Abordar um Texto Poético
Abordar um texto poético, qualquer que seja o grau de profundidade ou amplitude da leitura, pressupõe, e ouso dizer que pressuporá sempre, uma certa incomodidade de espírito, como se uma consciência paralela observasse com ironia a inanidade relativa de um trabalho de desocultação que, estando obrigado a organizar, no complexo sistema capilar do poema, um itinerário contínuo e uma univocidade coerente, ao mesmo tempo se obriga a abandonar as mil e uma probabilidades oferecidas pelos outros itinerários, apesar de estar ciente de antemão de que só depois de os ter percorrido a todos, a esses e àquele que escolheu, é que acederia ao significado último do texto, podendo suceder que a leitura alegadamente totalizadora assim obtida viesse só a servir para acrescentar à rede sanguínea do poema uma ramificação nova, e impor portanto a necessidade de uma nova leitura. Todos carpimos a sorte de Sísifo, condenado a empurrar pela montanha acima uma sempiterna pedra que sempiternamente rolará para o vale, mas talvez que o pior castigo do desafortunado homem seja o de saber que não virá a tocar nem a uma só das pedras ao redor, inúmeras, que esperam o esforço que as arrancaria à imobilidade.
Não perguntamos ao sonhador por que está sonhando,
Textos sobre Pedras
105 resultadosDisponibilidade Vazia
O cigano foi-se confessar; mas o padre, precavido, começou por interrogá-lo sobre os mandamentos de Deus. Ao que o cigano respondeu: «Olhe, senhor padre, eu ia aprender isso, mas depois ouvi um zum-zum de que tinha perdido o valor». (…) Todo o mundo – nações, indivíduos – está desmoralizado. Durante uma temporada, esta desmoralização diverte e até vagamente ilude. Os inferiores pensam que lhes tiraram um peso de cima. Os decálogos conservam do tempo em que eram inscritos sobre pedra ou bronze oseu carácter de pesadume. A etimologia de mandar significa carregar, pôr em alguém algo nas mãos. Quem manda é, sem remissão, quem tem o encargo. Os inferiores do mundo inteiro já estão fartos de que os encarreguem e sobrecarreguem, e aproveitam com ar festivo este tempo de pesados imperativos. Mas a festa dura pouco. Sem mandamentos que nos obriguem a viver de um certo modo, fica a nossa vida em pura disponibilidade. Esta é a horrível situação íntima em que se encontram já as melhores juventudes do mundo. De puro sentir-se livres, isentas de entraves, sentem-se vazias. Uma vida em disponibilidade é maior negação que a morte. Porque viver é ter que fazer algo determinado – é cumprir um encargo –,
Analisar as Nossas Relações
Nenhuma mudança psíquica sustentável ocorre rapidamente. São necessários o autoconhecimento, a educação, o treino, a utilização de ferramentas e, em especial, a compreensão básica do mais complexo dos universos, a mente humana.
Qualquer mulher gostaria de remover a impaciência, a ansiedade, as fobias, o humor depressivo e a timidez da sua mente. Mas a vontade consciente de mudança ou superação de um conflito, por mais forte e poderosa que seja, não é eficiente. Não basta o Eu querer reorganizar a sua personalidade, é preciso utilizar estratégias adequadas. Até um psicopata gostaria de ser gentil e afetivo em toda a sua agenda psíquica, mas, no calor das crises, os monstros alojados no seu inconsciente devoram-no e magoam os outros.O Eu deve ser equipado, em especial, para ser o Autor da sua história. Porque brilhamos no mundo exterior, mas somos tão opacos no mundo interior? Porque é que as guerras, os homicídios, as discriminações, os distúrbios psíquicos, os conflitos sociais fazem a pauta da nossa história? Por que razão sonham os pais em proporcionar a melhor educação aos seus filhos, mas nem sempre têm êxito? Porque é que casais apaixonados que fazem juras de amor podem acabar inimigos?
Vivemos numa Paz de Animais Domésticos
Uma cobra de água numa poça do choupal, a gozar o resto destes calores, e umas meninas histéricas aos gritinhos, cheias de saber que o bicho era tão inofensivo como uma folha.
Por fidelidade a um mandato profundo, o nosso instinto, diante de certos factos, ainda quer reagir. Mas logo a razão acode, e o uivo do plasma acaba num cacarejo convencional. Todos os tratados e todos os preceptores nos explicaram já quantas espécies de ofídios existem e o soro que neutraliza a mordedura de cada um. Herdamos um mundo já quase decifrado, e sabemos de cor as ervas que não devemos comer e as feras que nos não podem devorar. Vivemos numa paz de animais domésticos, vacinados, com os dentes caninos a trincar pastéis de nata, tendo aos pés, submissos, os antigos pesadelos da nossa ignorância. Passamos pela terra como espectros, indo aos jardins zoológicos e botânicos ver, pacata e sàbiamente, em jaulas e canteiros, o que já foi perigo e mistério. E, por mais que nos custe, não conseguimos captar a alma do brinquedo esventrado. O homem selvagem, que teve de escolher tudo, de separar o trigo do joio, de mondar dos seus reflexos o que era manso e o que era bravo,
A Culpa dos Males que nos Acontecem
Em todos os males que nos acontecem, olhamos mais para a intenção do que para o efeito. Uma telha que cai de um telhado pode ferir-nos mais, mas não nos desola tanto como uma pedra atirada de propósito por uma mão maldosa. O golpe, por vezes, falha mas a intenção nunca erra o alvo. A dor física é a que menos se sente nos ataques da sorte e, quando os infortunados não sabem a quem culpar pelas suas infelicidades, culpam o destino, que personificam e ao qual atribuem olhos e uma inteligência disposta a atormentá-los intencionalmente.
É o caso de um jogador que, irritado com as suas perdas, se enfurece sem saber contra quem. Imagina que a sorte se encarniça intencionalmente para o atormentar e, encontrando alimento para a sua cólera, excita-se e enfurece-se contra um inimigo que ele próprio criou. O homem sábio, que em todas as infelicidades que lhe acontecem só vê golpes da fatalidade cega, não tem essas agitações insensatas; grita na sua dor, mas sem exaltação, sem cólera; do mal que o atinge só sente os ataques materiais, e os golpes que recebe podem ferir a sua pessoa, mas nenhum atinge o seu coração.