendimento

Mas de vez em quando vinha a inquietação insuportável: queria entender o bastante para pelo menos ter mais consciência daquilo que ela não entendia. Embora no fundo não quisesse compreender. Sabia que aquilo era impossível e todas as vezes que pensara que se compreendera era por ter compreendido errado. Compreender era sempre um erro – preferia a largueza tão ampla e livre e sem erros que era não-entender. Era ruim, mas pelo menos se sabia que se estava em plena condição humana.

Estou Cheia de Ti esta Noite

Estou cheia de ti esta noite, Henry, e triste porque preferiria muito mais ir embora contigo. Percebi hoje, quando falaste no meu enxoval, que, relativamente a tudo o que compro, fico a pensar se tu gostarias. Não me pergunto se o meu pai gostaria. Estou terrivelmente longe do meu passado e terrivelmente perto de ti. Tocou-me que tenhas achado o café duplamente bom. Tudo será duplamente bom nas nossas férias.

Estou realmente esfomeada pelas nossas férias. Teria sido demasiado feminino da minha parte querer ver-te todos os dias, porque senti que o teu estado de espírito estava acinzentado, e eu queria que flutuasses outra vez. Não te quero torturado… nem por uma constipação!
No sábado vamos sair e escolhemos discos juntos, okay?
Envia-me a minha carta “Auto-Retrato” que eu deixei.

Lembra-te das últimas palavras de Lawrence no Apocalypse… Algo sobre estar de bem com o Sol. Que bem trará o Sol para mim? O Sol está bem para o homem, o criador, o macho cósmico, etc. A mulher é tão terrivelmente pessoal que até o Sol deve encarnar num homem. No Henry, para mim.

A Filosofia é Essencial para Compreender a Vida

Bem longe de se assustar ou mesmo de enrubescer com o nome de filósofo, não existe ninguém no mundo que não devesse possuir fortes laivos de filosofia. Ela convém a todos; a sua prática é útil em todas as idades, para todos os sexos e para todas as condições: ela consola-nos da felicidade do outro, das preferências indignas, dos fracassos, do declínio das nossas forças ou da nossa beleza; arma-nos contra a pobreza, a velhice, a doença e a morte, contra os tolos e os maus zombeteiros; faz-nos viver sem uma mulher ou faz-nos suportar aquela com quem vivemos!

Depender de Alguém

Depender de alguém, das ideias dos outros ou das filosofias das massas é negar a nossa própria existência, é abdicar totalmente do poder que nos foi concedido à nascença e a mais profunda ingratidão para com a oportunidade que nos foi dada de aqui estar. Como já o disse, cada um de nós é um ser especial e precioso, com responsabilidades pessoais e sociais diferentes de todos os outros. Cada um de nós pode fazer a diferença.
Quantas vezes já deixaste de arriscar porque não to permitiram? Quantas vezes já sonhaste com algo diferente daquilo que te foi imposto ou ensinado e por isso desististe? Quantas vezes foste feliz por depender de algo ou alguém?
Muitas pessoas optam, conscientemente, pela dependência por acharem que a vida se torna mais fácil nesse estado de submissão. Na verdade não lhes é exigido que lutem por nada, por ninguém e, muito menos, por elas. Agora, pergunto eu, que interesse é que isto tem? Esta gente, apesar de respirar e dar ares da sua graça, já morreu e só anda aqui a fazer figura de corpo presente, pois as suas vidas já não são desafiantes. Ser dependente é ter medo de assumir o risco das suas paixões,

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A Vida é uma Eternidade

Sabemos que vamos morrer e que estaremos mortos tanto tempo como não estivemos à espera para nascer. É banal dizer-se que a vida é um intervalo ou uma passagem ou um instante. Não é. A vida é uma excepção generosamente comprida à regra nem triste nem alegre da inexistência.
A vida está para o nada como o planeta Terra está para o sistema solar a que pertence. Sim, pode haver vida noutros planetas. Mas será uma vida que vale a pena viver? Ou que apenas vale a pena estudar?

