Navios-Fantasmas
O arabesco fantástico do fumo
Do meu cigarro traça o que disseste,
A azul, no ar, e o que me escreveste,
E tudo o que sonhaste e eu presumo.Para a minha alma estática e sem rumo,
A lembrança de tudo o que me deste
Passa como navio que perdeste,
No arabesco fantástico do fumo…Lá vĂŁo! Lá vĂŁo! Sem velas e sem mastros,
TĂŞm o brilho rutilante de astros,
Navios-fantasmas, perdem-se a distância!Vão-me buscar, sem mastros e sem velas,
Noiva-menina, as doidas caravelas,
Ao ignoto PaĂs da minha infância…
Passagens sobre Velas
148 resultadosUm timoneiro que se preze continua a navegar mesmo com a vela despedaçada.
Tem cautela; ajuda o sol com uma vela
Não vela a pena pressionar quem não está disposto ao diálogo. (O Futuro da Humanidade)
LĂngua Portuguesa
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela
Amo-se assim, desconhecida e obscura
Tuba de algo clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, Ăł rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”,
E em que Camões chorou, no exĂlio amargo,
O gĂŞnio sem ventura e o amor sem brilho!
A Mais Bela Noite do Mundo
Hoje,
será o fim!Hoje
nem este falso silĂŞncio
dos meus gestos malogrados
debruçando-se
sobre os meus ombros nus
e esmagados!Nem o luar, pano baço de cenário velho,
escutando
a minha prisĂŁo de viver
a lição que me ditavam:
– Menino! acende uma vela na tua vida,
que o sol, a luz e o ar
sĂŁo perfumes de pecado.
Tem braços longos e tentadores – o dia!– Menino! recolhe-te na sombra do meu regaço
que teus pés
são feitos de barro e cansaço!(Era esta a voz do papão
pintado de belo
na máscara de papelĂŁo).Eram inĂşteis e magoadas as noites da minha rua…
Noites de lua
que lembravam as grilhetas
da minha vida parada.– AmanhĂŁ,
terás os mestres, as aulas, os amigos e os livros
e o espectáculo da morgue
morando durante dias
nos teus sentidos gorados.AmanhĂŁ,
será o ultrapassar outra curva
no teu caminho destinado.(Era esta a voz do papĂŁo
que acendia a vela,
A ausência diminui as paixões pequenas e aumenta as grandes, porque o vento apaga velas e ventila um incêndio.
Infância
Passa lento o tempo da escola e a sua angĂşstia
com esperas, com infinitas e monótonas matérias.
Oh solidĂŁo, oh perda de tempo tĂŁo pesada…
E entĂŁo, Ă saĂda, as ruas cintilam e ressoam
e nas praças as fontes jorram,
e nos jardins é tão vasto o mundo —.
E atravessar tudo isto em calções,
diferente de como os outros vão e foram —:
Oh tempo estranho, oh perda de tempo,
oh solidão.E olhar tudo isto à distância:
homens e mulheres; homens, homens, mulheres
e crianças, tão diferentes e coloridas —;
e entĂŁo uma casa, e de vez em quando um cĂŁo
e o medo surdo trocando-se pela confiança:
Oh tristeza sem sentido, oh sonho, oh medo,
Oh infindável abismo.E então jogar: à bola e ao arco,
num jardim que manso se desvanece
e por vezes tropeçar nos crescidos,
cego e embrutecido na pressa de correr e agarrar,
mas ao entardecer, com pequenos passos tĂmidos,
voltar silencioso a casa, a mão agarrada com força —:
Oh compreensĂŁo cada vez mais fugaz,
Oh angĂşstia,
Deixa, Moreira, o Mundo
(Ao seu Amigo)
Deixa, Moreira, o mundo; Ă© tempo agora
De ver da praia firme o golfo insano,
As velas colhe, e o tarde desengano
Com levantadas mĂŁos devoto adora.Repousa pois: o mundo hoje devora
Com enganos cruéis o peito humano;
E rindo-te de ver o antigo engano,
As antigas paixões sábio melhora.Deixa Amor, deixa as Musas, e somente
Do Ilustre Baco o copo Ă boca arrima;
Pois alegra a quem vive descontente:Louva o homem discreto, o Sábio estima;
Ama a virtude; mostra-te prudente;
Toma tabaco, fala Ă tua Prima.
As paixões são como as ventanias que enfunam as velas dos navios: algumas vezes os submergem, mas sem elas não podem navegar.
Nome Para Uma Casa
Ossos enxutos de repente as mĂŁos
sobre o repousado peito entrelaçadas
como quem adormeceu
Ă sombra de uma quieta
e morosa árvore de copa alargada.