Sabemos que temos muito tempo de vida: muito mais do que precisamos. O direito à preguiça e à procrastinação está consagrado na nossa vida e faz logo, à partida, parte dela.
Sabemos que somos obrigados a pensar, errada e repetidamente, que o tempo em que estamos vivos é importante. E que as nossas noções de declínio (“dantes é que era bom; os jovens de hoje não sabem o que perdem”) são lugares-comuns de todas as gerações antes de nós.

Sabemos que não há ninguém que não envelheça, desde o bebé que nasceu neste segundo até ao velho que, por ter morrido agora mesmo, deixou de envelhecer.

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Saber Lidar com as Injúrias

Se o próprio Epicuro, que tanto cedeu ao corpo, se insurgiu contra as injúrias, porque hão-de nos parecer estas coisas incríveis ou sobre-humanas? Epicuro disse que, para o sábio, as injúrias são toleráveis; nós dizemos que, para o sábio, não há injúrias. E não digas que isto é estar em desacordo com a natureza: não negamos que seja desagradável ser fustigado, agredido ou ficar privado de um membro, mas negamos que estas coisas sejam injúrias; não contestamos o carácter doloroso, mas sim o nome de «injúria», o qual não podemos aceitar sem faltar à virtude. Veremos qual das duas doutrinas é mais verdadeira; mas, de qualquer forma, ambas desprezam a injúria.
Queres saber qual a diferença entre elas? É a mesma que existe entre dois gladiadores intrépidos: um que comprime a ferida e mantém-se em posição, o outro, virando-se para o público clamoroso, faz sinal de que nada se passou e pede para que não se pare o combate. Não julgues que aquilo em que discordamos é importante: no que diz respeito ao ponto principal, que é aquele que nos interessa, as duas doutrinas encorajam a desprezar as injúrias e o que eu chamaria sombras das injúrias e suspeições,

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A Deliciosa Solidão dos Anos de Maturidade

O que é significativo na existência de cada um é algo de que dificilmente temos consciência e não deve seguramente incomodar os outros. O que sabe um peixe acerca da água na qual nada durante toda a vida?
A amargura e a doçura vêm do exterior, as dificuldades do interior, dos nossos próprios esforços. Na maior parte das vezes faço as coisas que a minha própria natureza me compele a fazer. É embaraçador ganhar tanto respeito e amor por isso. Também me foram atiradas setas de ódio, mas nunca me atingiram, porque de algum modo pertencem a outro mundo, com o qual não tenho qualquer tipo de ligação.
Vivo naquela solidão que é penosa na juventude, mas deliciosa nos anos de maturidade.

A Verdadeira Afeição

– Como posso testemunhar a minha afeição?
– Como um homem de carácter, como um homem afortunado; pois a razão nunca exige que nos abaixemos, que nos lamentemos, que nos coloquemos sob a dependência de outrem, que nunca acusemos Deus nem um homem. É assim que quero ver-te testemunhar a afeição: na qualidade de um homem que quer observar essas prescrições. Mas se devido a essa afeição – qualquer que seja o sentimento a que chamas afeição – deves ser escravo e infeliz, não te é proveitoso mostrar-te afeiçoado.

Caminho da Manhã

Vais pela estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão o silêncio de bronze. À tua direita irá primeiro um muro caiado que desenha a curva da estrada. Depois encontrarás as figueiras transparentes e enroladas; mas os seus ramos não dão nenhuma sombra. E assim irás sempre em frente com a pesada mão do Sol pousada nos teus ombros, mas conduzida por uma luz levíssima e fresca. Até chegares às muralhas antigas da cidade que estão em ruínas. Passa debaixo da porta e vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, até encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o largo pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o branco da cal onde a luz cai a direito. Também ali entre a cidade e a água não encontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopro corrido e fresco do mar. Entra no mercado e vira à tua direita e ao terceiro homem que encontrares em frente da terceira banca de pedra compra peixes.

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A Dieta do Génio

Os meios de que Júlio César se serviu para se defender das doenças e das dores de cabeça: grandes caminhadas, um modo de vida simplíssimo, permanência constante ao ar livre, fadigas contínuas — estas são, em grandes traços, as regras de conservação e defesa geral contra a extrema vulnerabilidade dessa máquina subtil, e que trabalha a uma altíssima pressão, chamada génio.