Dos olhos direi que abertos
para dentro me parecem
não os verei mais de agitação ansiosa
e hĂşmido afago brandos no seu ferver
de amor avarento agora tão acalmados também
tão de longe observando incrédulos e astuciosos
a escura gente de roda com ladainhas de
abjuradas mágoas.Julgo ouvir a chuva no tépido pinhal
mas pode ser engano
ainda há pouco o vento limpara o céu anoitecido
por entre o sussuro do lamuriado tédio
alguém se aproxima em bicos dos pés
por entre hortências ou dálias
de ambas minha mãe gostavaas ratazanas heréticas perseguem-se no sótão
como no tempo de nĂŁo sei quando
os estalidos de madeira seca
no tecto antigo que os bichos mastigam aplicadamente
enquanto as velas agĂłnicas se revezam
uma a uma dançando no sereno rosto que dorme
sem precisar de dormir tĂŁo perto o rosto e tĂŁo ausente
tĂŁo da vida agreste aliviado
as pessoas vão repartindo ais estórias lembranças
vĂŁo repartindo haveres e contos largos
enquanto no barco do tempo o morto se afasta
solene e majestático mesmo que o medo
o persiga até ao limite das águas.
Gazel do Amor que NĂŁo se Deixa Ver
Somente por ouvir
o sino da Vela
pus em ti uma coroa de verbena.Granada era uma lua
afogada entre as heras.Somente por ouvir
o sino da Vela
destrocei meu jardim de Cartagena.Granada era uma corça
rosada pelos cataventos.Somente por ouvir
o sino da Vela
me abrasava em teu corpo
sem saber de quem era.Tradução de Oscar Mendes
há-de flutuar uma cidade…
há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida
pensava eu… como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcadopor vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentĂssimos… sem ninguĂ©me nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentado Ă porta… dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci… acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no
coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala Ă minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dĂşvidas que alguma vez me visite a felicidade
O homem ama a companhia, mesmo que seja apenas a de uma vela que queima.
Até que o sol não brilhe, acendamos uma vela na escuridão.
Os Governos sĂŁo as velas, o povo Ă© o vento, o Estado Ă© o barco, e o tempo Ă© o mar.
Cada Dia que Passa me Aproxima de Si
Bom! Recebo neste instante a sua carta escrita Ă luz de uma sĂł vela – e tenho de retirar tudo, tudo, tudo o que escrevi! Pois acabou-se! NĂŁo retiro. A minha querida dizia no outro dia que devĂamos mostrar um ao outro todos os estados de espĂrito em que tivĂ©ssemos estado. Mostro-lhe, assim, que estive hoje, ontem, antes de ontem num estado de impaciĂŞncia por uma palavra sua, gemendo e queixando-me de «ne voir rien venir». E mostro-lhe assim o desejo de ter todos os dias, ou quase todos, um doce, adorado, apetecido e consolador «petit mot». (…) As pessoas que se estimam nunca deviam se apartar; a culpa tem-na a nossa complicada civilização; o encanto seria que os que se amam se juntassem em tribos, acampando aqui e alĂ©m, com as suas afeições e a sua bilha de água, and «settling down to be happy, anywhere, under a tree».
Cada dia que passa, agora, me aproxima de si. (…) Eu tambĂ©m nĂŁo realizo bem a situação. Ela nĂŁo deixa de ser ligeiramente romântica. Separamo-nos amigos, reencontramo-nos noivos. Que profunda, grave, sĂ©ria diferença! Enquanto a gente se escreve, num tom de alegre felicidade, gracejando por vezes, falando de sentimentos e dando «notĂcias do coração» –
Nada Pode Haver de mais Belo
Amigo Bernardo, dos desertos do RoncĂŁo d’el-Rei, na mais bela poĂ©tica noite de luar que ver se possa, te escreve este teu amigo. Nada pode haver de mais belo; os rouxinĂłis cantam Ă desgarrada, o ar rescende dos milhares de loendros (laurier-rose) que cobrem as encostas alcantiladas do Guadiana. Que maravilha, que encanto, que tristeza (tu, com certeza, aqui choravas)! Neste momento, houve-se o sinistro roncar da coruja e o longĂnquo uivar dos lobos, misturado com o forte ladrar dos rafeiros e os nossos cavalos relincham inquietos nas quadras… É Ă luz dum prosaico castiçal (uma garrafa com uma vela) que te escrevo estas sentidas regras, que espraio sobre este branco papel as ondas da minha melancolia. E como nĂŁo estar melancĂłlico se acabamos de fazer dezasseis lĂ©guas a cavalo em oito horas e nĂŁo descansámos e nĂŁo dormimos a noite passada senĂŁo uma mĂsera hora e vemos apenas diante de nĂłs umas velhas esteiras, as nossas mantas, e os aparelhos dos nossos cavalos como travesseiros, para passarmos umas noites.
A distância é como os ventos: apaga as velas e acende as grandes fogueiras.
Acordando
Em sonho, Ă s vezes, se o sonhar quebranta
Este meu vĂŁo sofrer; esta agonia,
Como sobe cantando a cotovia,
Para o cĂ©u a minh’alma sobe e canta.Canta a luz, a alvorada, a estrela santa,
Que ao mundo traz piedosa mais um dia…
Canta o enlevo das cousas, a alegria
Que as penetra de amor e as alevanta…Mas, de repente, um vento humido e frio
Sopra sobre o meu sonho: um calafrio
Me acorda. — A noite Ă© negra e muda: a dorCá vela, como d’antes, ao meu lado…
Os meus cantos de luz, anjo adorado,
SĂŁo sonho sĂł, e sonho o meu amor!